Problema meu, problema dele
Quando cheguei no estacionamento, vi que ele passava na calçada, há uns dez metros de mim. Virei de costas para entrar no carro e pressenti que ele se aproximava por trás. Vinha devagar. Pelo barulho dos passos parecia cansado, sem oferecer qualquer perigo.
-Moço! Ele me chamou.
Para os pedintes, somos sempre moços ou moças, independentemente da idade que tenhamos. Olhei-o de frente. Vinte anos mais velho que eu, no mínimo. As roupas não eram novas, mas ainda eram apresentáveis. Usava um relógio e um anel, que me pareceu mesmo de um metal qualquer sem valor.
-Eu to pedindo pelo amor de Deus para encontrar alguém que me pague um café com leite e um pão com manteiga. Não como nem sei desde quando.
Brasília, nesta época do ano, fica lotada de pedintes profissionais. Vêm da Bahia, de Minas, de olho nas gorjetas dos que vivem na ilha da fantasia. Mas lá, onde moram, muitos que aqui pedem têm casa, comida, não lhes falta nada, ao menos do básico.
-Eu to com vergonha, moço! Acredita! Com vergonha e com fome, nem sei com qual das duas eu to mais. – e começou a chorar. Parou quando pedi que se acalmasse
Eu não tinha nenhuma razão para acreditar naquele homem. Muito menos para duvidar.
Peguei uma nota da carteira, um valor que desse, no mínimo, para um café da manhã mais ou menos.
Ele pegou o dinheiro e baixou o rosto. Se realmente estava com vergonha, talvez fosse ela que pesasse em sua cara. Voltou a chorar. “Essa gente é artista, cara, não acredita não”, me disse uma vez um policial.
Eu disse vai em paz, e ele foi, pedindo a Deus que me abençoasse.
Se ele mentiu, o problema é dele.
Se falou a verdade e eu podendo ajudar houvesse negado ajuda, o problema seria meu.