A pobreza dos textos do radiojornalismo brasileiro.

Obrigado, por força do ofício, a ouvir diariamente as chamadas emissoras de rádio all news, constato há muito tempo que o texto de redatores e repórteres é um convite a que ponhamos nos ouvidos os fones de nossos MP3. Ou mesmo que optemos pelo silêncio da alienação.

Eu poderia partir de vários pontos para começar esse post abordando a baixíssima qualidade do que é escrito no rádio no Brasil, especialmente no jornalismo de rádio, que é a minha parte nesse latifúndio. Penso que o assunto é merecedor de um blog inteiro, com atualização diária devido à grande quantidade de defeitos do que se ouve nas emissoras, e que não se encerra em uma única postagem. Para ser mais realista, precisa-se mesmo é de uma urgente discussão envolvendo quem está fazendo rádio e quem está ensinando e aprendendo radiojornalismo.

Nesse caminho pedregoso e espinhento, vou me ater aos dois aspectos que me parecem mais graves: a falta de vocabulário e o predomínio da linguagem e dos termos oficiais no que se escreve, e consequentemente no que se ouve.

Tomo o verbo afirmar como exemplo da aridez vocabular nas ondas do rádio.

Em um idioma com cerca de 30 mil verbos, nos textos de radiojornalismo todo mundo afirma alguma coisa no país e no mundo. Só afirma. Nenhuma autoridade, artista, jogador de futebol, qualquer um que dê a mais banal das declarações aos jornalistas de rádio diz, fala, conta, informa, garante, assegura, lembra, alerta, adverte, rebate, insiste, argumenta, pondera. Todos, nos textos de repórteres e redatores, só afirmam, sempre afirmam, numa irritante demonstração do quão está limitado o universo de verbos dos nossos profissionais. Afirmar, que é verbo forte e por isso deve ser preservado, é usado em frases que não o exigem, que ficariam melhores com verbos mais fracos. Se o posto de saúde mudou o horário de funcionamento, prepare-se para ouvir que a diretora do posto afirmou que o posto mudou de horário, quando o que ela na realidade fez foi informar a mudança. Informar é verbo mais humilde, corriqueiro, perfeito para uma situação quotidiana de um noticiário. Mas no lugar dele vulgariza-se o afirmar, saturando a paciência do ouvinte.

Na esteira de afirmar, seguem outros exemplos, até mesmo fora do clube dos verbos. A expressão por conta substitui invariavelmente suas primas por causa ou por que. Nenhuma rua mais enche por causa do temporal ou por que choveu muito. É sempre por conta do temporal. Nos textos de radiojornalismo, toda pessoa que seja notícia sempre vai fazer isso ou aquilo, chegar a esse ou àquele lugar na manhã de hoje, na tarde de amanhã, na noite de segunda, quando, na verdade, as pessoas, incluindo os jornalistas, vão ao cinema hoje à tarde, vão jantar fora amanhã à noite ou jogaram futebol ontem de manhã.

 

Os profissionais de rádio estão se esquecendo de que o meio pede que falemos da maneira que falamos em nosso dia-a-dia, obviamente resguardando o ouvinte das gírias e expressões incorretas. Sem se darem conta disso, banem de seus textos elementos fundamentais ao uso diário de nossa língua. O Presidente nunca acredita que o país vai superar a crise, mas sempre diz acreditar que o país vai superar a crise. O jogador nunca diz que está confiante na vitória. É sempre diz estar confiante. O que faz parte de nossa vida, nossa língua, é apoio até mesmo da elegância do texto, e não pode ser dispensado sempre. O uso indiscriminado do verbo no infinitivo é tão aborrecido quanto o “queísmo” , tão corretamente combatido anos atrás dentro das redações.

Amanhã falo sobre como a linguagem embromada das autoridades está ganhando de goleada da clareza do texto jornalístico.

11 comentários em “A pobreza dos textos do radiojornalismo brasileiro.”

  1. ótimo texto que só pude ler hoje! vem bem na onda do que discutimos nos últimos anos… e, veja só, nada mudou! o afirmismo e do dizserismo continuam onipresentes. =( fica aí tua sugestão de um graaande encontro, conferência, congresso dos profissionais de rádio pra rever conceitos e vocabulário do radiojornalismo!

  2. Sandra Ney

    Concordo.
    Eu às vezes fico aflita ao ouvir na CBN – que é a que eu mais ouço – tanto texto limitado.
    E a preguiça de repetir sempre os mesmos textos, sem sequer mudar uma linha, de um noticiário para outro.

  3. Ana Benevides

    É mesmo, André. Há uma pobreza vocabular pairando sobre nossas cabeças e sem pedir licença invadindo nossos ouvidos.
    Solução: mpb fm.

  4. Ah! o ipod. Ainda não tenho. Fico a mercê dos programadores da MPB, MEC e JB. Ouço a Rádio Rio de Janeiro ( A rádio que toda família pode ouvir). Eu que ainda tento entender como funciona a máquina de escrever!
    O texto segue a pobreza cultural ou pobreza cultural segue o texto?

  5. Denise Giusti

    Muito boa sua crônica, você saca coisas que nós ouvintes não nos damos conta da razão de como fica chato ouvir as notícias, realmente deve ser também por conta de repetições de palavras. Sem falar que é bem chato essas reportagens repetitivas todo ano, ressalto as de finais de ano onde sempre se falam a mesmas coisas sem nenhuma criatividade. Nem sei bem para que fazem novas, era só colocar a do ano anterior. Gostei bastante do comentário de João Bosco Bonfim, concordo com ele.

  6. Todas as “pobrezas” da imprensa brasileira, ou da mídia como um todo, mereceriam – e já mereceram ao longo da história – livros e mais livros.

  7. Seu André Giusti, achei bacana seu comentário sobre a pobreza vocabular dos falantes-escritores dos rádios. Entrementes e entretanto, acho que a pobreza é anterior. Vem da limitação das editorias, da falta de profundidade. Quando chega janeiro, eu quase posso adivinhar o conteúdo das notícias (e não apenas dos rádios, mas também das tvs e dos jornais impressos e internéticos). Chuvas em São Paulo. Desabamentos em Petrópolis, etc. E as explicações? Uma beleza. A maior profundidade é um meteorologista fazendo analogia entre o solo de Sampaulo e um copo: pelo meio, cheio, vazando na chuva da terceira semana. Mas então não se questiona o fato de as pessoas ocuparem morros e encostas sem condições de habitabilidade? Como é que esse povo foi se pendurar lá? Ou a pobreza dos transportes públicos, que obriga (obriga?) as pessoas a andarem de carro e protagonizarem quilométricos engarrafamentos (que sempre me lembram o “não verás país nenhum”, do Rubem Fonseca). Enfim, se a pobreza fosse só vocabular, dos verbos dicendi, estaríamos bem. Isso seria justificável pelos manuais de redação, que temem a improvisação dos jornalistas. A pobreza é maior. De conteúdo. De controle do que pode e do que não pode ser dito na mídia. Como questionar os engarrafamentos e o modelo do transporte individual, se a indústria automobilística (grandes orçamentos de publicidade) continua a vender o sonho da felicidade em um automóvel que cabe seis e só leva (e às vezes não leva e não traz) só uma pessoa? Como questionar a política de ocupação urbana, que financia o saneamento dos bairros nobres e joga para as cucuias a pobraiada? Não se pode questionar tais coisas, pois a indústria imobiliária é, também, grande anunciante. Enfim, a pobreza vem da dependência que as redações têm dos releases das prefeituras, dos ministérios. A pobreza está na falta de redatores, repórteres de rua, retratistas e cinegrafistas dos próprios veículos e na dependência das informações prestadas pelas agências. Plutocracia. O poder do dinheiro sobre a mídia. Essa é a maior pobreza.

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