A responsabilidade de quem tem filho homem

Menino

O combate à violência e ao desrespeito contra a mulher pode começar nas casas de quem tem filho homem pequeno.

Um simples “em menina não se bate” dito desde que o garotinho comece a se entender como gente pode formar um adulto ciente desse respeito que é mote de homenagem em oito de março, mas que tanto falta nos outros dias do ano.

No bojo, terá que vir, certamente, a cultura de que mulher não é objeto, de que mulher não nasceu para usufruto do prazer masculino e nem para dar conta sozinha das tarefas domésticas.

Aliás, que tal, desde pequenino, colocar seu mocinho para pôr/tirar a mesa e ajudar a lavar os pratos?

E por aí vai.

Artur do Val, o tal do Mamãe Falei (sugiro que mude para Mamãe Falei Merda), certamente nunca escutou em casa um “e se fosse com a sua mãe? E se fosse com a sua irmã?”

Machismo, misoginia e discriminação são fatores culturais, e entendo a família como a fonte primária de formação da cultura, ou, de modo mais direto, onde se pode e deve cortar o mal pela raíz.

Se você tem filho homem, pense no que tem feito para que oito de março não seja apenas um dia de florzinhas e bombons fofos.

A literatura necessária de Cinthia Kriemler

Livro Cinthia

Uma vez uma conhecida me pediu uma dica de uma escritora contemporânea e eu sugeri Cinthia Kriemler.

Ela já conhecia, respirou fundo e disse que eram necessárias forças dobradas para ler.

Sempre dei razão a essa minha conhecida.

Eu já havia lido Todos os abismos convidam para um mergulho, e ontem terminei a leitura de Tudo que Morde Pede Socorro, que recebi das mãos da própria Cinthia uns três anos atrás e deixei algum tempo na fila.

Acho que eu estava mesmo redobrando as forças para ler, porque o universo de estupros, violação de menores, violência contra a mulher, racismo e outros horrores que permeiam a literatura de Cinthia Kriemler definitivamente não são entretenimento.

São denúncias de uma literatura necessária, que em algum momento se faz inevitável, da qual você não pode fugir de enfrentar.

Algo parecido como viver no Brasil atual, já que, para a maioria na qual me incluo, não há como se mandar para outro país.

A equação da tragédia

Foto: Reprodução/ TV Globo
Foto: Reprodução/ TV Globo

A partir de minhas várias e marcantes experiências de repórter cobrindo deslizamentos de terra e todo o tipo de soterramento, me parece que é simples a equação dessas tragédias.

O Estado nunca se importou com política habitacional para as classes menos favorecidas, ou, em bom português, nunca se preocupou em fazer casa para pobre.

O pouco que se fez alguns anos atrás foi desmontado de 2019 para cá, como, aliás, quase tudo nesse país foi ou está sendo.

Então quem não tem onde morar faz casa na encosta ou em área de alagamento.

Fiam-se não apenas na incompetência e falta de vontade do poder público em fiscalizar, mas também no cagaço político de governadores e prefeitos em tirarem as pessoas dessas áreas, porque são redutos eleitorais de deputados e vereadores (especialmente vereadores), que são os que pedem e conseguem votos para candidatos a prefeito e governador.

É de se anotar que não apenas pobres constroem em áreas de risco.

Há muita mansão em encostas Brasil afora, e aí entra aquela máxima: já viu governo mexer com rico nesse país?

Então, vai se vivendo, construindo e morando, sabendo-se que apenas a fúria da natureza poderá tirá-los dali.

O que, infelizmente, às vezes acontece.

Sumir para se encontrar

Livro Nathan Souza

Volta e meia sinto ganas de meter o carro na estrada e parar na primeira cidade que encontrar ao anoitecer.

Sempre acho que esse tipo de aventura poderá colocar em ordem pensamentos, sentimentos e o próprio sentido da existência.

Tenho uma razoável ideia do que estou fazendo aqui nesse planeta complicado, mas às vezes bate mesmo uma dúvida e até um questionamento: porra, vale a pena?

Não é sempre, mas bate.

Foi o que aconteceu com o personagem principal de Sua Gente Estranha, romance (com elementos de novela e agilidade de conto) do escritor piauense Nathan Souza: encarou a estrada para organizar as ideias e sentimentos, antes de mandar tudo para o inferno em definitivo, tudo isso sob a égide da obra de Albert Camus.

Nathan é poeta premiado e vence um desafio que nem todos os poetas conseguem quando arregaçam as mangas para pôr as mãos na massa da prosa: escrever com clareza, objetividade e, é claro, poesia, mas sem exagero (sim, exagero poético na prosa pode condená-la à chatice).

Claro que não vou contar aqui (ou dar spoiller, é como os moderninhos falam, né?) se o sujeito se encontra ou permanece “descauculado” (essa palavra ouvi um dia de um sujeito no interior de Minas e sempre esperei a chance de usar. Obrigado, Nathan).

Isso não é tão importante.

A grande valia do livro é que ele desperta no leitor exatamente o que o personagem quer fazer: o desejo de pensar, de ressignificar um punhado de coisas, ou, ao menos, as principais.

Sem ser em momento algum de auto-ajuda, o livro de Nathan Souza pode te ajudar nisso, caso você, feito eu, não possa, por agora, nem sonhar em sumir na estrada.

Dica

Capa Livro Leandro Leal

Olho Roxo é o segundo romance do escritor Leandro Leal e o segundo bom livro dele.

Ou seja, quando se passa pela prova de fogo da segunda obra – às vezes mais difícil do que agradar na estreia – é sinal de que o autor deve prosseguir.

O personagem principal busca suas referências principais, enquanto sua própria identidade lhe oferece perigo.

E isso traz suspense, violência na medida certa e umas puxadas de tapete que tão bem fazem à leitura e o leitor a pensar que o autor realmente leva jeito pro ofício.

Para encerrar, um detalhe que pode até passar despercebido, mas que em minha opinião é o espírito da história: o não se sentir aceito ou pertencente ao mundo.

Se, feito eu, você se sente assim, é bem capaz de também gostar do livro do Leandro.

O escritor, esse pedinte

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Amiga minha posta a capa de um livro que eu lhe indiquei, marca o autor e a mim também, mas no meu caso não lhe ocorre dizer no post que eu, além de leitor voraz que de vez em quando dá umas dicas bacaninhas de leitura, também sou escritor.

Não sei se vocês entendem, mas é como se ela tivesse a chance de dar uma esmola, R$ 1 que fosse, mas deixasse passar a oportunidade de contribuir para que o pedinte tomasse ao menos um café com leite na padaria mais próxima.

Claro, ela não fez por mal, apenas esqueceu que tinha uma moeda no bolso.

É porque nós, escritores, somos verdadeiros mendigos pedindo a esmola de sermos conhecidos pelos leitores.

Assim feito médicos, advogados, pedreiros, somos milhões trabalhando e querendo que nosso trabalho seja conhecido e reconhecido (pelo menos conhecido), e toda janela é válida para pormos o focinho pra fora e mostrarmos nossa cara.

Quando você fala de um conhecido seu que é escritor, se puder dizer que ele é um escritor, estará fazendo, mesmo sem saber ou acreditar, um grande favor a ele.

Vai que a sua referência desperta a curiosidade de algum “amigo” seu que também tenha essa estranha mania de querer saber novidades desse mundo superpopuloso de autores e livros.

Se uma palavra sua fizer com que ele ganhe um leitor, acredite, você estará fazendo com que ele tome bem mais do que uma xícara de café com leite.

E seguem as dicas

Livro A MARIANO

Meu primeiro livro do ano é uma história que mistura submundo e vida familiar, amor sincero e desejo carnal.

Entre amizade, traições, falsidades e preconceitos, Antônio Mariano nos mostra como podemos querer que a vida seja de um jeito, mas nós mesmos às vezes acabamos levando-a para um outro lado quando não entendemos seus sinais.

Outras pessoas por aqui já leram e recomendam.

Eu faço o mesmo.

Irmãs

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A mais velha está no espelho do banheiro esfregando com força um creme no rosto.

A mais nova chega e diz: “Isso, esfrega mesmo para ver se nasce outro melhor”.

Mas, acreditem, elas sem amam.

Dica

Naufrágio entre amigos

Neste livro de contos, lançado já há uns bons cinco anos, Eduardo Sabino se diferencia dos escritores contemporâneos em um detalhe: coloca humor em suas histórias.

Tenho lido muitos autores e autoras dez, 20 anos mais jovens do que eu, e posso dizer que há muita gente boa, mandando bem o seu recado.

Mas quase sempre é uma literatura carregada de angústia, seja pela injustiça social, pela discriminação de qualquer tipo, pela família e até pela própria vida, que às vezes parece mesmo sem sentido.

Sabino fala disso tudo e é angustiado também, mas ao contrário de seus pares de geração, usa o humor e nos arranca risos (pelo menos de mim ele conseguiu isso).

Mas não é esse humor televisivo, de Porta dos Fundos ou stand-up comedy, que escorregam com alguma frequência para o banal e o lugar comum.

É um humor cáustico, o que melhor cabe na literatura.

E mais ainda nos dias atuais.

Dica

BIOGRAFIA PETER CRISS

Peter Criss, o primeiro baterista do KISS, não traz muita novidade acerca do poder destruidor da indústria fonográfica sobre os seres humanos que a sustentam, no caso, os músicos.

É mais uma história que conta da devastação pelas drogas, pelo álcool e todos os outros tipos de excesso que parecem advir do vazio que fama e fortuna podem trazer.

A novidade é que Peter Criss conta tudo isso de uma forma bastante pungente e com uma sinceridade rara e extremamente tocante.

Lendo sua biografia, é até difícil entender como conseguiam qualidade nos discos, ou ao menos em boa parte deles.

Porque o livro deixa claro que em uma banda de Rock você pode perfeitamente odiar seus colegas de trabalho e ter que conviver com eles com a obrigação de produzir e apresentar resultados.

Como em qualquer outra profissão.

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