Barriga cheia, cabeça no lugar

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Fui escalado para a cobertura jornalística de um almoço entre uma alta autoridade e empresários de um dos setores mais ricos da economia nacional.

Cenário: uma churrascaria chique de Brasília.

Marcado para o meio-dia, a alta autoridade só apareceu pra lá de uma da tarde. Os empresários já não sabiam se pensavam primeiro na comida ou nos negócios.

O rango só começou a aparecer quase às duas.

A mim e a outros jornalistas e fotógrafos só foi servido um único copo d’água (com gás, tudo bem), antes de começar o rega-bofe business.

Quase às três da tarde, como de costume os empresários choravam miséria, como se estivessem falidos. Em cadeiras em volta da grande mesa, azuis-esverdeados de fome, eu e meus colegas de ofício víamos passar por nós espetos de picanha, costela e bandejas de filé acebolado, uma espécie de tortura gourmet. E nem mais um copo d’água apareceu para nós.

Mas não é disso que quero falar, até porque, em muitas vezes, a vida de jornalista se assemelha à de cachorro de rua e com 30 anos de profissão já me acostumei a ser alijado das bocadas (embora não deixe de achar, no mínimo, uma falta de educação).

Mensagens - Cultura Mix
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O que quero dizer é que, mesmo quase desfalecendo de fome, eu tinha a certeza de que em algum momento eu iria almoçar, nem que fosse um prato feito num féstifúdi (como foi).

E com essa certeza, pensei naqueles que vagam pelas ruas pedindo dinheiro para comer, para inteirar uma quentinha, na porta dos restaurantes pedindo que lhe façam, pelo amor de Deus, uma marmita.

Pensei, sem hipocrisia ou querendo bancar o bom cristão, nessas pessoas que na porta dos restaurantes sentem o cheiro da comida e simplesmente não sabem quando vão conseguir comer. Às vezes nem lembram quando comeram pela última vez.

Você sabe o que é sentir cheiro de comida sem poder comer naquele momento, não é mesmo? Mas provavelmente não sabe – eu também não sei – o que é sentir cheiro de comida sem saber quando vai comer.

Do que é capaz uma pessoa que passa por isso? Que vê os filhos passarem por isso?

“É por isso que eu defendo que haja um restaurante popular em cada esquina”, disse o companheiro Cleverland Costa, fotógrafo que trabalha comigo e que a meu lado também perdia a cor de tanta fome.

Encampei a ideia de imediato. Com apenas R$ 3, um esfomeado em situação crítica pode ter um almoço decente.

E de barriga cheia, serão algumas horas a menos com a possibilidade de ele fazer uma besteira para poder comer.

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