8 de Janeiro: cicatriz dos atos golpistas ameaça Esplanada como espaço democrático

Manifestantes fazem ato contra governo no dia 8 de janeiro 2023

Um ano depois dos ataques aos Três Poderes, segurança reforçada esvazia tradicional ponto de manifestações no Distrito Federal.

Foto: Joédson Alves / Agência Brasil

Matéria minha para o Projeto #Colabora

O repórter fotográfico Jefferson Rudy com sua foto do Senado depredado

Resenha: Mário Baggio escreve sobre As Filhas Moravam com Ele

Além de denso e profundo, André Giusti é um escritor que escreve com ternura.

Isso é o que primeiro salta aos olhos no contato com sua prosa.

A compaixão que ele sente pelos personagens que cria sai das páginas dos 20 contos desta coletânea e gruda no coração e na mente do leitor.

Nas histórias são narrados fragmentos da vida comezinha que, sob a pena de Giusti, ganham uma luminosidade fora do comum. Transformam-se em acontecimentos extraordinários, como uma visita a uma adega do bairro para comprar uma garrafa de vinho, que se converte numa raivosa luta de classes. Ou como a conquista do tetracampeonato na Copa do Mundo de 1994, que reaviva um casamento à beira do rompimento. Ou ainda como o número de telefone fixo da casa da família, que, ao ser desligado por obsolescência, reacende velhas e dolorosas memórias.

Mas não há só ternura nas histórias de “As filhas moravam com ele”: há poesia também. O lirismo das narrativas chega a doer, tão verdadeiro é, tão espontâneo é, tão sincero é. Esta coletânea vem se juntar a “A maturidade angustiada” e a “Voando pela noite”, exemplos anteriores da prosa de Giusti que tive o prazer de ler, comprovando que escrever uma boa história com o coração é o caminho certeiro para chegar à mente do leitor — e ali ficar.”

Esse foi o texto que escrevi há algum tempo sobre “As filhas moravam com ele”, quando o livro ainda era um arquivo em Word. Agora, terminada a leitura da bela edição em papel da Caos & Letras, minha impressão não só permaneceu como se renovou. É um grande livro de contos, seja pela qualidade das histórias, seja pela humanidade com que são contadas.

No conto que dá título ao volume, lê-se: “São suas filhas, moram com ele, e ele, quando chega em casa, não encontra solidão. A chuva chega com força e o cheiro da terra molhada invade a sala. O vento forte sacode a copa da mangueira. É uma fúria aparente, pois na verdade apenas confirma que ele é feliz e que aquela é uma casa simples e em paz.” Um parágrafo aparentemente banal, comezinho, mas que alcança grandiosidade quando o leitor chega ao surpreendente desfecho.

“A felicidade dolorida do perfume de loção (ou Maria Paula não saberá)” é outro exemplo da poderosa escrita de Giusti: um perfume, que uma menina de 2 anos não esquecerá jamais, esconde um segredo brutal. Um conto curto, direto, que dialoga sem rodeios com a sensibilidade do leitor.

André Giusti, além do lirismo de sua prosa, também faz uso da ironia e do humor, como se lê em “12 de março de 2022” (um encontro de amigos de longa data) e em “Noite de premiação” (aqui, a necessidade de manter as aparências e a civilidade dá um gosto amargo à ironia tão bem descrita pelo autor).

“Esplanada dos ministérios”, “Silvério”, “A moça do jaleco branco”, “Mariana em trinta metros”, “O maestro e o matador” são outros contos que merecem menção e exibem a habilidade de André Giusti de colocar holofotes sobre o banal, transformando-o em produto para reflexão.

Nesse sentido, elejo “Bairro Anatole” como o grande destaque dessa coletânea. Uma construtora vai iniciar uma demolição e uma coisa assim nunca acontece impunemente (o que vai ser derrubado sempre tem significado para alguém). Lê-se: “Há muito não tenho mais o que perder neste mundo. A taberna é parte do meu amor por Helena, o sentimento mais bonito e puro que cultivei. O lugar assim, abandonado, uma parte em destroço, é como o que restou de minha vida. Se querem destruí-lo de vez, eu vou junto. Eu e minha história, que é um paralelo dessas ruínas.”

Costumo mencionar Caio Fernando Abreu e Eric Nepomuceno como autores que me falam diretamente ao coração. Incluo agora André Giusti na lista.

As Filhas Moravam com Ele” é uma coletânea de contos recomendadíssima.

Mário Baggio

Poemas de separação, divórcio & afins

Os dias em que você começou a ir embora

Você não é essa que saiu porta afora
anteontem
levando em sacolas roupas sapatos escovas
o passado feliz
o presente morto
e o futuro sem rosto.
Você é aquela cujo sorriso
era lua cheia dobrando noite de tempestade,
era sol transformando quartos escuros em câmaras de luz.
E essa foi se mudando daqui
em pedaços
e um pouco a cada dia
ao longo dos últimos anos.

Eu percebia e te avisava
que você estava indo,
mas você não ouvia,
não se dava conta de que a toda hora
você partia
e deixava a porta aberta
para que sempre um pouco de você
fosse embora todos os dias.
Anteontem, amor, você já havia
saído de casa há muito tempo.

Do livro Os Filmes em que Morremos de Amor

Quadrinha doída, doída…

Andava de um lado pra outro,
na casa quase vazia:
não era só o que restara dos móveis,
mas o que lhe sobrara da própria vida.

Do livro De Tanto Bater com o Osso, a Dor Vira Anestesia

O homem no fundo do calendário

Há dez anos
eu e elas
na mesa posta
na mesa tirada
a louça suja
a louça limpa
brinquedos espalhados
em noites de pizza
de branca de neve
cinderela
rapunzel
discovery kids,
e sempre
camisas na lavanderia
calças no cabide,
e em todos os dias
lençóis esticados
camas prontas
para sono profundo
de consciência em paz
e dever cumprido.

Há dez anos
parece que foi em outra vida
e ao mesmo tempo
é como se houvesse
sido ontem.
Às vezes
e ainda
a sombra do que fomos
a culpa de que não me dispo
desprezam o que me tornei,
e a felicidade antiga
olha feito morta
por trás de mim no espelho.

Portaria 24h*

Eram 11 e meia da noite
De um sábado sem lua
Quando ele atravessou
A portaria.
Levava na sacola
Três mudas de roupa
Que trouxera na sexta-feira
Para ficar até domingo.
Acenou sem graça
Ao porteiro
Que, quem sabe,
escutou um pouco
do muito que foi dito
Lá em cima.
Sem vontade de ir pra casa
mas sem ideia de pra onde iria,
pensou se veria de novo
Aquele sujeito e o outro,
Que trabalhava durante o dia.

*Poema meu com música de Leonardo Almeida Filho

A Dor das Pequenas Tolices

Quem de nós pagou o último café que tomamos
Quando foi que pela última vez
Pus na torradeira uma fatia de pão
Para você
Qual foi a última garrafa de vinho que abrimos
O último filme no cinema
A última camisa que você viu na vitrine
E achou que me cairia bem.
Vasculho a memória
Das tolices felizes
E paro na frente de alguma loja
Em que esperava na porta
Você experimentar roupas
Que provavelmente não iria comprar.
Então sigo minha tristeza sem rumo
E nenhuma certeza,
Nenhuma além de que se cravou
Em meu peito enorme faca de inox em brasa
Ou lâmina afiada de gelo.

Sem título 1

Nenhum rosto
Me captura
Nenhum sorriso
Me ilumina.
A malícia por trás
da maquiagem
banal
é serpente disfarçada
de pomba branca
e eu sinto falta
da fraternidade
de que tomei conhecimento
quando a vida me apresentou
teus olhos.
Minhas fantasias
Mundanas
Se tornaram estúpidas
Hipóteses sem cabimento.
Não há mais significado
Na liberdade
De ir sozinho a bares.
Tudo tudo é
um absurdo irreal
perdendo o sentido
Despencando em silêncio
No abismo da tua ausência.

Sem título 2

Tomarei coragem
E revisitarei cada bar
E pizzaria
Todos os hotéis
E pousadas.
Escolherei a mesma
Poltrona do cinema
A mesma mesa da cafeteria.
Passarei de volta
Os quilômetros de rodovias
a trilha do cerrado
que levava à cachoeira preferida.
Subirei novamente
As ladeiras de Ouro Preto
Atravessarei Pirenópolis
Da Matriz ao Rosário
pelo mesmo lado da calçada.
Suportarei
A dor dessas visitas
Como quem enfrenta
borrasca sem roupa
longe de abrigo,
correndo amorosamente
o dedo
pelo mapa das cidades
em que fui feliz contigo.
Quem sabe
minha saudade plasme
Na realidade do presente
Teu rosto
Que me olha sorrindo
Desse passado tão vivo.

Carta de Bukowski

Não demora muito
E você encontrará
Um cara bem estabelecido
O tipo de sucesso na vida
Um coroa
De barba cabelos grisalhos
(Que sempre te chamou atenção)
Com uma gorda aposentadoria
De funcionário público
Ações em alta
E lojas alugadas
Que deixem ainda
Mais robusta a renda.
Com quem você
Não precisará dividir
A conta da pizzaria
A diária do hotel.
Um coroa boa pinta
Que possa ir à Bahia
Roma Montevidéu
No dia seguinte,
Se assim você cismar.
Ele terá também um belo sedã
De luxo japonês ou coreano
em que você se sentirá
numa sala de visita.

Um sujeito com
Netos crescidos
Que não deem trabalho aos avós
e, claro,
que muito menos precise
pegar e levar filhos
para cima e para baixo.
Mas principalmente
Para ele estará tudo
Absolutamente tudo
Invariavelmente
Sempre bem.
Ele jamais reclamará
De mau atendimento nas lojas
De pagar quinze pratas
Em dois dedos de expresso
Na cafeteria descolada.
Não perderá a paciência no trânsito
Nem xingará
Quem não der seta para virar.
Sorrirá o tempo todo
Sem um segundo sequer
De humores ácidos
Em dias de limão azedo
Porque entrou
no cheque especial
(ele não imagina
O que é entrar no cheque especial).
Não saberá dizer
O que pensa da fome na África
E por isso não se indignará.
Tolerará o capitalismo
(fazer o quê)
E achará fofa
A esquerdinha gourmet
Com suas feiras orgânicas
E suas cervejas com gosto
De pitanga e toques de laranja.
Você encontrará um dia
Um sujeito desse jeito
Que só traga pra casa
Pra mesa pra cama
o lado bom da vida a dois.
E nesse dia
Todos os poemas
Que escrevi pra você
Lhe Parecerão piadas imbecis.

Dissolução em juízo

A advogada disse
que nosso caso é simples:
não tivemos filhos
não há partilha de bens materiais.
Entre nós,
a dividir,
apenas esse passado
fotografado com poemas,
mesas fartas de domingo
com vinho, Milton e Clube da Esquina,
curvas de serra
enroscando montanhas
e esse presente de mágoas
cancelando o futuro.
Mas disso tudo,
mesmo que
entendesse,
a advogada
não poderia tratar.

Só acho

Acho que algumas coisas realmente não deveriam ser ditas.

Mas não é por isso que não sejam grandes verdades.

Só acho.

CNN

Só acho – Hat-trick

Eu acho que jornalista esportivo que escreve hat-trick nunca jogou uma pelada descalço no asfalto.

Jogava de chuteira de marca famosa, na grama sintética do condomínio e mami’s na torcida com caixinha de primeiros socorros e cuuuuler com gaitoreide geladinho dentro.

Só acho.

Sexta-feira (poema inédito)

Nenhuma mensagem no zap
Nenhuma ligação perdida
Que não tenha sido vista
Muito menos convites,
Prum pé sujo que seja.
O aguaceiro lá fora
Duplica o abandono.
Cá dentro restam
Um vinho
Um bife
Um blues
E esperar
A companhia do sono.

André Giusti

Argumento (poema inédito)

Alguém decidiu
Que não se pode
mais dizer poetisa
e a gente tem que acatar.
Do contrário
a patrulha cai de pau
Em cima
Cancelando.
Pois acho poetisa
Mais bonito do que poeta.
Poetisa pode ser verbo
Na primeira pessoa
Do singular:
Ela poetisa
A minha vida.
André Giusti

Rolar para cima