A pobreza dos textos do radiojornalismo brasileiro 2.

Aprendi na pouca teoria sobre jornalismo que li em minha vida que a imprensa é o canal entre o estado (governo) e a sociedade. Cabe ao jornalista traduzir para esse estado (governo) os anseios da sociedade, e voltar trazendo de maneira interpretada os (des)mandos dos palácios. Ir e vir, tornando claro o entendimento para cada parte.

Pelo menos em relação à linguagem não é isso que está acontecendo. Não no radiojornalismo.

Os textos de repórteres e redatores estão sufocados pelo “oficialismo” vazio das autoridades, que usam e abusam da linguagem emproada. Usam a espuma dos discursos prolixos para esconder que não conhecem nada do que estão falando. Enchendo os ouvidos da sociedade com palavras de efeito e termos técnicos, disfarçam que o secretário de saúde nada entende de hospitais, o de educação de escolas, e por aí vai. E nós caímos feito patos nessa esparrela. Essa ignorância que deveria ficar nua nos textos das emissoras de rádio, ao contrário, fica muito bem vestidinha com um modelito de falsa competência, porque não conseguimos traduzir e desmascarar o que eles falam para a linguagem do homem, da mulher comum.

Mais uma vez não vou me estender nos exemplos. Eles dariam um blog inteiro. Falarei de apenas dois.

Vejamos a palavra demanda, vocábulo básico do universo economês. Não deveria, mas atravessou as fronteiras desse mundo inalcançável pela maioria dos mortais e hoje é de emprego corriqueiro em situações que passam longe dos assuntos de economia. Não existem mais vontade, necessidade e procura. Todas elas são substituídas pela chique demanda, mesmo que seu significado não se encaixe exatamente no que se quer dizer ou escrever. O que importa é “tascar” uma demanda no meio do texto para ficar bonito, importante. Afinal, a autoridade, aquele homem tão bem vestido falou “que a demanda isso, que a demanda aquilo”. Sem pensar no que realmente significa demanda, sem criatividade para achar alternativa que deixe clara a informação para o ouvinte, o repórter ou o redator entram no ar, gravam a reportagem sem terem cumprido plenamente seu papel de ponte entre estado e sociedade.

Unidade é outra palavra a qual o linguajar técnico atribui um significado maior do que aquele que ela possui originalmente. Unidade, nos relatórios embolorados dos gabinetes, quer dizer escola, hospital ou posto de saúde, delegacia e outros lugares sustentados com nossos impostos. A designação parece que se libertou do mofo da burocracia e ganhou as ondas do rádio. É cada vez mais comum ouvirmos sobre a inauguração de tal unidade de saúde ou então que tantos alunos vão estudar em tal unidade escolar. Há pouco tempo, em uma das rádios de notícias do país, em um boletim de míseros quarenta segundos a repórter falou a palavra unidade três vezes ao se referir a um desses locais.

Sou do tempo em que escrever hospital e escola era bem mais fácil.

E mais piedoso com os ouvidos da audiência.

4 comentários em “A pobreza dos textos do radiojornalismo brasileiro 2.”

  1. E eu, que agora tenho que escrever unidade básica de saúde?! Diretriz do emprego! =p

  2. Eu tentei duas vezes vestibular para Comunicação. Queria escrever, queria ser jornalista. Não necessariamente nessa ordem. Infelicidade, não passei no vestibular… Mas passei de primeira pra Letras. E aí, meu caro, vi que queria mesmo era escrever e não necessariamente ser jornalista. Eu continuava escrevendo no jornal O Povo (em Fortaleza), como colaborador, sobre cinema. Até que foi exigido o diploma em Comunicação pra me pagarem como eu deveria. Por que estou escrevendo isto? Pra dizer que você é um dos poucos jornalista que conheço que escreve bem, que pensa, que reflete. E sabe, você é um escritor que é jornalista. Mesmo sem nunca ter lido Salinger.

  3. Por isso que as pessoas ouvem estes programas onde os apresentadores falam um festival de besteiras inteligíveis aos programas sérios entatados técnicos comedidos. No mês passado li, estarreciso, na capa do Extra, manchete dizendo que a escola havia tomado um rumo, reprovara muitos alunos. Como uma escola pode comemorar sucesso se seus alunos não aprenderam?
    Qual o objetivo do texto jornalístico? Ser mediador, mas teórico de um texto hermético e confortável. Ou propagador de um texto retocado do mundo oficial? Ou é tudo a mesma coisa?

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