Direito à greve e ao respeito

A greve dos servidores públicos federais de alguns ministérios confirma o talento do sindicalismo brasileiro para angariar a antipatia da sociedade.

A greve não conta com adesão de todo e qualquer servidor público, muito menos dos chamados funcionários terceirizados dos ministérios, que não possuem a benemerência da estabilidade. Como não conseguem convencer com argumentos quem não quer ou não pode cruzar os braços, os sindicalistas apelam para táticas que ultrapassaram a fronteira do antidemocrático: chegaram ao campo do desrespeito.

Perfilados na porta dos ministérios, buzinam nos ouvidos de quem entra as irritantes vuvuzelas que sobraram da última copa. Como intimidação, em nome da mobilização da categoria, valem os xingamentos de qualquer nível, não importando se quem vai na direção das portarias é, por exemplo, uma mulher grávida prestes a dar a luz, e quer exercer o direito de ir e vir, tão constitucional como o direito de fazer greve.

Seria mais digno e admirável se optassem pelo enfrentamento e partissem para os piquetes, que foram impedidos pela Polícia logo no segundo dia de greve. Mas parece que falta aos sindicalistas de hoje não apenas a dignidade, mas a coragem, por exemplo, de professoras estaduais que, em 1988, enfrentaram os cassetetes e bombas de gás da tropa de choque da PM num protesto em frente ao Palácio Guanabara, ocupado, na ocasião, por Moreira Franco, um dos piores síndicos a passar pelo Governo do Rio de Janeiro.

Com buzinas e xingamentos, a única adesão que conseguem é a uma corrente que começa a desejar que nenhuma das reivindicações – que até devem ser justas – seja atendida.

Transgredir é verbo jovem

Existem vários papéis que os jovens podem e devem desempenhar. Um dos mais interessantes é o de transgredir, porque está exatamente de acordo com a juventude mandar às favas regras e conceitos, padrões e condutas estabelecidas que ninguém sabe exatamente porque, quando e, muito menos, para quê.

Há jovens bem afetos à transgressão.

Outros, no entanto, perdem essa oportunidade que a pouca idade permite e preferem a cacetice da padronização, do óbvio, do aborrecido mundo dos já estabelecidos, dos bem sucedidos.

Veja o exemplo dos convites para dois casamentos.

Um convite é feito em papel de luxo, com a letra dourada, desenhada por um calígrafo. Dentro, pais e mães convidam para o enlace de seus filhos, que será seguido pela recepção numa bela casa de festas, onde os convidados farão imensa fila com pratos na mão e estômago nas costas. Um bandejão de luxo, do qual muitos, inclusive, sairão falando mal. Traje passeio completo, claro.

O outro convite imita um ingresso para um show de Rock. Os noivos dirão o sim num pub, ao som da banda dos amigos. Os convidados terão direito a uma dose de bebida. Além dela, de graça serão a diversão, a dança, a música e a amizade dos noivos. O traje? Quem for que vá com a roupa que achar melhor.

No estilo do primeiro casamento, vi noivo sendo impedido de beijar a noiva na boca. Motivo? A mulher do cerimonial mandou beijar na testa. E não pega bem contrariar o cerimonial, mesmo que se pegue bem caro por ele.

O ineditismo do segundo casamento parece vir justamente de seu caráter transgressor, e é bem provável que os noivos se beijem a qualquer hora da cerimônia – se é que o formalismo do termo cabe aqui -, dependendo apenas da vontade de cada um, e que os convidados saiam bêbados e felizes, porque, afinal, a banda dos amigos dos noivos toca tão bem que todos foram ficando, ficando e bebendo.

É claro que a felicidade no casamento não depende desse ou daquele tipo de celebração ou comemoração. O que constrói a felicidade (e também o que a pode destruir) é o dia a dia ao longo dos anos.

A diferença é que o segundo casal talvez, daqui a algum tempo, tenha uma espécie de consciência tranquila em relação a essa inquietação que a juventude deveria carregar sempre, que é a indisposição quanto ao normal, ao que todo mundo faz.

Já os outros noivos, caso despertem e se arrependam mais tarde de terem copiado exatamente seus pais e avós, sem nunca, em momento algum os terem escandalizado ao menos um pouco, vão descobrir que, depois de um tempo e uma idade, dá muito mais trabalho e exige muito mais força nadar contra a correnteza.

Ensinem seus filhos pequenos a não bater em mulher

O combate à violência contra a mulher é responsabilidade de todos.

Não é só do Estado, com a Polícia e os tribunais.

Pode começar em casa, na educação dos filhos.

Quem tem filha mulher, pode e deve ensiná-la que, pra começo de conversa, nenhum homem, em qualquer tipo de relação, tem o direito de levantar a voz e gritar com ela.

Quem não permite o primeiro grito, o primeiro xingamento, certamente impede o primeiro tapa.

Quando nos relacionamentos amorosos, é preciso que nossas filhas tenham claro na cabeça que nesses casos a violência contra a mulher ganha uma dimensão a mais. Como há a entrega, o carinho e a confiança, a violência certamente é mais cruel. Se é mais cruel, é também mais dolorida. E mais covarde também.

Sejamos francos, diretos, objetivos: filha, se esse cara gritar com você, xingar você, saia fora. Quem corta o mal pela raiz ainda no namoro, pode estar de livrando de uma tragédia no casamento.

Mas essa responsabilidade cabe também a quem tem filho homem.

Pais e mães de meninos podem fazer sua parte ensinando aos pequenos que fisicamente a mulher é mais frágil.

É claro que um menino de quatro ou cinco anos quando empurra uma menina não tem a dimensão da sua força nem da inferioridade da força da coleguinha. Nem certamente faz por mal. Mas se os pais dos futuros varões mostrarem que empurrão, chute, tapa e soco doem ainda mais nas meninas, é bem provável que estejam formando um homem consciente de seu papel na promoção da paz, começando pela integridade física das futuras namoradas e esposas.

A estratégia torta das manifestações

A Esplanada dos Ministérios, em Brasília, é separada por um imenso gramado, tanto na largura quanto na extensão. Quem não conhece, basta imaginar vários campos de futebol um ao lado do outro. E vazios, sem nada, por que pelo costume da cidade esses enormes espaços desertos são feitos para que as pessoas os contemplem, e nunca usufruam deles.

Seriam perfeitos, pois, para abrigar as centenas de passeatas recebidas todos os anos pela capital do país. Justas, essas manifestações, sejam da natureza que forem, devem mesmo ter na cidade seu principal palco. Afinal, é aqui que mora o poder, é aqui que estão os homens que decidem.

Mas parece que a cada causa reivindicada, a cada greve ou campanha salarial, sindicatos, associações ou entidades que se equivalem aprimoram o talento que possuem para deixarem contra si a população.

Nesta quarta-feira, funcionários da educação e da saúde tomaram as pistas da Esplanada na hora do almoço, parando o trânsito em uma das principais vias de Brasília. Mais uma vez, pessoas perderam compromissos, crianças ficaram esperando pelos pais nas escolas. Hoje foi na hora do almoço. Não raro essas manifestações ocorrem de manhã, no horário em que todo mundo está indo para trabalho.

Embora soem todas iguais nas mesmas palavras de ordem que os sindicalistas utilizam desde os anos 70, as reivindicações parecem justas. Mas se ganham no mérito, perdem na simpatia. Quem poderá apoiar uma causa que o prejudica, que o deixa parado no trânsito debaixo do sol inclemente de meio-dia, que o faz chegar atrasado ou perder um compromisso?

Não há razão aparente, acho que nem mesmo oculta, para que os manifestantes não caminhem, no caso específico de Brasília, no gramado da Esplanada. Teriam a mesma visibilidade, e certamente muito mais apoio da população.

A não ser que, além de protestar e reivindicar, haja o incabível objetivo de prejudicar a cidade.

E aí não é democracia. É desrespeito ao próximo.

Eu apóio as vadias

O nome é o que menos importa em toda essa história da Marcha das Vadias.

Homens, e também mulheres, poderiam dar mais atenção às plataformas do movimento e perderem menos tempo discutindo e, quase que invariavelmente, condenando o nome da marcha e as atitudes que algumas de suas integrantes tomam durante as manifestações.

No caso masculino, o que incomoda é a velha relutância dos homens em aceitarem a realidade: a mulher tem (muita) vontade sexual. E é direito que tenha liberdade para exercê-la com quem achar melhor.

Ninguém nunca nos condenou por deitarmos com tantas quantas tivéssemos vontade ou oportunidade (nem sempre as duas andaram juntas em nossa vida sexual). Pelo contrário. Ao longo da história, somos glorificados, invejados e cobiçados por isso. O que é, no mínimo, uma distorção dos significados, sentimentos e energias saudáveis que devem envolver uma relação sexual.

O que nos apavora é que não há mais como escapar. Precisamos aceitar que as mulheres têm o direito de se deitarem sem estarem apaixonadas como o senso comum achou por bem estabelecer. Na quase totalidade de nossas relações, nós, homens, não estávamos apaixonados. É no mínimo injusto querer cobrar isso da outra parte.

O que uma relação sexual mais necessita é de responsabilidade. Responsabilidade quanto à saúde, quanto à gravidez indesejada, quanto à expectativa do parceiro ou parceira para os dias que virão após o gozo. Responsabilidade para com a não banalização do ato. E essa responsabilidade é de quem tem vida sexual, seja homem, mulher, homo, hetero. Apaixonado ou não. Amando ou não.

Quem tem filhas prestes a descobrir a sexualidade precisa digerir logo esse novo modelo, pois o antigo, o da entrega apenas em casos de amor puro e envolvimento sentimental, já foi a pique há muito tempo, embora o conservadorismo (inclusive de mulheres) esperneie se recusando a aceitar.

O nome da marcha causa impacto porque a palavra vadia incita tremores no imaginário erótico masculino. No caso das mulheres, posso apenas arriscar (já que não sou mulher) que o termo sacode pilares ocos da vida de fachada de algumas senhoras e senhoritas. E que bom que haja causado impacto nessa sociedade narcotizada por celebridades e mensagens superficiais de otimismo nas redes sociais.

Se causa escândalo em alguns o que até pode ser considerado excesso de algumas manifestantes (inevitável em qualquer aglomeração), muito mais deveria provocar a leniência da sociedade com certas realidades combatidas pela Marcha das Vadias, como a violência contra a mulher, por exemplo, que é uma violência contra a família, núcleo base da sociedade.

E se esse – violência doméstica – fosse o único assunto na pauta do movimento, já seria muito mais importante do que o nome da marcha ou meia dúzia de belos peitos de fora pintados com palavras de protesto.

O diabo não é tão feio

Originalmente publicado em 2/6/2010

Na última segunda-feira foi comemorado o Dia Mundial sem Tabaco, ou seja, dia de combate ao fumo. Como geralmente só tomo conhecimento dessas datas lá pelo meia da manhã, não consigo escrever nada sobre elas no dia em que são comemoradas. Mas nesse caso vale tocar no assunto, mesmo que com o atraso de dois dias.

Fumei por 17 anos, larguei há pouco mais de seis. Tempos depois de pararmos, adquirimos a consciência que, dominado pelo vício, o fumante não consegue ter: a vida dele ficaria bem melhor sem o cigarro. E não é apenas no aspecto físico. Deixar de fumar tira um peso da consciência. Aliviado, você assiste às (poucas) propagandas de cigarro sabendo que não está mais se matando um pouco a cada tragada.

Provavelmente o que desmotiva o fumante a abandonar o cigarro é o esforço que terá que fazer. Sei que há casos e casos. No meu, é claro que foi difícil. No entanto, menos do que pensei que seria, menos do que talvez o senso comum ache que seja.

Eram 16h30 de uma sexta-feira. Tomei um café preto, acendi um Marlboro e dentro de mim falei ( em tom solene, até ) esse é o último. Estava, ali, chegando à parte mais importante de um processo iniciado cerca de um ano antes, quando passei a “desacostumar” meu organismo com a nicotina. Acordava, tomava café, e resistia até onde podia para acender o primeiro cigarro, o que, segundo os especialistas, é um dos elementos-chaves da cadeia do vício. Só fumava quando estava já babando e mordendo os dedos, tentando me pendurar no teto e de cabeça para baixo. À tarde, fazia o mesmo. Após o almoço, me “torturava” até o fim da tarde. Dessa forma, a cada dia me tornava mais forte contra o vício, conseguindo ficar mais tempo longe dele. Houve dia em que fumei apenas um cigarro, e naquela sexta-feira senti que estava forte o suficiente para dar adeus definitivamente ao vício.

No dia seguinte, não abri mão das coisas que gostava e que sempre me aproximaram do cigarro. Bebi um belo café preto encorpado de manhã e, como era um sábado, também tracei um rascante tinto chileno e uma temperada pizza calabresa. Meu raciocínio era simples. Se eu abdicasse dessas coisas durante seis, sete meses para que as tais crises de abstinência não fossem tão cruéis, quando eu voltasse a elas talvez o baque fosse mais forte e eu pudesse jogar por terra todo meu esforço. E eu estava determinado a não fazer isso.

Os dias que se seguiram foram de duelo interno entre a razão, me provando a cada segundo longe do cigarro que a minha vida ficava melhor sem ele, e a falta do alento que na verdade o fumo traz em momentos tão frequentes quanto diversos: no carro ao sairmos da garagem, depois que acabamos de escrever, a espera em algum local de compromisso profissional.

Na luta contra o dragão do vício, descobri artifícios que me ajudaram. Mastigava cravo e bebia litros d’água quando a vontade apertava muito. Fiz da corrida uma obrigação diária, para que meu espírito se convencesse de que o ar era bem melhor para os meus pulmões do que a fumaça. Mas acima de tudo, me determinei a não reduzir meu tempo de vida ao lado de minhas filhas.

Não procurei ajuda. Não recorri a chicletes, adesivos, grupos de pessoas que querem largar. Mas tudo isso é válido e a pessoa não deve se sentir menor se precisa de ajuda para largar o cigarro. Deixar o fumo é uma grande vitória, e ela tem o mesmo sabor se conquistada sozinha ou com auxílio.

Preciso ser sincero e dizer que mesmo anos depois, em algumas vezes, ainda lembro do cigarro. Não sinto propriamente vontade de fumar, mas lembro que em determinada ocasião igual eu certamente acenderia um belo mata-rato (todos são mata-ratos, não importa o preço). Mas automaticamente vem a certeza do quanto ganhei nesses anos longe do vício, o quanto me tornei mais inteiro para curtir a vida.

Tenha a consciência de que em um ex-fumante, o cigarro é um cachorro preso no fundo do quintal, um cachorro ao qual não damos comida há muito tempo, mas que apesar disso não morre. Fica lá, cada dia mais fraco e esquálido, e ainda assim às vezes ainda encontra forças para dar um latido, por mais raquítico que seja. Mas aí a gente vai lá no fundo do quintal e dá um berro “cala a boca, cachorro!”. E a vida continua a cada dia melhor.

Cultura e sabedoria

Para exercer determinadas profissões em certos patamares, talvez não seja necessário apenas a qualificação técnica, intelectual, universitária. Nem unicamente a experiência na carreira.

Há ofícios na sociedade que requerem experiência de vida. O jornalismo é um deles; a medicina, certamente, outro. Parece-me que a área jurídica – seja na defesa, acusação ou julgamento – possui igualmente essa exigência.

Certa mãe solteira reivindicou aumento de pensão alimentícia por causa dos gastos com educação e saúde e ouviu do juiz que o estado oferece escolas e hospitais de graça, portanto não deveria ser exigido do pai da criança maior sacrifício financeiro.

Como boa mãe, ela respondeu que passaria fome, mas o filho não baixaria na fila de um hospital público.

Penso que ainda cabia a ela perguntar ao meritíssimo se ele entregaria seu pimpolho à sorte do ensino público e suas intermináveis temporadas de greve, ou aos açougues caóticos gerenciados pelos governos, onde se morre feito moscas.

Em outro caso, um pai separado tentava, na Justiça, manter o acordo verbal feito com a ex-mulher permitindo que ele ficasse , além dos fins de semana legais, uma semana inteira no mês com a filha.

A ex voltou atrás no acordo e ganhou o apoio da promotora, que do alto do seus anos de especialização acadêmica e vivência de tribunais, alegou que o pai não precisa ter contato com a filha para dar os cuidados que lhe são obrigação e direito, que isso pode ser feito à distância.

Não fosse a visão míope sobre uma relação pai e filha, a postura da promotora já seria um passo na contramão da guarda compartilhada, que segundo especialistas amortece na cabeça das crianças o baque que sempre é a separação dos pais.

Quanto mais um profissional se qualifica, mais condições terá de prestar um bom serviço à sociedade. Tanto melhor será se aprender também com a vida, porque terá, além da cultura, sabedoria para aplicar ao trabalho.

Mirella, o lado mais fraco da corda

Recebo a informação de que a repórter lourinha que humilhou em Salvador um acusado de estupro foi afastada do programa Brasil Urgente e que provavelmente será demitida da Band.

A medida é fruto da grita nas redes sociais nos últimos três dias. Não fosse isso, Mirella Cunha estaria até agora entrevistando bandidos e fazendo aquilo que a imprensa muitas vezes não se dá conta de que não é seu papel fazer: julgar e, de preferência, condenar.

Mas quem tem o mínimo de experiência em uma empresa de comunicação sabe que a engrenagem não gira sozinha. Essa coisa fascinante que é produzir notícias depende de várias mãos que movem várias alavancas.

Não obstante sua postura preconceituosa como pessoa, Mirella Cunha agiu da forma como mandaram que ela agisse. Que seguisse a receita de todos os dias. O problema é que agora o bolo desandou, mas não única e exclusivamente por culpa de quem o estava assando.

Desde o final da sua primeira infância (anos 60) a televisão não se faz de improviso. É algo planejado, organizado e estruturado. Não apenas materialmente, mas também intelectualmente.

A repórter fez as perguntas que descambaram para a humilhação.

Mas alguém editou o material.

Alguém autorizou que fosse ao ar.

Outro alguém bancou(anunciou)o programa.

E, finalmente, alguém utilizou uma concessão pública para veicular preconceito e humilhação.

Portanto, em um programa de TV, quando ocorre um erro, a lista de puníveis não se limita a quem está com a cara no vídeo. Mirella era o lado mais fraco da corda, e como tal, foi o primeiro a arrebentar.

Precisa acontecer o mesmo com o lado mais forte, que aliás, a essa altura, já deve estar selecionando currículos de outras lourinhas e moreninhas.

Medidas na contramão

Um enorme engarrafamento se forma todas as noites no extenso corredor que liga o estacionamento dos fundos ao portão da frente de um curso preparatório para concursos públicos em Brasília. Há algo em comum nos carros que, no anda e para, pacientemente esperam a vez de chegar até a rua: cada um deles só transporta o motorista.

A cena expõe a falência do sistema de transportes de uma cidade que pretendeu-se planejada, pretensão essa que a cada ano esquece-se mais e mais perdida no tempo.

A situação não é particularidade de Brasília. O automóvel dominou as ruas das capitais brasileiras. A frota cresce ocupando o espaço do transporte coletivo. O limite do seu crescimento será, ao que parece, quando não conseguirmos chegar de manhã no trabalho ou à noite em casa.

E esse dia não está longe. Voltando a Brasília, estudo aponta que quase todas as vias do Distrito Federal estarão saturadas em oito anos. Falamos de uma unidade da Federação com cerca de 2,5 milhões de habitantes. As grandes metrópoles, então, já chegaram a esse lamentável estágio. Chegaram e nada continua sendo feito.

Ou melhor, é feito sim. Para piorar a situação.

Como se nada tivesse a ver com o assunto, o Governo Federal anuncia mais uma vez redução de impostos sobre vários itens, entre eles os automóveis de mil cilindradas, cujo acabamento, segurança e desempenho os fazem caros tenham o preço que tiverem, haja o desconto que houver.

É preciso estimular a economia aumentando o consumo, esse senhor que nos tornou modernos escravos de suas facilidades. Na ótica míope do mercado e das autoridades, país forte é aquele cujo povo compra – mesmo que não tenha necessidade – e se endivida – mesmo que não possa e deixe inadimplente o plano de saúde e a escola dos filhos.

Afinal, o que importa é o carro zero, mesmo que falte bem pouco para que qualquer trajeto a pé leve menos tempo do que em quatro rodas.

Para arrumar a casa

Para arrumar a casa, comece por aquelas certezas que você possuía. Coloque uma em cima da outra e desça com a pilha. Deixe-as na calçada para o lixeiro levar se ninguém quiser, pois pra você elas não servem mais. Não arrume outras para pôr no lugar. Nos dias de hoje é material que perde a validade rapidamente.

Despreze os métodos que te ensinaram de auto conhecimento. Há rios de dinheiro transbordando enquanto tua cabeça te deixa na dúvida se você é você mesmo.

Para arrumar a casa, toque fogo no livro das religiões. O maior talento delas é exigir que você seja o que você não é. Além dos mais, são feitas por homens, e homens agem ao contrário do que pregam.

Para deixar a casa em ordem, mantenha apenas os livros de Machado e Kerouac, e não se desfaça dos discos do Creedence nem dos velhos albuns de blues, pois só eles te levam ao teu verdadeiro lugar.

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