O uso escuso de Tiradentes e de todos nós

Julio Machado é Joaquim José da Silva Xavier na telona Foto: Imovision / Divulgação
Julio Machado é Joaquim José da Silva Xavier na telona
Foto: Imovision / Divulgação

O diretor Marcelo Gomes explica que para compor o Tiradentes de seu filme Joaquim, utilizou a ficção aliada à pesquisa de registros históricos.

Pois o resultado que conseguiu parece bem próximo ao que realmente deve ter sido o principal nome do mais famoso movimento que tentou separar o Brasil de Portugal.

Joaquim mostra Tiradentes como homem do povo, que em determinado momento dá um basta à usurpação do estado.

Nesse instante, nasce o idealista, que bem intencionado sai pelas Minas Gerais pregando a libertação do país das garras da coroa portuguesa, pensando não apenas em si, mas na melhoria da condição de nossa miséria histórica.

Ficção ou não, o Tiradentes de Marcelo Gomes me pareceu bater com o que historiadores de várias correntes nos apresentam, inclusive quanto às contradições do mártir da independência.

Mas o que me pareceu ainda mais de acordo com a real história do país foi o caráter cínico da Inconfidência Mineira mostrado no filme.

Sem qualquer conexão com o romantismo que os livros de escola impingem à Inconfidência, Marcelo Gomes deixa clara a instrumentalização da ingenuidade de um homem do povo para mobilizar a massa, dobrar o maldito domínio luso e conquistar apenas para uma camada privilegiada seus interesses imediatos e a longo prazo, sem dar a essa massa – não a título de recompensa, mas de justiça – a dignidade com que ela, massa, nunca foi tratada.

Qualquer semelhança com o que aconteceu no Brasil nesses mais de duzentos anos que separam a execução do Alferes dos dias atuais não é mera coincidência.

É só a história do Brasil, crua e real, se repetindo.

Vida breve, marcas longas

https://aguabravarock.wordpress.com/
https://aguabravarock.wordpress.com/

Muitas bandas de Rock’n Roll no Brasil tiveram vida curta, muitas sequer chegaram a gravar um disco inteiro.

Em alguns casos, foi um favor que fizeram ao público.

Em outros, foi de se lamentar a breve existência.

Em minha opinião, é o caso do Água Brava, banda carioca que, pela minha recordação, surgiu ali na mesma época do Barão e do Paralamas.

Nem chegaram, na época, a gravar um LP completo.

Tinha e tenho até hoje um compacto com o principal sucesso do grupo: Pressão, meu hino quando eu tinha 17 anos e era revoltado com diversos aspectos da humanidade, entre eles ser obrigado a estudar química, física e biologia.

A música do Água Brava tinha um acentuado quê setentista, mas já anunciava de alguma forma o que seria feito naqueles decantados anos 80.

Pra mim, trazia influências de O Terço, mas também antecipou um pouco o som que o Barão fez depois que o Cazuza saiu. Não sou crítico musical, escrevo de orelhada, de metido que sou a falar sobre uma das coisas que mais amo: Rock’n Roll.

As letras traziam mensagens contra a repressão e alusivas à guerra fria, bomba atômica, e lendo o noticiário dos últimos dias, bate um medo de que de repente elas estejam voltando a ser atuais.

Cinco anos atrás, a banda, sem o baterista original, já falecido, se reuniu e gravou um CD.
Há muito tempo não comprava CD, e embora o disco esteja no spotify, resolvi comprar, direto com o próprio guitarrista, Daniel Cheese.

É sempre legal comprovar depois de tanto tempo que as coisas que você achava boas aos 15 anos eram realmente boas, a ponto de você ouvir com satisfação às portas dos 50.

Valeu, Água Brava! Vida breve, marcas longas.

Tony, Fátima e os arranhões de imagem da carne fraca

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É de se supor, com uma boa margem de convicção, que Tony Ramos jamais imaginou que o frigorífico do qual foi garoto propaganda enfiava pela nossa goela abaixo papelão e outras impropriedades de digestão difícil.

O tempo e a própria conduta nas vidas pessoal e profissional do ator vão se encarregar de desfazer qualquer mal estar inicial, mas é inegável que fica ao menos um leve arranhão de imagem nesses primeiros momentos pós revelação do escândalo.

É o mesmo caso de Fátima Bernardes.

Pelo que me recordo, Faustão fez propaganda de um carro chinês que começava a dar defeito logo que o comprador dobrava a esquina da concessionária.

Cidinha Campos, deputada e famosa radialista no Rio, posou na TV falando das maravilhas de um condomínio no litoral, cujas casas, pelo que também lembro, nunca foram entregues.

Baita prejuízo de imagem, que nos dois casos até acabou diluído por causa das asneiras que ele fala semanalmente na TV, e por causa da conduta política dela na eleição para prefeito no ano passado ao apoiar a candidatura de um sujeito que batia na mulher.

Definitivamente situações diferentes de Tony Ramos e Fátima Bernardes.

Anunciar bife da Friboi ou presunto da Seara deve melhorar consideravelmente as finanças no fim do mês, mas o absurdo revelado pela operação da Polícia Federal deve servir de alerta para quem tem imagem (boa) a zelar, porque a cada dia que passa, infelizmente, a desconfiança sobre tudo e todos deve ser usada como precaução inicial nesse país.

Pegue sua mulher e vá pra casa

Beto Barata/PR
Beto Barata/PR

Lamentáveis as declarações do presidente Michel Temer por ocasião do Dia Internacional da Mulher. Se tivesse ficado calado, como se houvesse ignorado a data, teria lucrado mais.

Com os modos polidos com que costuma falar, Michel Temer reservou à mulher o único papel que a ela cabe no universo no qual certamente o presidente foi criado. Universo este que é o mesmo de quem o sustenta politicamente e de quem fez de tudo para que saísse quem estava antes no lugar que ele ocupa agora.

O que se poderia esperar de um Presidente da República no Dia Internacional da Mulher em pleno século 21, num país de tantas (ainda) desigualdades de gênero? Que ao menos se esforçasse para condenar a violência contra as mulheres, que falasse, mesmo que rapidamente, sobre as diferenças salariais, por exemplo.

Nenhuma letra sobre nada do que é realmente significativo quando o assunto é a mulher na sociedade atual.

Pra piorar, mandaram a primeira dama balbuciar também algumas palavras. Chegou a falar de realidade e intolerância, conforme deve ter sido ensaiado, mas daquela maneira bem insossa, que lhe é peculiar. Mas é compreensível. A cada mil países no mundo, dois no máximo devem ter uma primeira dama feito Michelle Obama.

Quando li o discurso presidencial, citei mentalmente Renato Russo: “Voltamos a viver como há dez anos atrás…”, mas de imediato me lembrei que dez anos atrás tínhamos um país pujante, como minha geração, nascida na ditadura militar, jamais viu.

Na verdade, voltamos a viver como 50 anos atrás.

Presidente, com todo respeito, pegue sua esposa e volte pra sua casa, para que o país possa primeiro retornar ao século 21 e depois tentar caminhar em direção ao futuro.

A dor que poderia ser de qualquer um

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Há muitos anos eu não chorava no cinema, acho que desde O Filho da Noiva, há quase 15 anos.

E ontem voltei a chorar. Chorar copiosamente, e por muito esforço não solucei.

E chorei porque o filme te faz sentir, quase que na carne e como se fosse tua, a dor do personagem.

Chorei porque o filme não dá lição piegas de superação e nem receitas encantadas para tal, mas porque mostra que não superar uma situação é sim, tantas e tantas vezes, algo muito normal e extremamente humano, que não nos faz pior do que ninguém.

E antes que eu me esqueça, independentemente de eu não ter visto os outros candidatos, Casey Aflleck deve realmente ter merecido o Oscar de melhor ator.

E porque é carnaval…

Informal e Ilegível
Informal e Ilegível

– Você é carioca, né?
– É, sou…
– Gosta de samba, óbvio…
– Não, não gosto…
– Ué, ruim da cabeça, doente do pé?
– É, talvez, a primeira opção, principalmente…
– Aha ha ha!
– …he he he…
– Mas de carnaval você gosta, claro!
– Também não, nem um pouco…
– Mas carioca que não gosta de carnaval??????
– Pra você ver, né?
– Mas alguma escola de coração você tem…pra qual você torce?
– Pra todas…
– Pra todas???????
– É, pra todas deixarem de existir…
– …
– …
– Então, tá. Tchau.
– Valeu.

A ganância explicada pelo cinema

Eu, Daniel Blake

É provável que quem não viu não consiga mais assistir a Eu, Daniel Blake, Palma de Ouro em Cannes, em 2016. Até semana passada ele andou em um ou outro cinema escondido aqui ou ali. Hoje procurei na programação aqui em Brasília, mas já não encontrei.

É pouco provável também que o NetFlix vá exibir. Em todo o caso, vamos torcer para que algum distraído funcionário da programação do canal não perceba que o filme é uma porrada no sistema no qual o NetFlix tá grudadinho.

A história se passa na Inglaterra e é sobre dois desempregados: um viúvo e uma mãe solteira, com dois filhos. Não pensem em filme de amor, porque de cor de rosa não há nada.

Eu, Daniel Blake mostra na tela a crueldade com que o mercado financeiro age na Europa. Em outras palavras, é a versão “quer que eu desenhe?” do que os banqueiros impuseram, nos últimos anos, aos trabalhadores do velho mundo via governos liberais e servos do mercado.

Te é familiar essa situação? Pois é, nada de diferente do que sempre fizeram no terceiro mundo.

Em nome das tais contas públicas, a burocracia estúpida do estado mata os mais necessitados a mando do mercado financeiro.

No caso do filme, mata ou manda para a prostituição.

Porque o importante é o lucro dos bancos, batizado pelos noticiários de equilíbrio fiscal.

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