Frango de borracha com cabeça de boneca

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O caso dos faxineiros de um museu na Itália que, sem saber do que se tratava, mandaram pro lixo a instalação de um artista plástico feita com garrafas de champanhe e guimbas de cigarro me lembrou de uma exposição que visitei no Museu da República, em Brasília ( http://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/faxineiros-de-museu-italiano-jogam-obra-de-arte-no-lixo-17888295 ).

Depois de zanzar por diversas peças que exigiram bastante da minha imaginação (pois meu poder de interpretação jogou a toalha a certa altura), deparei com quatro ou cinco vergalhões torcidos e enferrujados. Espetados neles, havia corpos de pequenos frangos depenados, que, ao menos não eram de verdade, e sim de látex. Os falsos franguinhos não tinham cabeça. Ou melhor, não tinham as deles. No lugar das originais, as cabeças de bonecas.

A obra não conseguiu de mim sequer um centímetro de aprovação, mas me despertou reações: ri, fiz piada, me detive nela mais tempo do que nas outras. Apenas por não ter me deixado impassível, a obra cumpriu o papel que é o da arte. No caso, podemos dizer, com certeza, que o que havia era tão somente a pretensão de ser arte.

E essa pretensão, penso eu, cria abismos entre o artista e o público. Certas obras, como os frangos de borracha espetados e com cabeças de bonecas, se pretendem geniais, mas detêm tão somente uma esquizofrênica arrogância de alguém que se acha acima da média intelectual do mundo mortal. Em outras palavras: coitado, ele não é compreendido por que é um gênio cercado de ignorantes obscuros.

Os artistas italianos, autores da instalação com garrafas e guimbas, ficaram indignados com os faxineiros. Quem sabe se no lugar da revolta por esses homens simples não terem compreendido uma presunçosa genialidade, não caberia a eles, artistas, uma autoanálise sobre se o talento que acham possuir está realmente transmitindo ao público o que querem transmitir com sua arte. Ou mesmo o que acham que querem, e podem até não ter certeza.

Recomendo o mesmo ao autor do franguinho, antes que na próxima exposição haja um faxineiro desavisado.

Muro (e trailer) branco pra quê?

Asa Norte, Brasília, DF
Asa Norte, Brasília, DF

Se eu morasse numa casa, gostaria que ela tivesse um muro branco.

Justamente para não permanecer branco.

Eu a ofereceria a algum artista de rua, como um adulto que entrega uma folha em branco para uma criança desenhar.

Imagino-me síndico de um prédio com uma comprida e lisa fachada lateral. Convocaria assembleia extraordinária para tentar convencer os moradores a enfeitá-la com um grafismo de seis, sete andares. Certamente seria voto vencido. Algum vizinho mais racional diria que “se é para ocupar a fachada, que seja com propaganda de empresa de telefonia”, para que em troca ela bancasse as despesas do condomínio. Tem lá sua grande utilidade prática, não há como negar, exibir na parede do prédio uma modelo tentando te convencer que aquela operadora de celular é tão perfeita quanto ela, modelo.

Mas o grafismo também tem, embora esta utilidade não seja tangível nas contas do fim do mês.

Pois se você parar para pensar que esses desenhos que enfeitam a cidade cobrindo muros, tapumes e trailers – como é o caso da foto – descansam os olhos e esvaziam nosso pensamento sempre lotado de afazeres, compromissos e problemas, verá que eles têm lá sim muita serventia. Nem que seja para fazer com que o tempo do sinal fechado passe mais rápido.

A doença é do outro, a quarentena é sua

Por Michelle Mattos*

http://revistaglamour.globo.com/
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Não cliquei no post sobre a polêmica envolvendo pedofilia no master chef Jr.

Não tive estômago pra ler as confissões do movimento super válido‪#‎primeiro‬ assédio

Ainda assim vejo com ótimos olhos a discussão. É preciso falar, comentar, dar conhecimento a essa realidade pra combater.

Mas é que pra quem habita um corpo feminino, isso não é novidade. Qual menina nunca ouviu de uma colega/amiga um relato de abuso? Qual menina nunca viu, depois que uma confessou, várias outras no mesmo círculo assumirem que foram vítimas também.

São muitas histórias. Abuso de um familiar, de um amigo da família, quando ainda se é pequena. E aí você cresce e o drama continua. No metrô, no ônibus.

Você estuda insanamente pra passar numa universidade federal. Aí você passa e não pode fazer certas disciplinas porque é perigoso o caminho até o prédio. É isolado, pouco movimentado. Vocêc é menina, lembra? Melhor não arriscar.

E no trabalho, você, que nada fez, se vê evitando ir a certos lugares pra não esbarrar com o engraçadinho que acha que tá agradando ao ficar enchendo seu ouvido com umas insistidas desnecessárias, insuportáveis, invasivas.

Habitar o corpo feminino tem isso. É tão comum que às vezes a gente nem se toca. A gente só deixa de ir, de falar, de vestir, só pra não ouvir ou atrair.

A doença está no outro, mas é você é quem fica em quarentena.

*Michelle Mattos é jornalista

Imóvel na planta? Pense bem

Você pretende comprar imóvel na planta? A crise econômica fez com que o que era ótimo negócio anos atrás se torna-se sinônimo de perda de dinheiro. Confira na reportagem que fiz para a TV Justiça pela Coordenadoria de Rádio e TV do Superior Tribunal de Justiça.

Nota

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Logo de manhã cedo, mesmo aos domingos e feriados, manda bom dia com florzinhas e bichinhos para todos os 15 grupos que participa no uatzápi.

Mas quando sai no corredor do prédio, nem olha na cara dos vizinhos.

Ah, vai…

O piquenique como método de ocupação

landjackman.blogspot.com
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No feriado deparei com um grupo de vizinhos fazendo um piquenique no gramado de uma das quadras de Brasília.

Quem não conhece a cidade pode saber que uma das características desse condado autárquico administrativo é ter maravilhosos e amplos espaços verdes. E vazios, aonde ninguém vai, aonde ninguém aparece. São vagos os motivos desse desperdício provocado pela falta de convivência, ninguém arrisca cravar uma explicação.

Já disseram que em Brasília os espaços são para serem contemplados, jamais ocupados. Se faz parte do conceito da tão propalada genialidade urbanística e arquitetônica, não sei, mas há centenas de gramados que, tristes e solitários, parecem implorar por pés de crianças chutando bolas ou toalhas de xadrez com bolos, pães e garrafas de refresco.

O piquenique lançou em mim um grão de areia de esperança de que as pessoas por aqui possam enfim despertar para a necessidade de povoar esses extensos gramados, e que por meio do convívio ocupem também um lugar no coração umas das outras. Conhecer os vizinhos, conviver com a sua comunidade pode ser útil até mesmo materialmente. Quem mora ao lado pode ter um conhecido que ajude um parente seu desempregado, pode conhecer um médico que resolva a dor crônica que tortura sua pobre vozinha.

Enquanto escrevo, lembro-me da rua em que passei parte da infância e adolescência, no castigado bairro carioca do Andaraí, citado diversas vezes por Machado de Assis em romances e crônicas. 20, 30 anos atrás a rua era tomada de meninos jogando bola e soltando pipa. Hoje é quase deserta, e em seu silêncio e vazio passeiam minhas lembranças de meninice.

Portanto, não arrisco dizer que o problema é geográfico, restrito à capital do país. Superpopulosas, as grandes cidades brasileiras parece que criaram, certamente por fatores sociais ou culturais, não apenas bolsões de isolamento físico e urbano, mas principalmente humanos e emocionais.

Estender uma toalha no gramado em frente ao prédio, chamar o vizinho de porta e, juntos, cortarem um bolo ou mesmo abrirem uma garrafa de espumante certamente vai trazer mais alegria a Brasília, às outras cidades, e nos fazer recordar que precisamos de algo bem mais caloroso que o Netflix.

Mariazinha perfeitinha

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A funcionária pública se esmera em fazer parecer a todo mundo que é exemplar, mantém constante vigilância sobre a conduta dos outros e acha que a pessoa tem obrigação de estourar na vida até os 35 anos.

“Veja o fulano! Tem 40 anos e ainda paga aluguel!”

Como oposto do fracasso, gosta de tomar si própria como exemplo: funcionária efetiva e concursada do tribunal superior há mais de cinco anos. Isso, no seu entender, a coloca em degrau de diferenciação. Espalha aos quatro ventos que todos os chefes a requisitam para suas seções, embora ninguém jamé de never more tenha ouvido isso da boca de algum deles.

Pela sua teoria acerca da relação idade x sucesso, ela tem aí uns dois ou três anos de vantagem em relação ao limite, pois não aparenta passar dos 33.

Se o sujeito chegou aos 35 e não decolou, esquece – ela sentencia -, será medíocre e mediano até o fim dos dias.

Em dias de bom coração, chego no máximo a cultivar pena dessa moça. Boa casa, família, boa escola, universidade top, curso no exterior. Nunca foi ao chão, e temo que não esteja preparada para aqueles tombos dolorosos e inevitáveis que a vida nos dá a qualquer tempo, pode ser aos 20, aos 40, 50, e mesmo aos 35, e que o maior desafio depois não é “estourar”, e sim se reerguer e tentar continuar.

Da fila do Detran como meio de aprimoramento espiritual

www.correiobraziliense.com.br
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Acho que hoje galguei uns três degraus na escada da minha evolução espiritual.

Passei três horas dentro do Detran do Distrito Federal. Sem me irritar, sem reclamar. Quem mora aqui sabe que isso é para os fortes.

Às oito da manhã, me deparei com uma fila de umas 200 pessoas. Para pegar a senha. Lá dentro, umas 300 já aguardavam o atendimento. Gastei metade de meu dia esperando que o documento do meu carro fosse liberado.

Deixei para a última hora resolver pendências. Aliás, para depois da última hora, pois o prazo para isso venceu na semana passada. Então, além do Estado, havia outro culpado por eu ter passado três horas da minha vida em uma repartição pública cuidando de burocracia: eu mesmo.

Respirei fundo e pus na cabeça algo que já deveria ter posto há anos: os maiores prejudicados somos nós mesmos quando perdemos as estribeiras, quando perdemos o controle diante de situações adversas, muitas das quais nós mesmos procuramos com nosso desleixo em resolver as coisas na hora em que deveriam ser resolvidas.

Saí de lá com a documentação do carro legalizada, livre de mais dor de cabeça caso fosse parado numa blitz. E saí leve, sem ter jogado adrenalina desnecessária no sangue e um monte de ácido nas paredes do estômago.

Na rua me perguntei por que não ajo sempre assim, e me prometi me fazer acompanhar em situações futuras e semelhantes desse sujeito que hoje esteve no Detran.

O que não isenta o Estado da obrigação de prestar bom atendimento ao contribuinte. Seja ele zen budista ou um fio desencapado em forma de gente.

Fuja do óbvio! Faça bem à sua inteligência e ao seu bolso

cantinhodisney.blogspot.com
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Acho que quase sempre ganhamos quando não optamos pelo óbvio, quando caminhamos na contramão do que o senso comum, plantado tantas vezes pela mídia, nos impõe.

Há uma semana assisti a um belíssimo espetáculo: Cora dentro de mim, com a atriz Lília Diniz e direção de Adeilton Lima. O texto é uma costura maravilhosa com os poemas de Cora Coralina, e deixa claro que a autora goiana viveu muito à frente do seu tempo e da gente que morava na sua amada Cidade de Goyaz, capital antes de Goiânia.

O preço? R$ 20. A inteira.

No mesmo dia, vi numa dessas faixas verde limão, penduradas em um viaduto, o anúncio de uma peça que, pelo nome, deveria ser um arremedo de piadas banais sobre sexo e relacionamento. Algo que, mesmo que eu não tenha visto, me pareceu ser bem próximo de lugares comuns que já estiveram nos palcos e telas do país, tais como Qualquer gato vira lata tem uma vida sexual mais sadia que a nossa e Se eu fosse você.

Não cheguei a saber o valor do ingresso, mas pelo teatro em que estava sendo exibida a peça, não deve ter ficado por menos de R$ 60.

Há duas semanas, com minhas três filhas, assisti de graça a duas apresentações integrantes do festival Espetaculim, que reúne espetáculos com motivos circenses. Com graciosidade, leveza, humor verdadeiramente engraçado e originalidade, os artistas, com aquela emoção que só os mambembes conseguem ter, levaram às minhas filhas, às outras crianças e aos adultos presentes o encanto e a pureza que o circo carrega através dos tempos.

Já neste fim de semana, atendendo à vontade das pequenas, fui ver Hotel Transilvânia 2, e me convenci de que, cada vez mais, o cinema americano infantil é uma linha de montagem, um pacote de forminhas em que se coloca o recheio da ocasião. O filme não é mau – e é difícil ser com tanto dinheiro e tecnologia -, mas exibe o mesmo e surrado repertório banal de piadas, situações, conflitos e desfecho, permeado pela costumeira lição de moral barata, e sempre superficial, do cinema americano.

E para tornar esse caramelo mais enjoativo, morri em 80 pratas, pois só havia sessão em 3D (algo que na minha irrelevante opinião nem faz taaaaaaaannnnta diferença assim).

Conclusão, fugir do óbvio não me parece melhor apenas para a cabeça, mas também para o bolso.

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