‘Brasilha’ da fantasia

Ninguém acorda com culpa na Ilha da fantasia,

ninguém se sente culpado na ilha da fantasia

e não ser de todo inocente

é sempre muito normal na ilha da fantasia.

Na ilha da fantasia não interessam

os olhos inocentes dos filhos antes de dormir

os filhos apontados na rua

o que dirão os colegas na escola

e as crianças dos vizinhos.

Não fere arde envergonha

o olhar confuso das crianças

ao ler o que sai nos jornais.

Vamos ao que importa na ilha da fantasia:

a gratificação a estabilidade

a comissão as garantias

o adicional os benefícios

os 18% que me cabem

se não vou aos jornais

e conto da parte que não te cabia mas você levou

na ilha da fantasia.

Eu te filmei eu te gravei

eu sei de tudo da tua

deliciosa doce vida,

portanto, morreremos de mãos dadas

abraçados

atirando uns nos outros

até que nos esqueça a fugacidade da imprensa

e nos confortem as mãos amigas da Justiça

o entendimento do digníssimo desembargador

a interpretação da lei no tribunal superior.

Venha a meu gabinete

passe em meu escritório

vá com sua mulher lá em casa

daremos uma festa

faremos um jantar

quem sabe outros agitos até de manhã.

Ninguém é culpado na ilha da fantasia

ninguém deve nada

à mulher que espera o ônibus

e não combina bolsa e sapato,

à outra que atravessa a BR

longe da passarela,

nenhuma explicação merece o homem cansado

que sai tão cedo e volta tão tarde

levando no rosto

o resto de sonho desfeito.

Todos deitam sem culpa na ilha da fantasia

depois que se apagam as luzes lilases das festas

que se esvaziam as travessas

sossegam-se as bebedeiras

calam-se os vômitos

encerra-se o pó

e a paz reina envergonhada.

1 comentário em “‘Brasilha’ da fantasia”

  1. Denise Giusti

    Muito bom, deveria ser publicado em outros veículos para que mais pessoas ltivessem acesso.

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