Estão derrubando muitas árvores em Brasília.

O mecânico deve ser alguém em que confiamos tanto quanto no nosso médico particular. Do contrário, o que fazer quando ele nos apresenta a conta da revisão e, sem esperar que recuperemos o ar e a consciência de nós mesmos, já vai nos mostrando aquela peça que ele jura que trocou porque estava prestes a se soltar e a nos levar direto ao primeiro poste da rua? Ele pega a peça, mostra, chega a fazer cara de nojo e sacode bem junto ao nosso ouvido, dizendo “ouviu só?” E nós, desgraçados desentendidos do mundo oculto dentro do capô, balançamos a cabeça como se realmente houvéssemos escutado algum ruído na peça de metal, aliás, como se tivéssemos a certeza de que a tal da rebimboca retorcida ou carbonizada é mesmo do nosso carro.

Nos últimos dois anos, as autoridades ambientais do Distrito Federal estão jogando ao chão diversas árvores plantadas na época da capital do país. Não são frutíferas, mas oferecem generosa sombra. Isso, convenhamos, já está de bom tamanho.

Elas são de uma única espécie, a manguba. Dizem os técnicos responsáveis pelos belos jardins de Brasília, que as árvores dessa espécie estão condenadas porque foram tomadas por um tipo de cupim. O bichinho, faminto, corrói a árvore por dentro e ela pode cair de uma hora para outra. Por isso, então, a moto-serra segue cantando sem dó nem piedade.

É difícil imaginar que alguém incumbido pelo estado de zelar pelas árvores, possa querer sair por aí derrubando-as sem um motivo maior que não seja proteger a segurança do cidadão. Para o corte, eles repetem a mesma alegação há anos, e de forma convicta.

É que em Brasília os gramados e os jardins vêm sofrendo pressão nos últimos anos. A sensação que temos é que, se bobearmos, parque vira estrada e canteiro, estacionamento. Essa pressão parte até mesmo, em alguns casos, da própria sociedade. Tem muita gente que gostaria de ver sua camionete de luxo no lugar de uma mangueira frondosa.

E esta semana, quando cheguei em casa, não havia mais, em frente à minha janela, a manguba com a qual troquei confidências nos últimos dez anos. No lugar dela, o vazio no gramado, e maior ainda dentro de mim. Agora, com sua eterna ausência, o sol inclemente do cerrado açoitará a fachada do prédio.

“É o cupim, a árvore pode cair e se mata uma pessoa, os moradores entram na Justiça, vão ao jornal dizer que a gente deveria ter cortado e não cortou”, me explica o técnico do departamento de parques e jardins, fazendo cara de mecânico que mostra uma peça qualquer do carro.

50 anos em seis – Brasília, poesia e prosa.

Seis escritores que moram em Brasília lançam hoje uma coletânea de contos, crônicas e poemas. 50 anos em seis – Brasília, poesia e prosa reúne autores que, em comum, possuem o fato de não terem nascido na capital do país, mas aqui fazem literatura que muitas vezes passa pela cidade, suas belezas e defeitos, sua paisagem e sua gente.

A coletânea, que tem tratamento gráfico de Bruno Schürmann, reúne poemas e crônicas do matogrossense Nicolas Behr, do paulista Pedro Biondi, do mineiro José Rezende Jr., das gaúchas Fernanda Barreto e Liziane Guazina e deste carioquíssimo suburbano que vos escreve.

O livro desliza na onda dos cinquenta anos de fundação da cidade, ainda tão polêmica meio século depois da inauguração.  

Valeu a pena construir Brasília? Aqui só tem ladrão? É uma cidade estranha para quem a vê pela primeira vez? Pela ordem de respostas: sim, não e sim. Na coletânea abordamos esses aspectos da cidade – avião pousado no mapa – e também outros, mas sem deslumbramento e sem o tratamento ufanista da literatura que anuncia Brasília como capital da esperança, que martela até hoje no sonho de JK ou rótulos irmãos. Tratamos a cidade com os humores de quem vive aqui, lembrando o passado miserável de ilusões e decepções do candango pobre que ergueu esses palácios, a preocupação com o presente/futuro da preservação urbanística e ambiental e, claro, deliciados com a natureza exótica de árvores tortas e céu que não acaba nunca.

Muita gente – o país inteiro, é bom que se diga – se junta em Brasília para tramar picaretagens. Nós nos reunimos para mostrar o que escrevemos. Aproveite, então. É hoje no T-Bone, na 312 norte, a partir das 19h.

Nos vemos lá. 

Acesse também o blog http://brasilia50anosem6.wordpress.com/

Roma

Andou cerca de dez minutos e chegou a outra praça, bem menor do que as famosas. O que o batismo urbanístico chama em outros lugares de largos ou becos, lá são praças, independentemente do tamanho, como se a intenção fosse uma perpétua celebração da vida e da alegria através da paisagem.

Milagrosamente ali não era tão barulhento, mas ouviam-se assim mesmo as sirenes desesperadas das ambulâncias e as intervenções ríspidas das buzinas em meio à massa uniforme do ronco dos motores. A cidade era uma velha sentada em um banco de praça falando consigo mesma. E falando alto, sem reparar ou se importar que a ouvissem. As sirenes e as buzinas eram a velha gritando e repreendendo a si mesma. Mas ali, onde ele estava agora, era como se do terceiro andar de um prédio ouvisse a velha falar da calçada. Remota, embora presente.

Dois cafés ainda vazios para o almoço dividiam o espaço com a entrada de um museu, uma universidade e uma basílica. Sem outro motivo além de o da curiosidade que não se explica, entrou na universidade. Na cidade, em qualquer prédio que se entre, a sensação é uma quase certeza de que se está caindo no poço sem fundo do tempo.

Dentro havia um átrio onde a luz do dia ganhava em intensidade por causa do amarelo claro das paredes do prédio. À medida que acomodava os olhos à luminosidade, uma espécie de paz emocionada ia embalsamando seu corpo, sua cabeça. Poderia jurar que sobre os ombros puseram-lhe uma espessa e ao mesmo tempo leve manta de algodão, ainda que sustentada nas costas houvesse apenas a velha mochila de passeio e turismo.

Quem sabe o mesmo quem ou o algo, autor do depósito invisível da manta em seus ombros, sugeriu que olhasse à esquerda e para lá caminhasse. Acatou a sugestão que não ouvia, mas escutava, e tal como o conhecedor que prova o vinho, foi pisando calmamente aquele chão de séculos até entrar na basílica, conectada ao átrio por uma pequena passagem.

Sem um sentimento religioso que o tivesse levado até ali, pouca atenção deu às imagens magníficas de santos, anjos e cenas bíblicas. O comovente era o intangível, o invisível: a mesma paz do átrio, só que agora maior, pegando do chão ao teto da basílica, cujas paredes e colunas tornaram-se outras tantas mantas de algodão a confortá-lo.

Dê mais quatro ou cinco passos, falou o silêncio que reinava amplo e absoluto, impedindo os resmungos da velha cidade com seus exageros. Obediente, parou exatamente num ponto em que de uma das janelas projetava-se um facho de luz e provou uma das maiores sensações de acolhimento e acalanto de sua vida inteira de homem de meia idade. Sentia-se abraçado por alguém que não via, uma espécie de tio-avô que o conheceu pequeno e depois, nunca mais.

Desde quando não nos vemos? 1490, talvez? E ele escutava a pergunta que não ouvia. Acho que sim, e respondeu sem falar.

Os olhos não contiveram as lágrimas. Toda aquela paz estava finalmente materializada, molhando seu rosto.

Então, agora vá.

E ele obedeceu de novo. Enxugando a face, ganhou a pequena passagem de volta ao átrio e logo já estava de novo na rua. No final dela, virou-se, e sem qualquer gesto acenou para o vazio.

Mendigo

Nos últimos dias

meu coração anda dormindo

debaixo das marquises

da tua rua.

Da internet para os livros.

A escritora Ana Cristina Melo está lançando a novela infanto-juvenil Caixa de Desejos. É o livro de estréia da autora que, no entanto, já tem muita ligação e intimidade com a literatura. E também com a blogosfera e as mídias sociais. É através desses canais que Ana Cristina Melo divulga de maneira intensa o que se escreve e o que se lança no Brasil. Ela arruma tempo para escrever e mantersimplesmente cinco sites e blogs: http://canastradecontos.blogspot.comhttp://ficcaodegaveta.blogspot.comhttp://www.anacristinamelo.com.brhttp://caixadedesejos.wordpress.com., e o mais famosos deles, http://www.sobrecapa.com.br

Abaixo um pequeno resumo de Caixa de Desejos nas palavras da própria autora. Em seguida, confira uma entrevista que o blog fez com essa analista de sistemas de profissão, e escritora por talento e paixão pelas letras.

“Caixa de Desejos é uma novela juvenil. Conta a história da Marília, uma menina que vive com os pais, os avós maternos e o tio paterno, mas tem uma ligação muito forte com a avó materna que mora em outra cidade. Logo no início da história essa avó morre e ela ainda tem que lidar com a chegada de uma meia-irmã que só viu duas vezes na vida. Para ajudá-la nesse processo de perda, Marília conta com uma caixa que a avó lhe deu de presente, antes de morrer. Uma caixa mágica para ela guardar seus desejos. Assim, ela vai se descobrindo, descobrindo a relação com a irmã, aprendendo a conviver na escola e entendendo como lidar com um primeiro amor que surge em sua vida.”

P – Por que estrear na literatura com um livro infanto-juvenil?

Ana – Enviei para poucas editoras quatro originais que estavam prontos: um livro de contos, dois infantis e um juvenil. A primeira resposta positiva que recebi foi do juvenil. Caixa de Desejos tem uma história curiosa. Eu havia colocado um ponto final no livro de contos, no qual vinha trabalhando há quatro anos, incluindo alguns textos, retirando outros, retrabalhando sempre. Dei por encerrado, pois não aguentava mais. Havia uma saturação em ler sempre a mesma coisa. Cheguei a enjoar de alguns contos dos quais antes gostava muito. Precisava escrever algo diferente que me “limpasse”. Comecei a desenvolver um projeto de romance, mas em paralelo me surgiu a história de Caixa de Desejos, que veio de rajada. Foi amor à primeira escrita (rs). Quando meu editor disse que havia adorado e queria publicá-la, fiquei muito feliz. Afinal, estou estreando com um texto pelo qual sou completamente apaixonada.

P – Pelo resumo que você fez, a história tem a família como eixo central. Será que em nossas casas temos mesmo muita riqueza de material para trabalharmos?

Ana – Para mim, não só dentro de casa, mas na vizinhança, nos relacionamentos dos vários tipos que nos cercam. Esse tema relacionamento/família é muito forte para mim. A maior parte dos meus textos trata de relações humanas. E mesmo que esses textos busquem outros cenários, não dá para fugir de uma verdade: a relação mais delicada está dentro de casa, com a nossa família. Acredito que só é possível dizermos que somos felizes, no dia em que entendermos as relações que temos com o mundo.

P – Pelo que sei, sua formação profissional é bem distante das letras. O que te fez se aproximar da literatura?

Ana – O amor pela literatura é anterior à minha formação em Análise de Sistemas. Eu tinha nove anos quando me encantei pelos livros. E essa fagulha me foi apresentada em sala de aula. Primeiro com alguns textos que apareciam nos livros didáticos. Houve um poema que me mostrou na prática o que é a força das palavras. Há pouco tempo, me lembrei dele, ou parte dele, e fiquei agoniada por não tê-lo completo. Tentei a internet, mas não havia nenhum vestígio. Então, coloquei um post em meu blog (Canastra), do tipo “procura-se”. E para minha felicidade, um leitor o trouxe na íntegra. Chama-se “A boneca” e está reproduzido no meu site (www.anacristinamelo.com.br). Mas existiram outras fagulhas: encenávamos peças na escola (fui a “bruxinha que era boa” e a narradora do “pintinho que nasceu quadrado”); depois, fomos apresentados à coleção Vaga-lume. Daí começou meu amor. Escrevia poemas que geravam páginas e páginas datilografadas; se perderam, ainda bem (rs). Quando fui cursar o segundo grau, tive que optar por seguir uma carreira, pois vinha de família de poucas posses. Um dia assistindo tevê, vi uma reportagem sobre computadores (que naquela época era algo muito distante da nossa realidade) e gostei da ideia. Resultado: 23 anos como Analista e professora, mais três livros técnicos publicados, saindo o quarto mês que vem. Mas há cinco anos, descobri que não estava realizada, que faltava algo em minha vida. Primeiro, para conseguir me entender, retomei com fúria a leitura que vinha sendo deixada em último plano, em razão da necessidade das leituras técnicas. Foi o suficiente para eu perceber o que estava faltando: o desejo de menina de me tornar escritora. Nessas décadas, foram tantas palavras que me preencheram, que transbordou.

P – E o site? Por que teve a idéia de criar um para divulgar literatura?

Ana – Outro dia, li algo sobre o meu signo que cai perfeitamente na minha personalidade: o ariano vive tudo intensamente. Não acredito em previsões de horóscopo, mas as características que são atribuídas ao meu signo se encaixam com perfeição no que sou. Essa intensidade foi convivendo com a necessidade de cada vez mais respirar a literatura. Daí nasceu o blog Canastra de Contos, para ser um cantinho em que eu pudesse falar, ouvir, trocar ideias sobre a escrita e a leitura. Desde que comecei a escrever, participava de alguns concursos literários, mas às vezes perdia alguns por esquecer do prazo e ter que visitar mais de um site para encontrar os editais. Foi assim que nasceu o Ficção de Gaveta, um blog de concursos criado para ser a minha agenda. Quando me dei conta, ele era de utilidade pública e não podia mais parar. O Sobrecapa surgiu a partir do Canastra. Eu costumava pegar os lançamentos da semana e pesquisava editora, gênero literário e algo a mais sobre os autores, para divulgar no blog. Fui percebendo que as notinhas que saíam nos jornais eram insuficientes. Então, pensei: por que não criar um cantinho dedicado a isso? Como sempre me incomodou o espaço que a mídia dá aos livros estrangeiros, em detrimento dos nossos, resolvi que o site só trabalharia com autores nacionais. Seguindo essa linha, venho tentando a publicação de uma lista de mais vendidos, exclusiva da literatura brasileira, o que tenho conseguido com muito suor.

P – A internet tem conseguido divulgar a literatura, principalmente a nossa, sempre sem espaço nos grandes veículos?

Ana – Acho que sim. Se não fosse a Internet, muitos autores continuariam desconhecidos. As crianças conhecem mais dos nossos escritores do que os adultos, pois elas leem sem preconceitos. Os adultos acabam seguindo a moda que está nas revistas, nos jornais, no colega ao lado que seguiu o mesmo caminho. Mas a Internet, hoje, também abre muito o leque. Precisaríamos concentrar essas informações em alguns lugares, como por exemplo, os cadernos literários. Mas, infelizmente, os poucos que temos precisam olhar com mais carinho para a literatura brasileira.

P – O que você gosta de ler?

 

Ana – Romances, contos, infantojuvenil e poesia. Infelizmente, a literatura ocupa os espaços livres, pois a maior parte do meu tempo trabalho na minha profissão, de onde vem o sustento. Isso me obriga a dividir as brechas entre a família, a escrita, a divulgação e a leitura. Por isso, adoro fila de qualquer coisa, é um ótimo lugar para ler (rs). Também leio com frequência livros de teoria literária. O que lamento é não conseguir encaixar tempo para ler algumas biografias. Essas estão sempre no final da fila, posição quase inalcançável. Minha estante está transbordando livros. Agora adotei a fila do “a ler” e do “a comprar”.

P – Que autores te influenciaram ou influenciam?

Ana – Não tive um autor preferido na infância, até porque aos quinze anos eu já estava trabalhando com Informática, e buscando me aperfeiçoar nessa área. Mas quando tornei novamente a literatura como prioridade, me apaixonei por alguns autores. Os principais foram Machado de Assis, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Gustave Flaubert e Jorge Luís Borges. Na literatura infantojuvenil, Monteiro Lobato e Lygia Bojunga.

P – Na sua opinião, como deve ser a aproximação da criança dos livros? Como despertá-las para a leitura?

Ana – Nunca por obrigação, nem muito menos como receita de bolo para se discutir textos literários de cânones. Os clássicos existem e precisam ser apresentados aos jovens, mas antes é preciso que eles se apaixonem pelas palavras e, consequentemente, pelos livros. Isso só se dá se eles forem fisgados pela história. E, nessa linha, acho que há várias formas, que devem ser adequadas a cada tipo de classe, levando em consideração outros fatores. Encenar um texto é um ótimo caminho, assim como debater enredos em sala, aproximando o texto literário da realidade do aluno. Mas se tem algo que acho péssimo é o tradicional “leia para fazer prova”. Literatura não é obrigação, é arte. Arte não é uníssona no gosto. Por isso, é preciso respeitar o limite de cada aluno, mais do que isso, é preciso deixar as crianças e jovens flertarem com os livros. Compromisso sério, só mais tarde.

P – Voltando ao livro. Ele parece que fala de uma perda na vida da personagem principal. As perdas tornam as pessoas mais fortes e, consequentemente, as fazem personagens mais interessantes literariamente?

Ana – Não diria que são as perdas que tornam as pessoas mais fortes, mas como lidamos com elas. Isso acontece na vida de qualquer um e em situações diferentes. Imagine um pai de família que fica desempregado. Isso é uma grande perda. Ele pode tomar duas atitudes: uma é literalmente sentar e reclamar da vida, praguejando sua sorte; a outra é erguer a cabeça e ir à luta. No segundo caminho, é mais fácil descobrir a janela aberta, enquanto que se ficarmos apenas no primeiro, certamente só veremos a porta fechada. Acho que o que torna um personagem interessante é o que ele tem de mais humano: sofrendo, se alegrando, vivendo seus altos e baixos, e aprendendo a seguir em frente. Nem nos livros de fantasia os heróis vivem uma vida perfeita.

Mas claro que não falo aqui de fatalidades, pois, nesse caso, entramos num outro prisma, em que é preciso muito mais do que força para vencer esse tipo de dor.

Em Caixa de Desejos, Marília perde a avó com quem tinha uma relação muito forte. Mas com a ajuda de um presente que essa avó lhe deixa, uma caixa para guardar seus sonhos/desejos, e a chegada de uma meia-irmã, a menina encontra um caminho para superar o que há de negativo em sua vida.

P – Conto ou romance? Infanto-juvenil ou adulto?

Ana – Gosto muito de escrever contos, mesmo diante de toda a complexidade que ele encerra. Eu vejo o conto como o caminho que eu tenho para que, rapidamente, eu possa escrever sobre algo que esteja gritando dentro de mim. Já em relação ao romance, cheguei a escrever dois que joguei fora. Atualmente trabalho no que considero o meu primeiro e estou completamente apaixonada. Então, se eu tivesse que ordenar, por preferência, viria o romance primeiro. Já entre o infantojuvenil ou adulto, não tenho como escolher. Há, em mim, duas Ana Cristina Melo. Uma só para o infantojuvenil e outra só para o adulto. Não restrinjo nenhuma delas. Deixo que venha à tona aquela que mais precisa se expressar. E eu amo quando escrevo em qualquer um desses gêneros.

Simples infinito.

p/ Hugo Giusti.

 

Eu vou me transformar em terra

Para que me façam de chão firme

Os homens que buscam

O caminho do bem.

Eu quero virar água

Para me derramar dos grandes saltos,

Das pequenas cachoeiras,

E refrescar o peregrinos cansados

Que chegam de longe pregando o amor.

Estou virando ar

Para também ser vento

E ajudar no voo dos pássaros

Que lembram a todos

O espírito da paz.

Vou me transformar em fogo

Para socorrer os que querem

Alumiar as cavernas

Escuras do ódio.

E um dia serei estrela

Ajudando Deus a mandar

Sinais para o mundo.

Boletim de ocorrência.

Um homem nu saiu andando

pelas rua de Nova Iguaçu.

Um homem nu saiu andando

lívido frio  

pelo meio das ruas de Nova Iguaçu.

Um homem nu insano

saiu andando

driblando a solidão

a monotonia

buscando sentido

em nossas roupas.

Corram acudam

o homem nu das ruas

de Nova Iguaçu

que ficou louco

triste sozinho

dentro das roupas.

Corram acudam tomem

alguma providência

antes que saiamos

todos nus pelas ruas

para provar

que ainda somos gente.

Do livro Poesia Numa Hora Destas? Coletânea de poetas (7letras, 1994).

Casas em Planaltina de Goiás.

Essa luz da tarde seca não nos espanta:

É sempre o mesmo infortúnio

Para os olhos pesados do almoço.

Novidade também não é

O morto antigo que assunta do retrato.

Os mais novos não têm certeza

De quem foi.

Talvez tenha sido o último

A mexer nessas telhas

Por cujas rachaduras o sol se atreve.

Periga voltarmos ao século 18

Se, desavisados,

Suspirarmos fundo

Vencidos por um cochilo.

*

‘Inda pouco eram sete horas

Agora são quase dez.

A semana já está acabando

E sábado-e-domingo também é tão rápido.

O ano passou do meio

E minha vida, da metade.

Logo é outro natal

Teu aniversário é mês que vem

Qualquer dia, a nossa morte.

Apenas a gradual angústia das horas

É lenta,

Lenta feito um visgo-movediço-vagaroso

Nos subindo pelas pernas,

Passando da cinutra

Até nos roubar inteiramente o ar.

Rolar para cima