A alienação da história oficial

No bom livro Castelo de Papel, Mary Del Priore traça perfis interessantes de Gastão D’Orleans, o Conde D’eu, e da princesa Isabel. Interessantes e bem diferentes do que a história chapa branca vendeu não só à minha geração nos bancos da escola primária, mas às anteriores e, certamente, às que vieram depois.

Mas esse retrato mais realista do casal, exemplo raro de casamento por interesse político em que houve amor entre homem e mulher, fica como isca para curiosidade do leitor.

O que me chama a atenção é a omissão de um detalhe da Lei do Ventre Livre, ou no máximo sua colocação em um ofuscado segundo plano, nos meus tempos de escola. Os filhos de escravas deveriam ser criados até oito anos de idade pelos seus senhores, que, depois disso e até os 21 anos do menino ou da menina, poderiam usar de seus serviços da forma como bem entendessem.

A outra opção que tinham era passá-lo ao governo, ainda aos oito anos, recebendo indenização do Império. Ou seja, a mesma lei que “libertava” o rebento, possibilitava que uma criança de oito anos fosse levada para longe da mãe.

Um pouco mais além, a lei permitia que o Império repassasse essas crianças a associações – cujo tipo não possuía qualquer definição no texto -, que poderiam alugar os serviços dessas crianças.

Nem vou discutir a crueldade da escravidão, injustificável seja qual tenha sido o contexto histórico de sua época. Penso é nessa maquiagem da história do Brasil, que trata de forma exageradamente humanitária fatos e personagens que não merecem tanto, muitas vezes em detrimento de outros desvalorizados pela versão do oficialismo. A Lei do ventre Livre talvez seja um desses exageros da história chapa branca, que alienou gerações de brasileiros anos a fio, inclusive a minha, e quiçá ainda aliene (com a palavra, os professores).

A sorte é que alguns autores, como a própria Del Priore, começam a desfazer o “engano”, e assim nos deixam mais tranquilos de que, no futuro, fatos como a ditadura militar, por exemplo, não serão tratados como mal necessário.
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