Sobre psicologia e o dia do psicólogo

Sempre olhei com desdém a psicologia e com desconfiança os psicólogos.

Na minha limitada cabeça de homem classe média nascido no subúrbio do Rio, terapia era coisa de madame mal comida de Ipanema e Leblon.

Quando pintava alguma neura, eu ia pro bar encher a cara com os parceiros de fé.

Até que as quatro paredes do meu mundo desabaram. O teto veio junto e o chão desapareceu sob meus pés.

Faltaram amigos, fé e todos os bares fecharam.

Chorando, bati à porta de um consultório.

É difícil olhar nos olhos a dor de ser o que somos e que não deveríamos ser, para o nosso próprio bem.

Mas é assim que vencemos a nós mesmos: nos olhando nos olhos, sem desviar.

E isso a terapia tem me ensinado, embora eu não seja mágico a ponto de já ter conseguido da noite para o dia e totalmente. Mas estou me esforçando, e, a cada dia, consigo me olhar de frente um pouco mais.

Assim como os poetas, os palhaços, os músicos, pintores, artistas que jogam malabares nos sinais, assim como as crianças, os psicólogos ajudam a humanidade a manter ao menos os níveis mínimos e toleráveis de sanidade mental.

Parabéns pelo dia de hoje!

psis

Menina do Rio

Se você morasse em Brasília,

quando setembro chegasse

trazendo chuva,

e as flores exóticas

nascessem pelos canteiros das quadras

como enfeites esquecidos,

e a grama lavada voltasse

piedosa a brindar com oxigênio

a cidade perfumada

de terra molhada,

eu ficaria na janela,

como quem espera passar o café da tarde,

te imaginando subir encharcada as escadas

do bloco,

trazendo a primavera desenhada

nos seios marcando a camiseta branca

colada no corpo.

25.8.2014

Mulher na chuva

A importância do depoimento de Mírian (A Leitão, da Globo)

A gente pode não concordar com a linha editorial seguida pela Mírian Leitão, mas o que não falta ao seu trabalho é credibilidade.

Calcado nisso, seu depoimento de ex-torturada vêm colaborar e muito com o entendimento de que a ditadura militar foi para o Brasil o que a idade média significou para a humanidade de uma forma geral: trevas, atraso, horror, vilipêndio à dignidade do ser humano.

É um depoimento de validade incomensurável para pessoas de duas gerações: algumas que viveram a época, mas alienadas que eram naqueles anos, permanecem assim nos dias de hoje, chegando até mesmo a dizer que ” a coisa não era bem assim como esse pessoalzinho de esquerda fala não”.

E entre as outras, incluo muitos dos jovens de hoje em dia que, sem qualquer sintoma de conhecimento histórico, se agarram ao moderno e cretino bordão de defesa da estupidez daqueles anos: a ditadura foi um mal necessário.

A quem ler o depoimento de Mírian é de se perguntar qual a necessidade que algum dia houve neste, e em qualquer outro país, de se colocar uma mulher nua e grávida numa sala escura com um jiboia.

Leiam o depoimento e julguem a história recente do Brasil.

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/08/1502711-jornalista-revela-como-foi-torturada-nua-gravida-e-com-cobra-pela-ditadura.shtml

Toca Raul (Sempre)!

Uns dez anos atrás, o prédio em que moro até hoje estava sendo reformado e me lembro de que quando passei por debaixo dos andaimes ouvi alguém cantando Metamorfose Ambulante. Afinado, um dos operários desfiava os versos da música de cabo a rabo enquanto manejava seus instrumentos de trabalho. Eu, que iria pegar meu carro para ir trabalhar, tinha em mãos um CD dos anos 90 com diversas versões em inglês que Raul Seixas gravou das próprias músicas. Era o que me embalaria no caminho.

Pensei o quão gratificante para um artista deve ser sua obra transitar em diversas camadas da sociedade. Eu, profissional de nível superior e aquele homem, que provavelmente não fora além do ensino básico, tínhamos algo em comum além de sermos os dois filhos de Deus. É provável que em algum outro ponto da cidade, alguém com diversas diferenças em relação a nós dois, também estivesse ouvindo Raul, e tantos outros mais diversos ainda não apenas ouvissem e cantassem, mas também, em algum momento de suas vidas pedissem ‘Toca Raul!’.

Não gosto de samba, pouco ouço MPB, e bossa nova, pra mim, é remédio pra insônia ou trilha sonora do tédio. Mas não é questão de achar bom ou ruim. É outra coisa, que passa pela estética, mas, acima de tudo, pela representatividade.

Para usar uma expressão que me aprece meio desbotada, mas que ainda tem lá sua capacidade de resumir um sentimento, Chico, Caetano, Gil são ótimos, mas não me representam, não falam, com exceção de uma ou outra música, o que vai pelas minhas veias e artérias, o que move minhas angústias e alegrias.

Raul, ao contrário, disse tudo que eu queria dizer, e ainda quero, mesmo 25 anos depois de ele ter partido pra verdadeira vida.

Um exemplo disso está neste link.

No mais, hoje e sempre, Toca Raul!!!!

Dica de música

Essa música é uma das músicas mais lindas que ouvi nos últimos anos…
A banda é bem interessante. Nada de espetacular, mas altamente “ouvível”…

E tem a versão instrumental também

https://www.youtube.com/watch?v=LWD1Crp_6vg

Pensando melhor agora

Passei boa parte da vida me achando culpado por quase tudo que acontecia.

Mas olhei pra trás, olhei bem e acho que enxerguei melhor.

Depois disso, me sinto mais aliviado, feito alguém que estava com dor nas costas e entrou debaixo de uma cachoeira forte.

Eu posso não ter sido inocente na maioria dos casos, mas não fui o único culpado.

Aliás, em muitas das vezes, nem fui o principal.

sentimento-de-culpa

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