Os filmes em que morremos de amor.

Noite de Domingo

Morre pesada

Em pratos do almoço

Ainda na pia.

Ainda insisto

Em alguma vida na casa:

Abro-fecho sites

Com os dedos no telefone

Procuro pessoas

Mas não todas:

Apenas as que me falem

De dias na praia,

De filmes em que

Morremos de amor.

Mas como a noite

Pode ser nave imensa

Que não pousa,

Desisto de buscas,

Rendo-me calado

No primeiro quarto

Que encontro.

Nos grotões da sala apagada

Sherryll Crow canta

Algo que tocava em novela,

Sem bem me lembro.

Ah, as músicas e minha

Inconformada relação

Com o tempo!

O problema

É que o CD gira sem consolo

No fim de outra noite,

Em 1995 talvez.

Histórias em quadrinhos levadas a sério.

Por Alexandre Pilati (www.alexandrepilati.com.br/blog/)

 

Há muito tempo histórias em quadrinhos não são só coisa de crianças e jovens em busca de aventuras de super-heróis. Nos últimos vinte anos, o mercado dos quadrinhos se desenvolveu bastante, procurando atingir o público adulto, com autores que trabalham temas antes restritos a obras de ficção tradicionais, tais como os romances, os contos e as crônicas. Assim os quadrinhos têm alcançado o status de arte séria, deixando de lado os heróis com poderes mágicos e suas fantasiosas peripécias para enfocar problemas do cotidiano e apresentar personagens que exponham a complexa condição dos seres humanos comuns.

A importância dos quadrinhos para adultos no mercado editorial brasileiro, hoje em dia, é tão significativa que há diversas livrarias que separam seções inteiras para contemplar os lançamentos da área e cada vez mais editoras têm se dedicado a publicar autores de quadrinhos adultos nacionais e estrangeiros. É o caso da editora Companhia das Letras, que está entre as mais importantes do país, e que criou um selo apenas para publicar quadrinhos voltados para o público adulto o Quadrinhos na Cia. Uma das maiores estrelas desse selo é uma artista iraniana chamada Marjane Satrapi, que tem uma das obras em quadrinhos mais contundentes da sua geração.

Um grande talento da arte contemporânea do Irã

Marjane Satrapi nasceu em Rasht, no Irã, em 1969, e atualmente vive em Paris. É filha de uma família que cultivava a educação e a consciência política emancipadora e que, na infância, estudou no liceu francês de Teerã. Marjane tem sangue nobre, pois é bisneta de um imperador de seu país e teve uma educação que combinou a tradição da cultura persa com valores ocidentais e de esquerda. Aos catorze anos, graças à delicadíssima situação da guerra Irã-Iraque, ela partiu para o exílio na Áustria, e algum tempo depois retornou ao Irã para estudar belas-artes. Seu estudo e o seu talento para a escrita e a ilustração fizeram com que ela se estabelecesse sem dificuldades na França. Mas o mais importante é que Marjane tinha muita história para contar graças à sua vivência entre dois mundos que ela aprendeu a conhecer e a amar desde menina: o ocidente e o oriente.

As obras de Marjane em português

Desde 2004, a Companhia das Letras vem editando no Brasil o trabalho de Marjane. A estreia aconteceu com o primeiro volume da aclamadíssima série Persépolis, que na verdade é uma autobiografia em quadrinhos. Nessa série, que teve os quatro volumes reunidos em um único livro em 2007, os olhos da menina Marjane e a consciência política à flor da pele da artista adulta criam uma história que emocionou leitores de todo o mundo e que, só na França, vendeu mais de 400 mil exemplares.

Outro livro de Marjane publicado no Brasil é Frango com ameixas, em que a autora conta a vida de uma pessoa que ela admirava muito desde menina, o seu tio Nasser Ali, que era artista como ela. Essa biografia é, na verdade, um belo manifesto em favor da liberdade de criação artística e também da arte como possibilidade de exposição de elementos profundos da humanidade. O tom predominante é triste, mas isso não impede que o humor se infiltre nos quadrinhos, o que prova que Marjane Satrapi é, certamente, uma grande intérprete de seu país.

Neste ano de 2010, saiu em português o volume Bordados, em que Marjane se aproveita de um costume tradicional do Irã, uma reunião de mulheres para costurar e conversar, (ou como se diz no Brasil “tricotar”) para expor diversos dilemas da condição sexual feminina em seu país. Entre os “bordados” do título vão aparecendo casamentos malfadados, virgindades roubadas, adultérios, frustrações, golpes e autoenganos que são narrados com a ironia que é tão peculiar à autora. 

 

Aviso de ausência temporária.

De hoje até o dia dezoito, o blog faz uma pequena pausa na postagem de material inédito. O cronista/blogueiro vai tirar cerca de uma semana de papo pro ar, retornando ao batente no dia dezenove com – espero eu – muitas novidades para contar diariamente nesse espaço.

Até lá o blog terá sim atualização diária, com execção dos domingos, dia em que não há mesmo postagem nova porque nesse mundo nem blogueiro é de ferro. Já estão programadas postagens que entrarão no ar todos os dias à meia-noite, até a nossa volta a essa página. São poemas escritos nos últimos anos, sendo dois ou três, inclusive, inéditos. Se estivéssemos no rádio ou na TV, eu poderia dizer que estaria gravado, e não ao vivo com vocês.

Confiram também a coluna de poeta Alexandre Pilati, que todas às segundas às 16h51 e terças às 11h31 conversa comigo sobre literatura na BandNews FM – Brasília 90,5.

Vocês conhecerão também um pouco mais sobre uma incansável batalhadora pela divulgação da literatura. É a escritora carioca Ana Cristina Melo, que estréia com o romance infanto-juvenil Caixa de Desejos. No sábado, dia 15, o blog publica uma entrevista com a autora, algo que não é característico da página. Mas para Ana Cristina, que mantém entre outros o site http://sobrecapa.wordpress.com/, vale muito a pena abrir uma exceção.

Na volta darei mais detalhes sobre outro lançamento, este com a minha participação. É a coletânea 50 anos em seis – Brasília em prosa e poesia, que reúne contos e poemas meus, de Nicolas Behr, José Rezende Jr, Liziane Guazina, Fernanda Barreto e Pedro Biondi. O lançamento será dia 20/5, às 19h, no Açougue Cultural T-Bone, na 312 norte, em Brasília, é claro.

Tenham ótimos dias.

Arrivederci.

Toca Raul.

Mal entrou no carro, pediu ao pai que pusesse Raul Seixas. No caso dela, pedir para tocar Raul era pedir para ouvir uma música em particular, Rockixe. Desde bem pequena gostava não só da música, mas da letra que falava de sapato, boné, dormir mais cedo. Mexia com seu imaginário aquele doido maravilhoso que cantava alto falando de coisas engraçadas, tão familiares a seu simplório e delicado mundo. Então, sempre que pedia Raul Seixas, estava era pedindo a música do boné, do sapato.

Dessa vez o pai argumentou. Filha, o Raul Seixas tem tanta coisa boa, vamos escutar outras músicas, vamos?

E sem esperar resposta, como no geral fazerm os adultos quando interrogam as crianças sobre o que na verdade eles já decidiram fazer, localizou no mp3 uma coletânea. Essa era boa maneira de dar à filha uma visão geral da obra do artista.

Ela ouvia calada, atenta. Mal começaram as primeiras frases da terceira música, a menina perguntou de pronto.

Pai, o que é Sociedade Alternativa?

Ele, pegando um retorno e desviando de um caminhão que estava à frente, embatucou. Como explicar a uma criança o que quiseram dizer os gênios?

Bem, filha…e ficou nisso alguns minutos. Passavam calçadas, sinais, faixas de pedestres e a resposta não lhe vinha. Do lado de fora, a cidade aflita ficava mais nervosa com a demora dele em responder. E aí, não vai dizer nada? E o trânsito se fez mais neurótico para também cobrá-lo explicação à garotinha. Ela, mais serena que ele e o caos urbano, insistiu. Hein, pai? O que é Sociedade Alternativa?

Aproveitou um sinal fechado. Filha, Sociedade Alternativa foi um lugar que o Raul Seixas imaginou, criou na cabeça dele onde as pessoas poderiam fazer o que quiser, sem obedecerem a ninguém. Entendeu?

Olhou pelo retrovisor e deu com aqueles olhos azuis de boneca fixando algum ponto além parabrisa, mas que na verdade não viam o que enxergavam. Deveriam estar acompanhando a pequena mente na escalada da interminável montanha da curiosidade. Mais alguns anos, e o pai diria também que Raul Seixas cantava coisas que incomodavam uns homens de farda que mandavam no Brasil e que não gostavam que as pessoas reclamassem deles. Mas tudo a seu tempo. Por hora, explicara o que era possível, tomara que ela tenha ficado satisfeita, pensou engatando a primeira e soltando a embreagem.

Só que o problema permanecia para aquela vivacidade encarnada, vestida pro colégio, que não se contentava com apenas uma estocada.

Quer dizer então que na Sociedade Alternativa a gente não precisa comer quiabo e nem parar de correr pelo apartamento?

Pego no contra-pé, não reagiu, sequer esboçou um não é bem assim, o que seria coerente com seu papel de pai. Desarmado pela astúcia dos verdes anos, restou-lhe tão somente gaguejar um patético é filha, é isso mesmo.

Então eu vou morar na Sociedade Alternativa! E ela resolveu sem consulta paterna. E riu seu costumeiro riso de “clareia-o-dia”.

Esse Raul Seixas é mesmo perigoso, ele apenas pensou, porque  não havia como dizer mais nada.

As amarras do ineditismo.

Certa vez enviei um conto para ser publicado no saudoso site Bestiário. Perguntei se havia a necessidade de o texto ser inédito. O editor, Roberto Prynn, foi direto: meu amigo, nesse país onde quase não se lê, até Os Lusíadas é inédito.

O ineditismo da obra, seja de qual gênero literário for, é exigência inegociável de qualquer concurso literário, desde os mais importantes, que concedem prêmios bastante razoáveis, até os desconhecidos, cujo reconhecimento não vai além da publicação em uma antologia, da qual quase nunca se ouve falar posteriormente.

Numa época em que a internet desengavetou poemas, contos e até romances, me parece anacrônico que o ineditismo total seja ainda condição instransponível para que um texto participe de um concurso literário. A exigência cabe quando diz respeito às publicações em meio impresso, incluindo, claro, livros. Do contrário, certamente, nada impediria que obras já consagradas de nossa literatura pudessem concorrer. Mas não deveria abranger textos publicados na grande rede.

A internet – e ai de quem é metido com literatura e não tenha ainda se dado conta disso – representou a oportunidade de publicação para um mundo de escritores sem oportunidade nas editoras e nos grandes cadernos literários. Além disso – e este é o cerne da questão – devido a seu formato, a web torna volátil a literatura que através dela é levada à sociedade. Ou seja, publique-se hoje e ainda ficará visível mais alguns dias. Depois, será certamente engolida pelo o que a sucedeu na urgência permanente desse mundo conectado. E voltará a ser inédita.

Mas há muita porcaria publicada na internet, dirão os que ainda enxergam com preconceito a oportunidade que a rede dá aos escritores. Sim, claro, como se fosse diferente no mundo dos livros e suplementos, como se o selo de uma editora, mesmo renomada, garantisse qualidade em cem por cento do que é publicado.

É bom lembrar que muitos desses concursos, principalmente no âmbito das pequenas prefeituras, são organizados às pressas para que, ao final do ano, as Secretarias de Cultura não tenham que devolver ao Tesouro Municipal o dinheiro que elas passaram o ano inteiro sem gastar, porque não têm criatividade para levar cultura à população. Então, em cima da hora, organizam um concurso a toque de caixa para dar uma satisfação à sociedade. E querem que nós, escritores, fiquemos com nossos textos engavetados à espera dessas disputas, cujos critérios de avaliação, e mesmo a capacidade de quem julga os trabalhos, são quase sempre desconhecidos.

Há um concurso literário com inscrição aberta, cujo regulamento talvez demonstre um pouco do quão precisam de mudanças as cabeças que organizam esses eventos. Além do ineditismo total dos trabalhos, pede também firma reconhecida do autor. Ou seja, como se não bastasse o duro parto que é escrever, o pobre do escritor ainda precisa enfrentar a fila do cartório. Temo que no caso desse concurso os organizadores entendam bem de burocracia e pouco de literatura.

Mais uma vez sobre livros.

Nas últimas duas semanas emendei um no outro livros de história do Brasil, mais especificamente sobre o período colonial, um tanto esquecido pela literatura do assunto, ao menos se comparado com outros períodos tais como Império e Revolução de 1964.

Comecei com Chegou o governador, um dos únicos dois romances do goiano Bernardo Élis. Aliando pesquisa histórica à ficção de romancista, Élis presenteou o país com um belo romance passado em Vila Boa de Goiás, antiga capital do estado, hoje conhecida apenas como Goiás e, principalmente, por ser terra de Cora Coralina.

Ele esmiuça o declínio da capitania no século 18 após ter se esgotado não o garimpo do ouro em si, mas as possibilidades de prosseguir com a mineração devido a ausência de técnicas na época capazes de fazer aflorar a riqueza ainda escondida no solo goiano. A realidade econômica e social é pano de fundo para o amor de Francisco de Assis Mascarenhas, governador da província, e Ângela Ludovico, bela, ousada e audaz jovem da sociedade. Para quem como eu, conhece Goiás, o livro de Bernardo Élis é roteiro turístico para a imaginação.

Em seguida devorei 1808, de Laurentino Gomes. Poucas vezes na vida li tão rapido um livro tão volumoso. Foram quase quatrocentas páginas em menos de quatro dias. Mérito da história do país e do autor, o jornalista paranaense Laurentino Gomes, que passou longe da linguagem acadêmica dos historiadores. Por isso fez deliciosa a saga de D. João, Carlota Joaquina e Maria I, a louca, nesses tórridos trópicos de luxúria, beleza e, já naquela época, muita bandalha com o dinheiro público.

Da mesma forma que Élis, Laurentino Gomes me conduziu feito guia a imaginação transportada ao passado. Há trechos em que, principalmente nós cariocas,  devemos ler e reler para reconstruir solidamente na cabeça como era a nossa tão amada cidade naqueles tempos de muitos brancos preguiçosos e outros tantos negros vilependiados em sua dignidade.

Por fim, retorno ao meio do país. Comecei há pouco A história da vida e do homem no Planalto Central, de Paulo Bertran, certamemnte o maior levantamento sobre o que existia no coração do Brasil antes de Luis Cruls demarcar a área do atual Distrito Federal. Ainda estou bem no início, parte em que Bertran discorre sobre a pré-história na região. Prometo trazer minha impressão geral depois que terminar. Aliás, sobre esse livro, uma curiosidade: comprei-o em uma rede de sebos. Era o único exemplar em todo o país, ao menos nessa rede. Assim sendo, custou o preço de um livro novo. Penso que merece uma nova edição.

Entretanto, o que quero dizer mesmo é sobre a capacidade que os livro têm não apenas de nos ensinar, informar, formar opiniões, soldar conhecimentos, mas também, no caso dos livros de história, de possibilitar a viagem da mente no tempo, como se páginas fossem túneis que atravessamos, indo e voltando dos séculos.

O segredo do quarto.

A menina acordou queixado-se de dores muito fortes na perna, de que não conseguia nem pisar direito o chão.

Seu talento para o drama, não obstante a pouca idade, já era notório desde o berço. Um pequeno corte no dedo tornava-se um talho profundo; quem visse seu choro após uma queda comum poderia jurar que voara da escada.

Mas como as horas foram passando e ela realmente pisasse em falso, além de não cessar a lamúria, resolveram levá-la ao pronto-socorro.

O médico, com cara passada de fim de plantão, explicou que aquelas dores eram até comuns em crianças, tudo devido ao esfoço das estripulias. Algum movimento de forma repetitiva mexia com alguma estrutura da bacia, e a dor reflexia ganhava a perna.

Ele assinou o pedido de exame e entregou à mãe.

Vá lá, tire um raio X da bacia e volte aqui com o resultado.

O espanto fez com que a menina abandonasse seu silêncio intrigado.

Mamãe, a gente não trouxe bacia!

A sonora gargalhada do médico sacudiu a exaustão que pesava sobre o consultório.

Dias depois a menina ouvia a conversa da mãe e da avó. Na verdade, não é que ouvisse, pensava lá em seu mundinho e de vez em quando ficava mais atenta, pois uma coisa ou outra lhe despertava o interesse, ou ainda mais a imaginação.

Foi o caso do comentário da mãe: o segredo da cozinha é lavar logo o que se vai sujando.

E aquilo ficou indo e voltando de sua cabecinha, feito vento que dá no alto da árvore, para, e logo logo sopra de novo.

Até que horas depois, a vó até já havia ido embora, ela fitou a mãe com seus olhos que ficavam enormes por trás dos óculos, olhos que emprestavam o azul ao próprio céu de outono.

Mãe, qual é o segredo do quarto?

Imagens do nascimento da capital.

Por Alexandre Pilati*.

 

Quem primeiro fotografou nossa cidade com lentes de artista foi o fotógrafo francês Marcel Gautherot, que, convidado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, passou dois anos, de 1958 a 1960, fotografando os trabalhos de construção da cidade. Das suas imagens surge uma Brasília ainda em gestação, em que a luz e as sombras compõem a poesia de um sonho que virou realidade.

Nesta semana, mais precisamente no dia 29 de abril, o Instituto Moreira Sales (IMS) presta uma homenagem ao fotógrafo francês e aos 50 anos de Brasília, lançando o belíssimo livro Marcel Gautherot – Brasília, que reúne mais de 150 fantásticas imagens de diversos ângulos dos canteiros de obra dos monumentos que viriam a se tornar símbolos emblemáticos da nova capital do país, tais como o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, a Catedral e a esplanada dos Ministérios.

Quem foi o fotógrafo Marcel Gautherot?

Nascido na França, em 1910, Marcel Gautherot foi um dos grandes fotógrafos de sua geração. Ele estudou arquitetura e design de interiores na “École des Arts Décoratifs”, em Paris e já fotografava quando resolveu vir para o Brasil, em 1939, a fim de registrar a cultura popular do delta do Rio Amazonas. Depois da convivência com os brasileiros e graças ao fascínio que a natureza tropical lhe despertou, o fotógrafo adotou o Brasil como sua segunda pátria. Tanto assim que, desde a década de 1940, Gautherot passou a viver no país, vindo a falecer, em 1996, no Rio de Janeiro. Nesse período que viveu nas terras brasileiras, o fotógrafo produziu mais de 25 mil imagens da cultura e das paisagens do país que adotou. Essas imagens hoje integram o acervo do Instituto Moreira Sales, que é o responsável por essa publicação cuja temática é a construção de Brasília.

 

O livro: instantâneos de uma cidade em elaboração

O livro Gautherot – Brasília reúne imagens de uma exposição que entra em cartaz na sede do Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro, no mesmo dia do lançamento do livro. Além das imagens de Brasília, a publicação conta com um ensaio inédito, encomendado especialmente para esta edição, do arquiteto e crítico inglês Kenneth Frampton, professor da Columbia University, e um ensaio introdutório de Sergio Burgi, coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles. O olhar de Gautherot, preciso, quase clínico, captura uma Brasília ao mesmo tempo promissora e ameaçadora, enorme e frágil, mítica e problemática. As imagens de Gautherot, dessa forma, captam uma poética urbana em elaboração e, portanto, ainda não contaminada pelo peso do oficialismo e dos problemas que acabaram por corroer a imagem da cidade.

O livro é organizado por Samuel Titan Jr. e Sergio Burgi e entra para a história da fotografia no Brasil por que é a primeira vez que grande parte do trabalho de Gautherot sobre a cidade de Brasília é publicado. Numa tarefa extremamente difícil, dada a qualidade das fotos do francês, as imagens da publicação foram selecionadas dentre mais de três mil fotografias que compõem o acervo do fotógrafo apenas sobre a capital brasileira. É um livro que deveria constar na biblioteca de todo brasiliense que ama a sua cidade, pela beleza insuperável das fotografias e pelo cuidado com que a edição foi tratada. Quem quiser conferir um pouco do trabalho de Marcel Gautherot sobre Brasília e outras regiões e temáticas brasileiras pode acessar o site do Instituto Moreira Sales, no endereço: http://ims.uol.com.br/.

*Entra no ar hoje, dia 1 de maio, o blog do poeta e doutor em literautra e professor da UnB, Alexandre Pilati. Vale muito a pena conferir: www.alexandrepilati.com/blog/ . O sítio é de muito bom gosto, bem de acordo com a poesia de Pilati. E para lembrar: ele conversa comigo sobre litaratura na BandNews FM 90,5 Brasília todas às segundas-feiras às 16h51, com reprise às terças, às 11h30.

Rubem Braga*, meu mestre.

Há muito tempo eu não me encontrava com você. E hoje, por um  desses desvios que a vida nos dá de presente como remanso da rotina, abri um de seus livros numa de suas histórias* mais preciosas.

Era um lugar em que o sol da manhã brincava de recortes com jaqueiras, jequitibás e mangueiras, e de uma a outra, em voos largos, outros breves, o bem-te-vi, o sanhaço e o joão-de-barro cumpriam a tarefa da polinização, ameaçada pelo bicho homem e seu desprezo pelas árvores.

Cantavam os pássaros. Creio eu que me contavam sobre você: ah, esses nos conhecia, pelo canto e pelo voo de acordo com o vento. Foi o que supus, não entendo a linguagem deles, essa ciência era seu domínio, um de seus ingredientes para transformar o corriqueiro em magnífico.

Pois sentado com o livro entre as mãos emocionadas, eu parecia aquele sobrinho que ouve o velho tio depois de ter ido correr mundo e voltado sabendo que o mundo é bem diferente daquele que estava nos meus planos. Ao redor havia o vento nas folhagens e a insistência dos pássaros, agora em outro assunto. Lembravam-me que a simplicidade é coroa da beleza, e que esta de nada mais precisa para ser o que é. Advinha nos livros de quem aprendi isso!

Eu tinha doze anos quando fui apresentado a eles. Só mesmo um mestre de muito talento para caputar a cabeça de um garoto para quem a importância da vida não ia além do time de botão, do campeonato de futebol e das primeiras meninas. Hoje, lendo na maturidade suas crônicas – ou será que poemas com outra roupa? -, noto que você é bem melhor do que quando eu tinha certeza de que você era ótimo. É como se eu voltasse pelo mesmo caminho, mas agora reparando na pitangueira que não percebi na ida, ou no casebre distante que me fugiu porque estava olhando para o lado oposto. Acho que a vida se apiedará de mim outras vezes, e me ofertará alguns outros remansos na rotina antes que eu vire sopro no infinito. Aí faço de novo o caminho e conto o que descobri a mais.

* Rubem Braga é considerado o maior cronista brasileiro depois de Machado de Assis. Ele morreu em dezembro de 1990, aos 77 anos.

* A casa dos homens (do livro O verão e as mulheres).

A opressão dos comerciais em tempo de Copa do Mundo.

Tempos atrás, no tuíter, alguém escreveu que ficava enjoado dos grandes eventos antes mesmo de eles começarem. Referia-se a Olimpíadas, Copa do Mundo e outros de porte semelhante que arrastam para nossas casas a massificação impiedosa da publicidade dos produtos que bancam nas TVs a transmissão dessas competições. E o motivo do fastio era esse mesmo, a invasão da vida e do mundo irreais da propaganda, algo elevado a quinta potência quando se está às vésperas de um campoenato mundial de seleções.

Quando eu era mais jovem, as semanas que antecediam uma Copa do Mundo, por exemplo, eram de excitação plena por tudo que envolvesse a disputa, inclusive os anúncios no rádio e na TV. Hoje, também provavelmente por causa da cacetice da idade adulta, mas ainda pela possibilidade da propaganda ser mais agressiva e incisiva, antes que comecem, esses mega eventos já enchem as bacias da minha paciência.

O que me satura não é somente o excesso de anúncios com o viés da Copa – de bala juquinha a viagens à lua, se existissem – mas o conteúdo desses comerciais. Além dos cada dia mais banais e sem graça anúncios em que os argentinos são ridicularizados, há os que me fazem pensar se o país em que vivo é o mesmo da OI, do Itaú e da Visa.

Reparem como são felizes e estão sempre satisfeitas as caras que aparecem falando ao celular, abrindo uma conta ou pagando outra no restaurante. O mundo dos comerciais é um mundo de igualdade econômica, social e racial (embora neles quase não apareçam negros) e de cidades limpas que abrigam uma sociedade justa, bem resolvida no quesito oportunidades para todos.

É claro que o publicitário está fazendo o trabalho dele, não me perguntem como ele venderia celular ou cartão de crédito mostrando fiéis imagens de miséria e degradação. Mas é de se pensar – e isso é o nervo da minha saturação – quanto dessa miséria e dessa degradação não tem a ajuda dos conglomerados bancários, de telefonia e cartões de crédito que te convidam ao mundo fácil e escorregadio da ilusão. Reflitamos se a fiolosofia do lucro a todo custo, que sangra nossa carne de correntistas e clientes, é por acaso condizente com as belas imagens de gente feliz vestindo a camisa verde e amarela no intervalo da Jornal Nacional. Qual o empenho dessas empresas para tornar factível aquele país perfeito de luz e som construído pelas agências de propaganda que elas contratam?

Basta lembrar que esta semana, com a notícia da tentativa de extorsão sofrida pelo vice-presidente José Alencar, verificou-se mais uma vez que as operadoras de celular nada fazem para bloquear o sinal dos aparelhos em áreas de presídios, de onde geralmente partem as ligações. É porque nesse caso elas teriam que investir em bloqueadores, o que custa dinheiro, e o que custa dinheiro diminui o lucro, e aí o mundo delas não fica tão bacana assim como nos comerciais da Copa.

No placar, Ganância 3 X 0 Responsabilidade Social.

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