A picardia de Luarlindo e o fim do JB

Recomendei no faceBook e no twitter a leitura da coluna de Joaquim Ferreira dos Santos em O Globo desta segunda-feira falando sobre o último dia do Jornal do Brasil. Lembrando o fim da edição impressa do JB, Joaquim enumerou diversos jornalistas que ajudaram a fazer a história daquele que foi, certamente, o melhor e mais importante jornal da imprensa brasileira por diversos fatores, que vão desde o conteúdo ao tratamento gráfico.

Conheci alguns dos jornalistas citados, e entre eles um me é particularmente inesquecível, primeiramente pelo nome, e depois por uma história contada sobre ele, que se verdadeira – e quem contava era fonte confiável – terá sido a própria piada criada na vida real, a história de boteco que ninguém inventou, que aconteceu de fato, mas que ganhou ares de piada e vive pelos botecos como se nascida deles.

Luarlindo Ernesto era repórter de Polícia do JB, e depois de O Dia, se bem me lembro. Era daquela geração que aprendeu o ofício da reportagem perguntando e observando – e não lendo release – o mundo cão das delegacias e presídios. Conta a história que Luarlindo estava na audiência de conciliação com a ex-mulher, quando a juiz virou-se para ela e disse “Minha senhora, eu vou lhe dar três salários mínimos de pensão”. O Astuto repórter, mantendo a reverência que convém perante um magistrado, mas com o talento de quem não perde a piada, feita de preferência com a própria desgraça, levantou o dedo polegar em apoio: “Muito bem, meritíssimo, quando eu puder, eu lhe ajudo”.

Lembrando dessa história, e remetendo à pasteurização do trato com a informação nos dias de hoje, me vem a sensação de que junto com a JB, também foi para o túmulo algo essencial aos jornalistas.

Domingo, bem cedo de manhã.

Na janela do banheiro

meus olhos dormem acordados

olhando a grama que arde amarela em agosto.

Os poucos sons da cidade

não têm forças para desafiar

o 17º andar desse prédio deserto

na zona central de Brasília.

No limite possível das alturas,

passa um avião branco

como a paz da manhã.

Vem de longe

vai para mais longe ainda

leva junto minha cabeça vazia da noite.

Encontros com 40 grandes autores

Por Alexandre Pilati*.

 

A editora LEYA lançou no Brasil um livro que teve grande repercussão internacional. Trata-se de ENCONTROS COM 40 GRANDES AUTORES, uma obra que reúne perfis e entrevistas de 40 autores de renome de diversas nacionalidades, tanto de ficção como de não ficção.

O autor das entrevistas é o jovem jornalista australiano Ben Naparsteck, de apenas 26 anos. Apesar da pouca idade, Naparsteck é reconhecido como um dos mais destacados jornalistas culturais da Austrália, sendo hoje editor da revista The Monthly, de Melbourne. Entre os anos de 2001 e 2008, Ben Naparsteck entrevistou mais de cem personalidades do mundo dos livros e da cultura. Dessas cem entrevistas que foram feitas presencialmente, ou por telefone ou por e-mail, a editora Leya selecionou 40 significativos exemplares.

Esse é o tipo de livro que pode agradar àqueles que gostam de conhecer o que os autores pensam sobre o mundo contemporâneo e de que modo eles refletem sobre a sua própria obra. Em ENCONTROS COM 40 GRANDES AUTORES é possível encontrar depoimentos reveladores sobre detalhes dos processos criativos de escritores como Carlos Fuentes e José Saramago e também interessantes passagens da vida de cada um deles.

Alguns destaques entre os 40 autores

Um dos grandes destaques entre os 40 escritores entrevistados é o do português José Saramago. Ele fala a Naparsteck, numa das suas últimas entrevistas, sobre a forma como seu estilo especial de escrever começou. Segundo o recém falecido ganhador do premio Nobel, esse estilo que o consagrou começou durante a redação do romance Levantado do chão, em 1979, e teria sido influenciado pelo tema do livro, que remetia ao Portugal arcaico do início do século XIX, um ambiente no qual predominava a cultura de contar histórias oralmente predominava.

Outro grande momento do livro é o depoimento do crítico de arte e escritor italiano Umberto Eco, autor de O nome da rosa. Em tom de brincadeira e provocação, Umberto Eco diz que ele inventou Dan Brown, o autor do famoso Código Da Vinci, uma verdadeira galinha dos ovos de outro da indústria do entretenimento. Segundo Eco, Dan Brown seria como um dos personagens grotescos de seu romance O pêndulo de Foucault, que levam a sério a fartura de material estúpido sobre ocultismo e elaboram intrincadas teorias conspiratórias.

O autor norte-americano Paul Auster também ganha destaque entre os entrevistados do livro. Ele dá a Bem Naparsteck um belo depoimento sobre o porquê de escrver literatura. Segundo ele, são o imprevisto, a sorte inesperada, o desconhecido que fazem surgir as histórias de ficção e seria exatamente nisso que residiria a semelhança da arte com a vida e a razão da identificação de tanta gente com as “mentiras verdadeiras” da literatura.

Uma celebração da arte de entrevistar

No fim das contas, Bem Naparsteck nos apresenta com grande competência a sua capacidade para deixar a vontade e ouvir grandes celebridades do mundo das letras. Não é fácil estar diante de autores renomados como o romancista Carlos Fuentes, o lingüista e ativista político Noam Chomsky, o escritor Ismail Kadaré, o filósofo Bernard-Henri Levy ou o psicanalista Adam Philips. A estratégia de Naparsteck, segundo ele próprio, foi se comportar ceticamente com relação às afirmações dos entrevistados, exatamente para não ser seduzido pelo brilho do seu pensamento.

É bom lembrar que há um livro muito semelhante publicado aqui no Brasil pela editora Record, que reúne perfis de grandes escritores elaborados a partir de entrevistas, de autoria de José Castello. O livro se chama Inventário das sombras e, publicado em 1999, já se encontra na 3ª edição, também disponível nas livrarias. Nele, José Castelo apresenta perfis de autores como Manoel de Barros, Hilda Hilst, Ana Cristina César, Nelson Rodrigues e Adolfo Bioy-Casares. 

*Eu e Alexandre Pilati conversamos sobre literatura na BandNews FM todas as 2ªs e 3ªs na BandNews FM Brasília, 90,5, às 16h51 e 11h31, respectivamente.  

Outra vez sobre árvores.

Tempos atrás escrevi que em Brasília estavam cortando muitas árvores. A explicação da autoridade é de que algumas delas, plantadas há mais de 40 anos, podem cair de uma hora para a outra porque foram comidas por dentro por um uma espécie de besouro que torna um tronco colossal tão frágil quanto uma casquinha de amendoim.

Pois o que eu temia, aconteceu. O som angustiante da moto-serra se fez ouvir esta semana no jardim do meu bloco. Quando cheguei em casa na hora do almoço, estava no chão uma das árvores que alimentava de sombras trêmulas as paredes do meu quarto nas manhãs ensolaradas de Brasília. A sensação imediata é a de deparar com o corpo sem vida de alguém que cantava feliz de manhã, quando saímos para trabalhar.

Ao meu questionamento, o encarregado responsável por recolher do gramado os galhos espalhados me apontou o toco serrado quase ao chão, sobra dolorosa do que pouco antes era majestade. Em cima do toco, o motivo: cinco ou seis besouros quase do tamanho de minha mão estendida. É de se imaginar que algumas centenas daqueles, ao longo dos anos, tenham mesmo sido capazes de vencer a beleza, de no lugar dela deixar o vazio da aridez. Mas por que não mataram esses bichos logo que eles apareceram? Eu pergunto o óbvio, sem lembrar que nesse país o óbvio tantas vezes não é feito e muito menos respondido.

O homem simples titubeia diante de minha eloquência de gravata e paletó bom pendurado nos dedos. Ele não sabe, ele só está ali para recolher os galhos, nunca o mandaram matar os besouros. Como consolo – e fala com o mesmo tom com que se fala a alguém que perde um amigo doente – ele me assegura que nenhuma outra árvore do jardim do prédio será derrubada, pois “o bicho não deu em mais outra não”.

Guardei as palavras do homem, como guardo outras que me sustentam a esperança. Mas sempre que passo pelo jardim, olho cada árvore com a inquietante possibilidade de se ver alguém pela última vez.

A Justiça do Tiririca.

Vivemos em um país que às vezes parece querer resolver as coisas na base das atitudes extremas. Lembra um pouco aquele tipo de  pais que, reprimidos na infância, deixam os filhos mandarem e desmandarem em casa.

Para coibir a demonstração de preferência da mídia por determinado candidato, a Justiça Eleitoral estabeleceu regras rígidas para a cobertura da campanha eleitoral. Infringir essas normas é encrenca na certa para o jornalista e órgãos de imprensa. Algumas exigências são pertinentes. Como a imprensa brasileira não aprendeu a não ser tendenciosa, é providencial que se exija o mesmo tempo de cobertura para os candidatos aos cargos majoritários.

O problema é que tanto cuidado acabou por tolher o direito de crítica. Nós, jornalistas que lidamos diariamente com a campanha eleitoral, estamos pisando em ovos na hora de falar de A,B ou C. Se dissermos que fulano promete algo que não poderá cumprir, somos passíveis de receber sei lá que tipo de punição, pois isso não ficou muito claro, pelo menos para mim. Se lembrarmos que sicrano é suspeito de ter embolsado aquela verba pública e que agora se apresenta como guardião da probidade, é provável a dor de cabeça para o nosso lado.

Mas enquanto a lei nos obriga a uma cobertura medrosa nessas eleições, a mesma Justiça que acena com essa lei permite o circo no horário eleitoral gratuito. Determinado candidato a deputado anuncia que quer se eleger para arrumar a vida de todo mundo, começando pela família dele. Por sua vez, o palhaço Tiririca – ícone trash do lixão dos anos 90 – também anuncia suas pretensões eleitorais, e para isso faz do horário eleitoral apenas mais um quadro de suas apresentações pelo interior do Brasil.

Então é de se supor que, a partir do ridículo constrangedor de Tiririca e candidatos afins, no entendimento da Justiça a cobertura crítica a favor do esclarecimento da sociedade merece vigilância e repressão se for o caso, mas o deboche com a cara do eleitor, esse é isento de fiscalização e rigor.

Um menino maluquinho de 30 anos

Por Alexandre Pilati*

 

Um dos grandes destaques da atual edição da Bienal do Livro de São Paulo é a centésima edição do mais famoso livro infantil da nova literatura brasileira:  O menino Maluquinho. A história do personagem começou durante essa mesma feira literária paulista. Em 1980, foi durante o evento que Ziraldo publicou o livro, com uma tiragem inicial de 5.000 exemplares. Antes de a Bienal daquele longínquo 1980 chegar ao fim, outras duas tiragens já haviam rodado, somando mais 10 mil exemplares. A soma, hoje, calcula-se em torno de 2,8 milhões de livros vendidos. É um fenômeno editorial que alia qualidade de texto e de desenho a uma ampla repercussão na mídia.

Para comemorar os trinta anos do personagem, a editora Melhoramentos — na qual Ziraldo já publicou mais de cem obras– o homenageia com uma edição de colecionador de 2.000 exemplares. O formato de luxo traz depoimentos de ícones como Ruth Rocha, Fernanda Montenegro e Zuenir Ventura e não será vendido, será apenas dado como presente pela editora e pelo autor. Uma versão mais simples, entretanto, deve chegar às livrarias, mas com a mesma cara que fez o Maluquinho ser sucesso entre crianças e adultos durante tanto tempo.

O segredo do sucesso do Menino Maluquinho

Um dos traços marcantes da narrativa infantil de Ziraldo é a forma simples com que trata de questões bastante complexas. No Menino maluquinho essa é uma característica determinante. O autor trata de assunto bastante complexos como a morte, a separação dos pais, o amor, a amizade, sem dar a tudo isso uma tonalidade chata de “texto pedagógico”. Nada é sonegado dos pequenos leitores. Eles têm acesso à vida de um menino comum, como qualquer outro, que vive a vida pela alegria de viver e um dia, como é natural, cresce e se torna um adulto feliz. O segredo do sucesso desse menino de 30 anos é, portanto, tratar o leitor infantil de igual pra igual, sem simplificar questões ou esconder problemas. Por isso e pelo talento do autor para o desenho, o livro já é um clássico da nossa literatura infantil.

Os novos meninos maluquinhos: O menino da lua e o menino da terra

Na Bienal de São Paulo, Ziraldo anunciou que vai prolongar a série Menino da Lua e lançou um dos volumes da série, chamado o menino da terra, sua mais nova criação na linhagem de meninos maluquinhos, por mais 10 livros. O autor, que está com 77 anos, promete lançar um livro por ano até terminar a coleção. No Menino da Lua, Ziraldo cria um mundo à parte e um grupo de personagens que brinca – de tudo que as crianças já brincaram – entre estrelas e planetas. O menino da lua e seus amigos formam uma turma de tirar qualquer um de órbita. Um momento único que esse contador de histórias, nunca tão singelo e doce, como agora, proporciona aos seus leitores, que são todas as crianças iguais aos meninos deste livro e, também, as que ainda existem no coração dos pais, dos professores, das tias, dos avós, da família inteira.

Cada um de seus leitores – novos e velhos – vai viajar aqui, mais uma vez, a bordo deste fantástico disco-voador que é o livro. E, certamente, com muita emoção neste que é pilotado por Ziraldo.

Eu e AlexandrePilati estamos no bate-papo literário na BandNews FM Brasília, 90,5, toda 2ª e 3ª feiras, às 16h51 e 11h31.

Estranhamento

Acabo de ouvir na BandNews FM o ator Juca de Oliveira declamando o poema Motivo, de Cecília Meireles (Eu canto porque o instante existe e  a minha vida está completa…). Tenho em minha memória de leitor este poema como sendo uma de minhas primeiras referências de poesia, um dos que inauguraram meu entendimento sobre o gênero – se é que existe a hipótese de se entender a poesia como entendemos as correntes filosóficas, sociológicos e por aí vai.

Teoricamente é impossível que não seja formidável a interpretação de um ator do naipe de Juca de Oliveira para um texto que é momento cristalino de nossa literatura. Confesso, no entanto, algo que não chega a ser desaprovação com a leitura, mas sim uma espécie de estranhamento com o tom que Juca emprestou ao poema. Sabe quando se cria a fisionomia e o físico de uma pessoa que conhecemos apenas pela voz e tudo isso desaba ao sermos apresentados a ela? (Acontece muito comigo que trabalho em rádio).

Pois é. Desde os meus primórdios de leitura, Motivo é lido – ou imaginado – de uma forma quase monocórdica, feito alguém que conversa consigo mesmo sobre algo para o qual só cabe a resignação, pois não há jeito para esse algo que está ou vai se consumar. Juca concedeu ao texto uma dramaticidade que não registrei lá no início, quando me tornei leitor de poesia, e que portanto não se perpetuou.

Provavelmente o poema de Cecília inspira várias outras interpretações não apenas como peça de leitura, mas como mensagem propriamente dita, e longe de mim achar que a minha é a que se aproxima do objetivo da autora. E sem demérito à interpretação do consagrado ator, ouvir Motivo hoje foi como conhecer aquele sujeito que imaginava alto e moreno e me apareceu baixo e louro. Em todo o caso, vai o reconhecimento ao Juca de Oliveira pelo sopro de poesia nessa tarde arrastada e sem interesse, tão abaixo do universo de Cecília Meirelles.

Ah! Faltou o poema, né?

Motivo

Cecília Meireles.

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Onde a elite vai arranjar uma empregada?

Pouca gente percebeu, mas uma das maiores gafes em campanhas eleitorais dos últimos tempos foi cometida no debate da TV Band entre quatro dos candidatos que postulam ocupar o governo do Distrito Federal. Seu autor, o lendário Joaquim Roriz, candidato de uma coligação arranjada às pressas para a corrida eleitoral.

Roriz coleciona processos, denúncias e mandatos como governador do Distrito Federal. Acusado de populista e clientelista, se defende dizendo que o que importa a ele são os pobres, nos pobres está a razão de sua vida política, um discurso que torna compreensível a acusação.

Ao final de mais uma resposta em que rechaçava a pecha que lhe recai nos ombros há 20 anos, Roriz disse que não se pode querer uma cidade apenas com ricos. Se assim for – nas palavras dele – “como iremos encontrar uma empregada doméstica?”

Há cerca de oito anos, a secretária de Educação de um de seus governos já havia dito que com tanto programa social existente, os moradores do Lago Sul – a Ipanema/Leblon de Brasília – já não mais encontravam passadeiras, arrumadeiras e outras “eiras” serviçais. O nome da secretária é Eurides Brito, a mesma que aparece nos vídeos escandalosos da roubalheira em Brasília colocando na bolsa parte da grana da maracutaia.

Sabemos que entre os pobres desse país há muitos que preferem o peixe a vara de pescar. Mas uma rápida olhadela pela história, nos mostrará que na elite econômica também há os adeptos do pouco – ou nenhum – esforço, para os quais o dinheiro é ótimo, melhor ainda se vier da falcatrua ou da exploração daquela outra parte dos pobres, a que empunha a vara de sol a sol e nunca que consegue fisgar um peixe gordo que dê pra família toda.

Então, para não terem que aprender a cozinhar e a lavar os pratos, há mais de 500 anos alimentam dia a dia a miséria desse país.

A parceria da Penguin com a Cia das Letras

Por Alexandre Pilati.

Em setembro de 2009, a Companhia das Letras se associou à Penguin Books para publicar edições da Penguin Classics no Brasil. A Penguin Classics é a maior e mais abrangente editora de literatura do mundo, e passa a ser a primeira editora de língua inglesa a publicar clássicos em português.

O selo Penguin-Companhia editará em português obras do riquíssimo catálogo da coleção Penguin Classics, e uma série de clássicos da língua portuguesa, que recuperarão o histórico design “listrado” do início da Penguin, considerado um dos mais importantes da história do design britânico. Alguns dos autores do atual catálogo da Companhia e obras-primas da língua portuguesa serão publicados nas duas séries. A Penguin-Companhia preservará nos volumes brasileiros as introduções e notas que distinguem as edições da Penguin Classics, além dos famosos guias de leitura Penguin. Os guias de leitura foram elaborados para estimular a discussão dos clássicos entre grupos de leitores. Além das perguntas, haverá sempre um texto introdutório comentando a obra do ponto de vista histórico e literário.

Um outro diferencial do projeto da parceria entre Penguin e Cia das Letras está no formato dos livros. Todos os títulos podem ser adquiridos tanto no formato tradicional, em papel, quanto no formato digital. No site da editora, é possível adquirir o direito a download da obra da coleção, por preços que variam de R$ 13,50 a R$ 22,50. É um sinal dos tempos, pois cada vez mais o livro digital ganha espaço no mercado editorial mundial, apesar de caminhar timidamente no Brasil.

Os títulos e os destaques da Penguin no Brasil

Os primeiros títulos da coleção Clássicos Penguin em Português começaram a ser publicados no segundo semestre de 2010. Entre eles estão O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, em nova tradução, O Brasil holandês, seleção de documentos históricos realizada pelo historiador Evaldo Cabral de Mello e Joaquim Nabuco essencial, uma seleção de textos célebres do pensador brasileiro organizados por Evaldo Cabral de Mello.

Os destaques

Evaldo Cabral de Mello (ORG.) O Brasil holandês.

A presença do conde Maurício de Nassau no nordeste brasileiro, no início do século XVII, transformou Recife em uma cidade desenvolvida. A história do governo holandês no Nordeste brasileiro se confunde com a guerra entre Holanda e Espanha. Em 1580, quando os espanhóis incorporaram Portugal, lusitanos e holandeses já tinham uma história de relações comerciais. Este volume reúne passagens de documentos da época, desde as primeiras invasões na Bahia e Pernambuco até sua derrota e expulsão. Os textos – apresentados e contextualizados pelo historiador Evaldo Cabral de Mello – foram escritos por viajantes, governantes e estudiosos. São depoimentos de quem participou ou assistiu aos fatos. O detalhe é que Evaldo Cabral de Mello optou por uma narrativa clara e bem escrita e, por isso, além de produzir uma obra fundamental para historiadores e pesquisadores, criou um livro de fácil leitura e de grande interesse geral.

Joaquim Nabuco. Essencial Joaquim Nabuco

Com uma seleção criteriosa e iluminadora do historiador Evaldo Cabral de Mello, os trechos das obras de Joaquim Nabuco (1848-1910) incluídos neste volume revelam não só o essencial da produção mais conhecida do grande abolicionista pernambucano, como também momentos decisivos que se encontram guardados em suas obras menos conhecidas. Joaquim Nabuco (1849-1910) foi um dos primeiros pensadores brasileiros a ver na escravidão o grande alicerce da nossa sociedade. Sendo ele um intelectual nascido e criado no ambiente da aristocracia escravista, a liderança pela campanha da Abolição não só causa espanto por sua coragem e lucidez como faz de Nabuco um dos maiores homens públicos que o país já teve.

A defesa da monarquia federativa, a campanha abolicionista, a atuação diplomática, a erudição e o espírito grandioso do autor pernambucano são apresentados aqui em textos do próprio Nabuco, na seleção criteriosa e esclarecedora feita pelo historiador Evaldo Cabral de Mello, também responsável pelo texto de introdução.

Selecionados de suas obras mais relevantes, como O Abolicionismo (1883), Um estadista do Império (1897), Minha formação (1900), entre outras, os textos permitem acompanhar não apenas a trajetória de Nabuco, a evolução de seu pensamento e de suas atitudes apaixonadas, mas sobretudo o tempo histórico brasileiro em algumas de suas décadas mais decisivas.

*O poeta Alexandre Pilati participa comigo às segundas e terças do bate-papo literário das BandNews FM 90,5 Brasília, às 16h51 e 11h31, respectivamente.

Jornalista está cada vez mais doente

Abaixo, reproduzo o texto de Elaine Tavares sobre a triste realidade de uma categoria, a dos jornalistas. Deve ser lido não apenas por nós, profissionais de imprensa, mas também pela sociedade em geral, já que nos creditam o poder de formar a opinião dela. Com exceção dos dois últimos parágrafos, que enaltecem o papel dos sindicatos de jornalistas, que definitivamente não agem no Brasil do modo descrito, digo que o texto retrata com acuidade a situação profissional da imprensa brasileira. É um pouco longo, mas vale a pena para quem se interessa pelo assunto. 

Por Elaine Tavares.

O psicólogo, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Heloani, conseguiu levantar um perfil devastador sobre como vivem os jornalistas e por que adoecem. O trabalho ouviu dezenas de profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do método de pesquisa quantitativo e qualitativo, envolvendo profissionais de rádio, TV, impresso e assessorias de imprensa. E, apesar de a amostragem envolver apenas dois estados brasileiros, o relato imediatamente foi assumido pelos delegados ao Congresso dos Jornalistas de Santa Catarina – que aconteceu de 23 a 25 de julho – evidenciando assim que esta é uma situação que se expressa em todo o país.

Segundo Heloani, a mídia é um setor que transforma o imaginário popular, cria mitos e consolida inverdades. Uma delas diz respeito à própria visão do que seja o jornalista. Quem vê a televisão, por exemplo, pode criar a imagem deformada de que a vida do jornalista é de puro glamour. A pesquisa de Roberto tira o véu que encobre essa realidade e revela um drama digno de Shakespeare. Nela, fica claro que assim como a mais absoluta maioria é completamente apaixonada pelo que faz, ao mesmo tempo está em sofrimento pelo que faz, o que na prática quer dizer que, amando o jornalismo eles não se sentem fazendo esse jornalismo que amam, sendo obrigados a realizarem outra coisa, a qual odeiam. Daí a doença!

Um dado interessante da pesquisa é que a maioria do pessoal que trabalha no jornalismo é formada por mulheres e, entre elas, a maioria é solteira, pelo simples fato de que é muito difícil encontrar um parceiro que consiga compreender o ritmo e os horários da profissão. Nesse caso, a solidão e a frustração acerca de uma relação amorosa bem- sucedida também viram foco de doença.

Heloani percebeu que as empresas de comunicação atualmente tendem a contratar pessoas mais jovens, provocando uma guerra entre gerações dentro das empresas. Como os mais velhos não tem mais saúde para acompanhar o ritmo frenético imposto pelo capital, os patrões apostam nos jovens, que ainda tem saúde e são completamente despolitizados. Porque estão começando e querem mostrar trabalho, eles aceitam tudo e, de quebra, não gostam de política ou sindicato, o que provoca o enfraquecimento da entidade de luta dos trabalhadores. “Os patrões adoram, porque eles não dão trabalho”.

Outro elemento importante desta “jovialização” da profissão é o desaparecimento gradual do jornalismo investigativo. Como os jornalistas são muito jovens, eles não têm toda uma bagagem de conhecimento e experiência para adentrar por estas veredas. Isso aparece também no fato de que a procura por universidades tradicionais caiu muito. USP, Metodista ou Cásper Líbero (no caso de São Paulo) perdem feio para as “uni”, que são as dezenas de faculdades privadas que assomam pelo país afora. “É uma formação muitas vezes sem qualidade, o que aumenta a falta de senso crítico do jornalista e o torna mais propenso a ser manipulado”. Assim, os jovens vão chegando, criando aversão pelos “velhos”, fazendo mil e uma funções e afundando a profissão.

Um exemplo disso é o aumento da multifunção entre os jornalistas mais novos. Eles acabam naturalizando a idéia de que podem fazer tudo, filmar, dirigir, iluminar, escrever, editar, blogar etc… A jornada de trabalho, que pela lei seria de 5 horas, nos dois estados pesquisados não é menos que 12 horas. Há um excesso vertiginoso. Para os mais velhos, além da cobrança diária por “atualização e flexibilidade”, há sempre o estresse gerado pelo medo de perder o emprego. Conforme a pesquisa, os jornalistas estão sempre envolvidos com uma espécie de “plano B”, o que pode causa muitos danos à saúde física e mental. Não é sem razão que a maioria dos entrevistados não ultrapasse a barreira dos 20 anos na profissão. “Eles fatalmente adoecem, não aguentam”.

O assédio moral que toda essa situação causa não é pouca coisa. Colocados diante da agilidade dos novos tempos, da necessidade da multifunção, de fazer milhares de cursos, de realizar tantas funções, as pessoas reprimem emoções demais, que acabam explodindo no corpo. “Se há uma profissão que abraçou mesmo essa idéia de multifunção foi o jornalismo. E aí, o colega vira adversário. A redação vive uma espécie de terrorismo às avessas”.

Conforme Heloani, esta estratégia patronal de exigir que todos saibam um pouco de tudo nada mais é do que a proposta bem clara de que todos são absolutamente substituíveis. A partir daí o profissional vive um medo constante, se qualquer um pode fazer o que ele faz, ele pode ser demitido a qualquer momento. “Por isso os problemas de ordem cardiovascular são muito frequentes. Hoje, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) e o fenômeno da morte súbita começam a aparecer de forma assustadora, além da sistemática dependência química”.

O trabalho realizado por Roberto Heloani verificou que nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro 93% dos jornalistas já não têm carteira assinada ou contrato. Isso é outra fonte de estresse. Não bastasse a insegurança laboral, o trabalhador ainda é deixado sozinho em situações de risco nas investigações e até na questão judicial. Premidos por toda essa gama de dificuldades os jornalistas não tem tempo para a família, não conseguem ler, não se dedicam ao lazer, não fazem atividades físicas, não ficam com os filhos. Com este cenário, a doença é conseqüência natural.

O jornalista ganha muito mal, vive submetido a um ambiente competitivo ao extremo, diante de uma cotidiana falta de estrutura e ainda precisa se equilibrar na corda bamba das relações de poder dos veículos. No mais das vezes estes trabalhadores não têm vida pessoal e toda a sua interação social só se realiza no trabalho. Segundo Heloani, 80% dos profissionais pesquisados têm estresse e 24,4% estão na fase da exaustão, o que significa que de cada quatro jornalistas, um está prestes a ter de ser internado num hospital por conta da carga emocional e física causada pelo trabalho. Doenças como síndrome do pânico, angústia, depressão são recorrentes e há os que até pensam em suicídio para fugir desta tortura, situação mais comum entre os homens.

O resultado deste quadro aterrador, ao ser apresentado aos jornalistas, levou a uma conclusão óbvia. As saídas que os jornalistas encontram para enfrentar seus terrores já não podem mais ser individuais. Elas não dão conta, são insuficientes. Para Heloani, mesmo entre os jovens, que se acham indestrutíveis, já se pode notar uma mudança de comportamento na medida em que também vão adoecendo por conta das pressões. “As saídas coletivas são as únicas que podem ter alguma eficácia”, diz Roberto.

Quanto a isso, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Rubens Lunge, não tem dúvidas. “É só amparado pelo sindicato, em ações coletivas, que os jornalistas encontrarão forças para mudar esse quadro”. Rubens conta da emoção vivida por uma jornalista na cidade de Sombrio, no interior do estado, quando, depois de várias denúncias sobre sobrecarga de trabalho, ele apareceu para verificar. “Ela chorava e dizia, `não acredito que o sindicato veio´. Pois o sindicato foi e sempre irá, porque só juntos podemos mudar tudo isso”. Rubens anda lembra dos famosos pescoções, praticados por jornais de Santa Catarina, que levam os trabalhadores a se internarem nas empresas por quase dois dias, sem poder ver os filhos, submetidos a pressão, sem dormir. “Isso sem contar as fraudes, como a do Diário do Oeste, em Concórdia, que não tem qualquer empregado. Todos foram transformados em sócios-cotistas. Assim, ou se matam de trabalhar, ou não recebem um tostão”.

A pesquisa de Roberto Heloani é um retrato vivo, chaga aberta, de uma realidade nacional. Os jornalistas espelhados aqui têm uma única opção: lutar de forma conjunta, unificados e dentro dos sindicatos. As derrotas vividas com a decisão do STF fragilizam e consomem ainda mais os profissionais, mas, a história humana está aí para mostrar que só a luta muda as coisas. Saídas individuais podem servir a um ou outro, mas quando uma categoria luta junto, ela vence! Assim é!

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