A miséria que interessa ao sistema

Correio Braziliense
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Assim como outras grandes cidades, Brasília está tomada por moradores de rua, ou gente que constrói barracos onde der, onde o Estado faz vista grossa, ou porque não fica perto da casa de gente rica, ou porque não tem interesse ou capacidade de resolver o problema.

É uma situação que não é boa para ninguém, começando por essas próprias pessoas, ultrajadas em sua dignidade na forma como moram. Aliás, na forma como não moram.

Nos últimos dias vi duas dessas pessoas com celular na mão.
Pode parecer paradoxo, mas quando levamos em conta o sistema sobre o qual esse país está sustentado, e sempre esteve, vemos que não é.

Essas pessoas podem ter um celular porque ganharam de doação de alguém que trocou de aparelho na ciranda feroz de a todo momento ter que adquirir o último modelo, ou até mesmo porque conseguiram comprar sabe-se lá em quantas vezes quando estavam trabalhando.

Muita gente que hoje está debaixo da lona ou da marquise tempos atrás tinha emprego e conseguia pagar aluguel.

Há até mesmo quem tenha casa – eu já entrevistei vários assim -, mas vive de catar lata, e onde ela mora, ou deveria estar morando, é longe e não há latas para catar; ou se há, o centro de coleta, que compra o material, não fica lá.

Fica nos grandes centros, onde ela sobrevive desse modo humilhante, porque não tem dinheiro da passagem para vir e voltar todos os dias.

O sistema permite que ela tenha um celular, mesmo que seja doado, mas não permite que ela tenha uma casa ou chance de trabalhar perto de onde mora, ou deveria morar.

Ou seja, o sistema permite que as pessoas tenham o que interessa a ele, e não o que elas precisam em primeiro lugar.
E há gente que diz que é assim mesmo, que o certo é dessa maneira.

Claro, gente com celular, casa, trabalho e um modo confortável de se deslocar todos os dias de um para o outro.

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