Morreu Ernesto Silva

Morreu hoje, às 13h15, o médico Ernesto Silva, pioneiro de Brasília e um dos homens mais importantes da história da cidade, não apenas no que se refere à construção, mas também à sua história e preservação arquitetônica.

Estava com 95 anos e doente há alguns meses. Morreu de falência múltipla dos órgãos. Não verá completar meio século a terra que ajudou a levantar. Pela defesa aguerrida de Brasília como patrimônio da humanidade e da área verde da capital do país, principal riqueza da cidade, o blog presta sua homenagem.

Morreu Ernesto Silva.

E agora, como ficará o jardim em frente ao bloco?

Quem vai proteger a área verde lá da quadra?

Quem vai impedir que o parquinho das crianças vire estacionamento?

Meu Deus!

Quem vai nos defender da Via Engenharia?

Da PaulOOctávio?

A pobreza dos textos do radiojornalismo brasileiro 2.

Aprendi na pouca teoria sobre jornalismo que li em minha vida que a imprensa é o canal entre o estado (governo) e a sociedade. Cabe ao jornalista traduzir para esse estado (governo) os anseios da sociedade, e voltar trazendo de maneira interpretada os (des)mandos dos palácios. Ir e vir, tornando claro o entendimento para cada parte.

Pelo menos em relação à linguagem não é isso que está acontecendo. Não no radiojornalismo.

Os textos de repórteres e redatores estão sufocados pelo “oficialismo” vazio das autoridades, que usam e abusam da linguagem emproada. Usam a espuma dos discursos prolixos para esconder que não conhecem nada do que estão falando. Enchendo os ouvidos da sociedade com palavras de efeito e termos técnicos, disfarçam que o secretário de saúde nada entende de hospitais, o de educação de escolas, e por aí vai. E nós caímos feito patos nessa esparrela. Essa ignorância que deveria ficar nua nos textos das emissoras de rádio, ao contrário, fica muito bem vestidinha com um modelito de falsa competência, porque não conseguimos traduzir e desmascarar o que eles falam para a linguagem do homem, da mulher comum.

Mais uma vez não vou me estender nos exemplos. Eles dariam um blog inteiro. Falarei de apenas dois.

Vejamos a palavra demanda, vocábulo básico do universo economês. Não deveria, mas atravessou as fronteiras desse mundo inalcançável pela maioria dos mortais e hoje é de emprego corriqueiro em situações que passam longe dos assuntos de economia. Não existem mais vontade, necessidade e procura. Todas elas são substituídas pela chique demanda, mesmo que seu significado não se encaixe exatamente no que se quer dizer ou escrever. O que importa é “tascar” uma demanda no meio do texto para ficar bonito, importante. Afinal, a autoridade, aquele homem tão bem vestido falou “que a demanda isso, que a demanda aquilo”. Sem pensar no que realmente significa demanda, sem criatividade para achar alternativa que deixe clara a informação para o ouvinte, o repórter ou o redator entram no ar, gravam a reportagem sem terem cumprido plenamente seu papel de ponte entre estado e sociedade.

Unidade é outra palavra a qual o linguajar técnico atribui um significado maior do que aquele que ela possui originalmente. Unidade, nos relatórios embolorados dos gabinetes, quer dizer escola, hospital ou posto de saúde, delegacia e outros lugares sustentados com nossos impostos. A designação parece que se libertou do mofo da burocracia e ganhou as ondas do rádio. É cada vez mais comum ouvirmos sobre a inauguração de tal unidade de saúde ou então que tantos alunos vão estudar em tal unidade escolar. Há pouco tempo, em uma das rádios de notícias do país, em um boletim de míseros quarenta segundos a repórter falou a palavra unidade três vezes ao se referir a um desses locais.

Sou do tempo em que escrever hospital e escola era bem mais fácil.

E mais piedoso com os ouvidos da audiência.

A pobreza dos textos do radiojornalismo brasileiro.

Obrigado, por força do ofício, a ouvir diariamente as chamadas emissoras de rádio all news, constato há muito tempo que o texto de redatores e repórteres é um convite a que ponhamos nos ouvidos os fones de nossos MP3. Ou mesmo que optemos pelo silêncio da alienação.

Eu poderia partir de vários pontos para começar esse post abordando a baixíssima qualidade do que é escrito no rádio no Brasil, especialmente no jornalismo de rádio, que é a minha parte nesse latifúndio. Penso que o assunto é merecedor de um blog inteiro, com atualização diária devido à grande quantidade de defeitos do que se ouve nas emissoras, e que não se encerra em uma única postagem. Para ser mais realista, precisa-se mesmo é de uma urgente discussão envolvendo quem está fazendo rádio e quem está ensinando e aprendendo radiojornalismo.

Nesse caminho pedregoso e espinhento, vou me ater aos dois aspectos que me parecem mais graves: a falta de vocabulário e o predomínio da linguagem e dos termos oficiais no que se escreve, e consequentemente no que se ouve.

Tomo o verbo afirmar como exemplo da aridez vocabular nas ondas do rádio.

Em um idioma com cerca de 30 mil verbos, nos textos de radiojornalismo todo mundo afirma alguma coisa no país e no mundo. Só afirma. Nenhuma autoridade, artista, jogador de futebol, qualquer um que dê a mais banal das declarações aos jornalistas de rádio diz, fala, conta, informa, garante, assegura, lembra, alerta, adverte, rebate, insiste, argumenta, pondera. Todos, nos textos de repórteres e redatores, só afirmam, sempre afirmam, numa irritante demonstração do quão está limitado o universo de verbos dos nossos profissionais. Afirmar, que é verbo forte e por isso deve ser preservado, é usado em frases que não o exigem, que ficariam melhores com verbos mais fracos. Se o posto de saúde mudou o horário de funcionamento, prepare-se para ouvir que a diretora do posto afirmou que o posto mudou de horário, quando o que ela na realidade fez foi informar a mudança. Informar é verbo mais humilde, corriqueiro, perfeito para uma situação quotidiana de um noticiário. Mas no lugar dele vulgariza-se o afirmar, saturando a paciência do ouvinte.

Na esteira de afirmar, seguem outros exemplos, até mesmo fora do clube dos verbos. A expressão por conta substitui invariavelmente suas primas por causa ou por que. Nenhuma rua mais enche por causa do temporal ou por que choveu muito. É sempre por conta do temporal. Nos textos de radiojornalismo, toda pessoa que seja notícia sempre vai fazer isso ou aquilo, chegar a esse ou àquele lugar na manhã de hoje, na tarde de amanhã, na noite de segunda, quando, na verdade, as pessoas, incluindo os jornalistas, vão ao cinema hoje à tarde, vão jantar fora amanhã à noite ou jogaram futebol ontem de manhã.

 

Os profissionais de rádio estão se esquecendo de que o meio pede que falemos da maneira que falamos em nosso dia-a-dia, obviamente resguardando o ouvinte das gírias e expressões incorretas. Sem se darem conta disso, banem de seus textos elementos fundamentais ao uso diário de nossa língua. O Presidente nunca acredita que o país vai superar a crise, mas sempre diz acreditar que o país vai superar a crise. O jogador nunca diz que está confiante na vitória. É sempre diz estar confiante. O que faz parte de nossa vida, nossa língua, é apoio até mesmo da elegância do texto, e não pode ser dispensado sempre. O uso indiscriminado do verbo no infinitivo é tão aborrecido quanto o “queísmo” , tão corretamente combatido anos atrás dentro das redações.

Amanhã falo sobre como a linguagem embromada das autoridades está ganhando de goleada da clareza do texto jornalístico.

A liberdade é amarela e conversível sorteado em O Bule.

Meu quarto livro de contos, A liberdade é amarela e conversível, lançado ano passado pela Coleção Rocinante, da 7Letras, está sendo sorteado no blog O BULE.

O BULE é um blog bem interessante, que entrou no ar no primeiro dia do ano. Traz resenhas, críticas e sempre textos interessantes, como contos e crônicas.

Destaco a apresentação da página. Belíssima.

Tem gente boa participando, entre as quais o escritor Geraldo Lima, que recentemente lançou o romance UM, pela editora LGE.

Quem quiser participar do sorteio do meu livro, é só acessar http://o-bule.blogspot.com/ , e aproveitar para conhecer o bom conteúdo do blog.

E eu que nunca li J.D Salinger.

Pois é, para você ver.

Vasculhando fichários empoeirados da mente, descobri que esse vácuo de minha vida de leitor pode ter a ver com a faculdade de Comunicação Social.

É que na década de 80, a exemplo do que já fazia há mais de trinta anos nos Estados Unidos, O apanhador no campo de centeio norteava as cabeças de uma penca de jovens no Brasil, ainda mais se fossem estudantes de comunicação, e principalmente dos que queriam ser jornalistas. Nos anos 80, alguns estudantes de jornalismo ainda pensavam em chegar às redações para mudar o mundo, derrubar governos. Serviço Público era somente o destino de conformados burocratas sem talento, e na faculdade nimguém achava que o curso serviria de trilha para se entrar no Big Brother, até porque, à época, nada existia de tão grotesco.

Lembro-me de um professor universitário dizer que a obra máxima de Salinger estava para os pretensos comunicólogos assim como O Pequeno Príncipe estava para as misses nos anos 50. E parecia mesmo. O livro morava nas bolsas de couro de um povo que se odiava por não ter vivido nos anos 70. Estava também na cabeceira de tipos convictos de serem intelectuais de uma resistência que só existia na cabeça deles.

Olhando para trás, no tempo, chego à conclusão de que foi isso que me privou de Salinger. E como parte de minha responsabilidade, a irresistível tendência em ser do contra.

Na verdade, é bem normal que ao longo da vida não consigamos ler todos os mais importantes livros da história. O problema é que quando um grande autor morre, fica um sentimento de culpa, um complexo de ser desconectado se nada dele conhecemos.

Bem tarde devorei Cem anos de Solidão, em êxtase.

Bem mais tarde do que deveria, parei de fumar.

Semana passada, em O Globo, o colunista José Castello disse que até hoje Salinger lhe provoca assombro.

Pois sempre é tempo de se assombrar.

E de ser rebelde.

Pai moderno, filho antigo.

Quando viu, a pequena de dois anos estava mexendo no aparelho, querendo pendurá-lo pelo fio do headphone. O coração veio-lhe à boca. 120 GB, dez prestações, e ainda estava na terceira.

-Filha! Larga o Ipod do papai!

Levantou num salto da poltrona, mas logo deu-se conta de que movimentos bruscos assustam as crianças, da mesma forma que espantam os peixes. Assustadas, podem deixar cair o que seguram. Há casos em que jogam na parede o que têm às mãos. São mesmo terroristas imprevisíveis que acendem o pavio da dinamite ou puxam o detonador da granada ao se sentirem ameaçados. Todo cuidado com essas coisinhas patuscas.

Então, cuidou em se aproximar devagar, amansando a voz. Imagina só, um arquivo já com dez mil músicas! E se aquilo quebra? A grana, o trabalhão de baixar tudo de novo.

Tocou mansamente sua “peixinha”, sussurou para sua linda Bin Laden.

-Filha, dá o Ipod do papai, dá? Toma o porquinho rosa…

Ela se convenceu da troca, afinal o tody era molinho, coloridinho. Aquele negócio que o papai botava no bolso, que tinha uns fios que ele enfiava no ouvido, era duro, cinza, sem graça.

Enquanto ela sumia pelo corredor, ele voltou à poltrona. Ficou olhando as capas dos CDs reproduzidas na tela do aparelhinho. Tinha mais de quarenta, nascera no vinil, migrara para o CD. Agora, baixava músicas para não ser dinossauro, para que a garotada de vinte e poucos pelo menos não risse tanto dele, que não lhe devotasse tanto o sarcasmo reservado aos tios.

Ipod, papai. No eco de sua cabeça, aquelas duas palavras não combinavam. Era de um tempo em que pai tinha chinelo, óculos, caneco de chope, caneta parker, relógio mondaine, rádio philco pro futebol. Pai não tinha Ipod quando ele era criança.

E aí veio um aperto no peito, uma lágrima nascendo lá por trás do olho. Pela janela, no fundo da noite lá do infinito, viu o pai dizendo num sorriso “é a vida, é a vida”.

Aki naum

A internet não mudou apenas a vida de cada um de nós. Tem mudado também a escrita. Ou esculhambando-a, dependendo do ponto de vista.

No já envelhecido twitter, aqui virou aki. Antes que os “twiteiros” se arvorem na defesa de que um K ocupa menos espaço do que um Q e um U juntos, algo importante nos espremidos 140 caracteres, lembro do não, palavra que o ser humano mais ouve na vida desde que nasce. Muitas vezes ele aparece escrito naum, destacando o som que o til empresta ao A e ao O quando estes estão juntos. A justificativa da economia de espaço cai por terra.

Esses dias li o protesto de uma “twiteira”. Indignada com o editorial de determinado jornalista, ela pedia ao fulano  “nos polpe de suas opiniões”. O que se escreve na internet, e em particular no twitter, pode ter dois aspectos. O primeiro é que se escreve errado pela necessidade momentânea de se economizar espaço ou mesmo pela pressa em se digitar logo a mensagem. É ruim, só que menos grave do que o segundo: escrevem errado, pois acham que aki e naum são as formas corretas.

Aqui em Brasília é normal as pessoas falarem que vão “ao Goiás” ou “vieram do Goiás”. Com o tempo, é previsível que a forma errada  de falar substitua mesmo o “ir a Goiás” ou o “vieram de Goiás”, da mesma maneira que vossa mercê tornou-se a avó anacrônica de você.

E é aí que bate o medo de que as mudanças impostas à língua pela própria capacidade que ela tem de se transformar na boca do povo – algo bem saudável, diga-se de passagem – sejam conduzidas pelos equívocos dos que não sabem escrever, e que muitas vezes usam as máscaras das acomodações da escrita à internet.

Não defendo “menos internet”.

Defendo mais leitura.

Dos livros, é claro.

Homenagem a Ariosto Teixeira

O poeta e jornalista Ariosto Teixeira foi homenageado nesta terça-feira à noite em Brasília. O grupo de leitura do qual ele participava se reuniu para a homenagem ao amigo, lendo, é claro, poemas de Ariosto.

Ele morreu no último sábado, depois de muita luta contra a hepatite C.

Não conheci esse gaúcho que partiu para a verdadeira vida aos 56 anos. Soube, pela nota de um jornal, que, como meu colega de profissão, trabalhou em grandes publicações.

Também não conhecia a obra poética de Ariosto. A ela fui apresentado pelo blog de outro poeta, Alexandre Marino. Copiei da página do Marino e aqui reproduzo o poema abaixo, que me pegou pelo pé, que me deu um soco no estômago, ao mesmo tempo em que me consolou ao mostrar que não sou o único que entra em desespero de vez em quando

Não é apenas belo. É também um rosário de sentimentos de todos nós oprimidos por esse diacho chamado vida moderna.

Curtam a poesia de Ariosto Teixeira.

O niilista medroso

Ariosto Teixeira

Às vezes você se pergunta
Olhando o rosto no espelho
Se o reflexo é verdadeiro
Ou se a verdade é o corpo
Parado no meio do banheiro

Você acha que sabe bem o que é
Você acha que sabe bem o que quer
Você acha que sabe quem você é

Mas você sente medo
Medo de não ser você no espelho
Medo de ser mero reflexo
Do outro que consigo parece

Você não tem medo de sexo
Você gosta de sexo
Você sonha com sexo
Você procura fazer muito sexo

Sexo à distância
Sem beijo sem fluido
Higiênico e sem lirismo
Seguro como sexo com prostituta
Você de frente ela de costas
Ela por cima de costas
Você por baixo de costas deitado

É que você tem medo
Do ataque de um vírus complexo
Medo de gravidez
Medo de se apaixonar irremediavelmente
Medo de perder o controle
Medo de assumir o controle
Medo de que tudo enfim faça nexo

Você acende e apaga o cigarro
Com medo de pegar câncer de pulmão
Medo de apagar a luz
Medo de acender a luz
Medo de desligar o alarme
Medo de abrir o portão
Medo de ladrão policial pivete
Medo de colisão
De atropelamento
De ataque do coração

Medo de padre
Da certeza cristã absoluta
Da democracia liberal
Da esquerda latina
Medo da nova direita francesa
Medo do presidente americano
Medo da falta de medo do terrorista muçulmano
Medo de ser fragmentado por um raio da Al Qaeda

Medo da China capitalista
De milho transgênico
De buraco negro
De carne vermelha
Medo da falta de limite da física quântica
Do aquecimento global
Da inteligência artificial
De velocidade acima do permitido
De remédio de quinta geração
Da globalização
Do fim da globalização
Da falta de sentido

Medo de que Deus provavelmente não exista
De não haver outra vida
Você tem medo de ficar sozinho
Sem ninguém nem final feliz

Ah mas você confia no amor
O terno e doce amor
Do homem pela mulher
Do homem por outro homem
Da mulher por outra mulher
Do homem pelos animais
Da humanidade pela natureza
Você confia no amor das criancinhas

Você pensa nessas coisas
E por um instante
Acha que nada está perdido
Que o amor salvará o mundo
O amor romântico como no cinema
Como em um soneto de Shakespeare
Apesar da podridão no reino terrestre
Mas quanto tempo dura o amor
Antes de se dissolver em tédio
15 minutos uma tarde inteira uma noitada?

Você odeia sentir isso assim tão sentimentalmente
Mas é impossível ser de outro modo
É preciso agarrar-se a algo
Não ter medo de que o vazio
Tenha se espalhado em todos os quadrantes

O fato indiscutível é que você tem medo
Medo muito medo
De ficar vivo durante o inverno nuclear

Você principalmente tem medo
Do que um dia vai fazer
Quando ao anoitecer
O seu rosto tiver desaparecido do espelho do banheiro

Preconceito às avessas.

Desde que a televisão mostrou o governador pegando dinheiro de propina e o deputado enfiando grana na meia, que Zedias anda com umas idéias estranhas.

Passou a achar esquisito tanto rico na cidade.

Acha estranho que não haja um fim-de-semana em que não veja uma Ferrari desfilando pelo parque que fica na beira do lago, onde leva as três filhas no Fiat que ainda está pagando.

Não é raro cruzar com um Porsche estalando de novo, cortando a cidade com aquele barulho fantástico de motor. Fantástico e caro.

Zedias olha espantado as casas. “As pessoas devem se perder aí por dentro com tantos quartos e tantas salas”, ele pensa e sobe as escadas do prédio em que mora.

“Aqui não tem indústria, nada se produz que justifique tanto luxo”, e Zedias anda mesmo encafifado.

Tem dito aos mais chegados que desenvolveu uma espécie de preconceito ao contrário, contra rico.

“Pois é, vejo um bacana com carro de luxo importado, entrando numa mansão, já acho logo que roubou dinheiro público, que meteu a mão na grana da escola, do hospital.”

As pessoas olham Zedias de viés, uns sorrindo, outros franzindo a testa. Os amigos são condescendentes. Ora, os ricos parecem pessoas ilibadas, dignas, íntegras. É difícil acreditar que aquele gordo senhor entalado em colarinhos, sempre tão simpático nos jornais, que aquela senhora sempre promovendo chás de caridade metam a mão no erário, participem de esquemas.

“Ô Zé, tem gente que ganhou dinheiro honestamente, que compra carrão por que fatura alto, que construiu mansão por que soube guardar”.

“Pode ser, pode ser”, Zedias anda mesmo cético, descrente, não entende porque a sociedade não defende do mesmo jeito o negro pobre e de bermuda que cruza a rua de belas casas e desperta olhares de suspeita, de desconfiança.

“Ando sentindo umas vontades de gritar toda vez que um carrão para do meu lado no sinal. Dá vontade de berrar polícia, pega ladrão, roubou o meu dinheiro, o da criança pobre, o do velhinho doente!” e Zedias confessa meio a sério, meio brincando.

Até agora tem se controlado.

Até agora.

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