Brasília, 23 de março de 1998.

Parou na calçada do prédio ao final de seu primeiro dia de trabalho. E não era apenas isso a novidade: a cidade também era. Chegara de manhã, arrastando mala pesada pelo saguão do aeroporto, bagagem de quem vai ficar, no mínimo, muito tempo.

Nunca havia vindo sequer de visita, não conhecia nada ali, quanto mais alguém. Fora comunicado da mudança uma semana antes, só dera tempo de se despedir de quem encontrou em casa num telefonema rápido. Puseram-no em um avião com destino ao próprio futuro.

Agora, acompanhado apenas da mala – nem conseguira ir ao hotel – procurava rumo na noite que caíra por completo, encarnava o desalento enquanto tentava descobrir se seguia para direita, esquerda, para frente ou para trás. Ou se ficava parado na calçada até que descobrisse o que estava mesmo acontecendo.

Deparou com um orelhão e quis logo ouvir alguém conhecido naquele dia de rostos e vozes estranhos. Ligou para os pais. É provisório, é temporário, ele garantia, um seis meses no máximo. Na verdade, com a voz embargada, tentava convencer a si mesmo antes de qualquer coisa.

Lembra sempre do vento frio das sete horas entrando pela camisa fina ao longo das várias voltas que deu até encontrar o hotel. E esse vento vinha perfumado de um cheiro agreste que o remetia a um lugar perdido em sua memória olfativa. Acima dele, o maior céu do mundo, e pra depois do horizonte, delgada lua crescente começava a escalar a noite.

Todos os anos, nessa época, o vento, o cheiro, a lua o levam a visitar a solidão daquele primeiro dia. Agora, no sinal fechado, sorri com certo orgulho de ter sido mais forte que o abandono. O sinal é bem junto a onde ficava o orelhão, que não existe mais. No lugar, fincaram um quiosque irregular de comida. E hoje em dia saudade, dor, desespero, alegria… é tudo pelo celular.

O sinal abre. Sabe exatamente por onde anda na cidade. Vira à esquerda e vai pegar as filhas no colégio.

4 comentários em “Brasília, 23 de março de 1998.”

  1. Hugo Giusti

    Sem chororô, que eu não sou botafoguense.

    Legal. É a Vida.

  2. Denise Giusti

    Bela crônica, André! As lágrimas rolam pela face, sabia eu no fundo do coração que não era temporário, por isso chorei, chorei, e sempre que me despeço agora são 5 cinco amores e não somente um, ainda choro, choro…

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