Dica – Todos Nós Estaremos Bem, de Sérgio Tavares

Lead, em jornalismo, significa o primeiro parágrafo de uma matéria corriqueira, do dia a dia, e que traz a informação principal do assunto.

Pois bem, abrirei essa pequena e humilde resenha com o lead: o livro de Sérgio Tavares é denso, pesado e de difícil digestão.

Não pelo texto, objetivo e direto, mas pelas desventuras dos personagens, um casal e sua filha (e, aqui, já abro um parêntese; o romance machucou, e muito, meu coração de pai. Prepare-se se este é o seu caso)

A ditadura militar, ou o tempo subsequente em que o país retomou a democracia, é pano de fundo de Todos Nós Estaremos Bem. Outras resenhas sobre a obra destacam esse aspecto, mas há um outro, em minha opinião, que permeia o livro e carrega tanto peso quanto os anos de chumbo (sempre importantes de serem lembrados, para que não sejam revividos).

Esse outro assunto é a AIDS.

Enxerguei na história uma possibilidade de alerta para os jovens de hoje, que não viveram o terror da epidemia do vírus nas décadas de oitenta e noventa, e muitos deles sustentam o discurso fácil de que o tratamento e os remédios fazem com que a vida de um portador do vírus atualmente seja normal.

Isso é falácia. Poucos anos atrás entrevistei portadores do vírus e eles foram categóricos: embora não se morra mais em consequência da AIDS, a vida com ela não é normal; há efeitos colaterais no organismo, além do preconceito e do estigma que pesam sobre o portador, abalando seu lado emocional e suas relações sociais.

Nem sei se foi a intenção do autor, mas revivendo o cenário de sofrimento e dor em que a síndrome enquadrava quem contraía o vírus trinta, quarenta anos atrás, o livro usa o passado para jogar luz sobre o assunto no presente.

Vinte anos esta noite – Duas décadas longe do cigarro

Minha filha mais velha tinha seis meses quando tomei, provavelmente, a decisão mais acertada e sensata de minha existência.

Eram quatro horas da tarde de uma sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004.

Tomei uma xícara de café e acendi um cigarro. Fumei-o com prazer e gosto, e em seguida disse para mim mesmo: este é o último.

A vontade de ver Maria Beatriz crescer me fez largar um vício de vinte anos (um maço por dia). Não sei se naquela sexta-feira longínqua eu não houvesse tomado essa decisão eu estaria aqui escrevendo.

Foram dois meses difíceis; o primeiro, subindo pelas paredes. Minha força de vontade era posta a prova a cada café da manhã; a cada xícara de café ao longo do dia; a cada taça de vinho; a cada cerveja. Não deixei de tomar nada disso, eu precisava me acostumar com a vida sem cigarro e manter todos os prazeres que ela me dava, só que agora, sem fumar. Tinha medo de suspendê-los temporariamente e, quando voltasse, não resistir a uma crise de abstinência.

Cada pessoa é uma pessoa, mas quando eu sentia vontade de acender um, eu mastigava cravo e bebia água, mais do que sempre bebi. A cada meia hora era uma ida ao banheiro.

Valeu a pena. Ano passado, após teste de esforço, o cardiologista me disse que minha condição física está acima da média da minha idade – 56 em maio, e me permito a vaidade de dizer isso apenas para mostrar que o cigarro é gostoso (se não fosse, ninguém fumava), mas a vida sem ele é muito melhor.

Melhor ainda dizer isso vinte anos depois.

Série Calendário – Poemas de janeiro a dezembro

Janeiro

O ar parado
Da tarde
É uma estática
E morna
Gelatina invisível
A grudar as roupas
No corpo.
Respirar pesa
Feito as pálpebras
Depois do almoço.
Por trás delas,
Quando cerradas,
Venta na praia
Despencam cachoeiras
Faz sombra de nuvem
Na montanha.
Até a noite,
a tempestade trará
alívio e tragédia.

Fevereiro

A morena dez anos mais velha
De biquini vermelho e lantejoulas
Interferiu
No eixo dos planetas
Quando puseram alto
o samba da Mangueira
ao pôr do sol
Na beira da praia
Em Saquarema
(Teu queixo foi ao chão,
mas teus pentelhos
mal haviam nascido).

Houve Aquele porre
De Velho Barreiro
Vestido de mulher
No bloco das piranhas
de Rio das Ostras
na terça-feira
em 1987.
Se Lembra?
Ora! Não diga
Que não.

E ainda aquela paixão
Do baile de domingo
Que sequer sobreviveu
à punição das cinzas.

O tempo passou rápido
Feito escola na avenida
E hoje você
Não tá nem aí pra carnaval,
Menos ainda para o que
Padres e pastores dizem
Sobre a quaresma.
O que te move
É chegar logo
O feriado santo
De martírio do salvador
E fugir prum mato perdido
Esfriar a cabeça
Esquecer do mundo.

Fevereiro
é o mês da sobrevivência
das memórias mais antigas
e do cansaço de se ter
que chegar até dezembro.

Março

Por mais
Que desiludidos
E decepcionados
Estejamos,
Essa teimosia inata
Insiste na esperança,
Corre a nossa volta
feito eletricidade
De festa começando.

Abril

Fecha os olhos
Para que as pálpebras guardem
Como em gavetas
O céu demais dessa manhã em paz
De feriado santo.
Escuta esse avião
passando longe,
Ao largo da cidade
Que dorme até mais tarde.
Imagina que é você
Mas sem o motor:
Valente planador
Desafiando o cume da montanha
E o abraço definitivo do oceano.

Aproveita bem esses dias
De friagem azul-alaranjada,
Tempo de colheita dos fotógrafos.
Aproveita que você está feliz
aceitando você e o mundo,
leve, feito pelo de gato
No chão de casa.
Aproveita porque nem sempre
(Ou quase nunca)
A vida tem esse
Enquadramento exato
E essa luz perfeita de fundo.

Maio

Na foto de arquivo pessoal,
A moça sorri em P&B
Na manchete do jornal.
25 anos se tanto,
A vida toda pela frente
Como geralmente é nessa idade.
Mas ela desmarcou o casamento
e não subirá mais ao altar
“nem agora nem nunca”
jurou o noivo,
foi o que o repórter contou.
Ele pega o jornal
E o belo rosto na folha
Se esfumaça na velha
Imagem de seu passado,
A imagem mais nítida
Em sua memória,
A daquela quinta-feira
Antes do Dia das Mães,
Ele chegando da escola
Tumulto na porta de casa
Polícia vizinhança gente estranha
E uma tia aflita
Que não o deixou entrar.
Cadê minha mãe cadê meu pai
E a exemplo da noiva
A cara dos dois
No dia seguinte
No Diário Popular.

Desde ali
Não teve gosto pra almoço
Nos domingos iguais
àquele que se aproximava
e nem para
os girassóis que ela plantava
e floresciam sempre nessa época.
Cadê minha mãe cadê meu pai
E sua voz de garoto
Ainda é viva aflita
A cada vez que volta
a imagem mais nítida
Que guarda na memória.
“Me perdoa, eu não sei
Onde estava com a cabeça”
Escutou
Na última vez em que o viu
Antes da degola
na rebelião da delegacia
superlotada
Da periferia.
Afaga os cabelos
Do filho pequeno.
Perdão é um girassol
Que não floriu dentro de si.
“Eu não estou
Te criando para isso”,
Mesmo com doçura,
É como se advertisse o menino.
Lá fora,
O domingo vai embora
Derrama no éter da tarde
O sangue da mãe
O da moça
E de todas as outras
Que saíram
Ou não nos jornais.

Junho

Dia azul gelado começa
e o corpo queria mais da cama.
Junho é um cobrador
Que não negocia dívida:
Apresenta a fatura
Do que foi pago
E o que resta do montante;
Um chefe intransigente
Esfregando em nossa cara
Uma lista de pendências.
Esses nossos tempos apressados,
De artificialidades gerais,
Nos cobram a metade vindoura
E a outra, deixada para trás.

Nos perguntam
O que foi feito daquela
Esperança gratuita de ano novo,
Se era fugaz
como as bolhas do espumante
Com que brindamos.
É preciso tirar
Do rascunho
do esboço
da planta
os nossos edifícios,
“Talvez ainda dê tempo até dezembro”,
Insiste um novo ensejo,
Apesar do corpo cansado
Do dia gelado
Que dão fastio
Só de pensar na obrigação
de sair e enfrentar,
até porque em nosso caso
há o seguinte agravo:
pra gente feito nós
nunca foram fáceis
os dias
semanas
meses
anos
séculos de gerações anteriores
que nos legaram
essa construção de vida.

Mas não há remédio
Para gente feito nós.
Continuarmos
Até dois mil e lá se sabe quando
É o que sempre nos coube
Como porta de saída.

Julho

Vai chover! Vai chover!
E na infância
A velha tia
Inventava onomatopeia
Para o bem-te-vi.
Mas na imobilidade
Do estio
O cantar do pássaro
Reverbera sem fruto
No azul calado
e sua monotonia
sem perspectivas
e possibilidades.

No fundo da casa,
Barulho de chaleira
Anuncia café
E a manhã de domingo
Pesa feito pena de pombo
Desprendida do sexto andar.
Quando cessa a chaleira
Fica apenas o bem-te-vi
A querer nos iludir.
No cochilo de um segundo,
Enquanto não servem à mesa,
Julho faz o tempo correr
Sem que ninguém veja ou ouça,
Como se fosse um rio subterrâneo.

Agosto

Folhas duras caem ao modo
De uma lisérgica
Chuva bíblica ressecada.
A depender do ângulo
O tímido sol do inverno cínico
Lhes emprestará
Fantasia de leves
Pepitas de ouro.
Um morno vento breve
As envolve em ciranda
De redemoinho
E quase involuntariamente
pedimos que vá embora
O que é velho
O que acabou
E precisamos aceitar.
Repentinamente otimistas
Enxergamos
Nesse movimento
Incentivo a revoluções
Que comecem
Por nossas próprias vidas.

Colegiais blasfemam
Contra o fim das férias
um cansado herói da segunda guerra
ergue um dedo para
lembrar aos que não viveram seu tempo:
mês de presidentes mortos!,
e os ipês amarelos
berram entre buzinas e motores
da ardida tarde de fumaça no horizonte
e desespero de pássaros
tatus e cobras na reserva em chamas.
Mês do desgosto…
Quanta injúria
Na pobre rima cretina
E no posto de ser apenas
O consolo de que setembro não tarda.

Agosto por Rogério Bernardes, em meu canal no Youtube

…e a boa nova andar nos campos… (Setembro)

Já é setembro, amor.
Corra ao jardim do prédio
e volte com alguma flor que te sirva no cabelo.
Vá antes que apareça o síndico milico reformado
explicar com detalhes que
a convenção do condomínio
proíbe o roubo inocente de flores.
Quando subir, vista aquela saia laranja
de estrelas lilases e círculos vermelhos
que te mostra acima dos joelhos,
e ao piano
toque Chopin para animar e alegrar os anjos.

Eles andam cansados e tristes por causa desse mundo
indiferente às crianças palestinas mortas na guerra
às crianças judias mortas pela estupidez das bombas
às crianças mortas pela insensatez da fome na África
às crianças sírias que aparecem mortas na praia
às crianças pobres abandonadas pelos pais miseráveis
às crianças ricas abandonadas pelos pais ocupados demais.

Os anjos estão desiludidos com o mundo indiferente às crianças às crianças às crianças
e aos velhos espancados pelos filhos e netos queridos
às mulheres tratadas aos chutes
aos homens sozinhos sem sonhos
sem mulheres que os entendam chorar.

Colha flores, toque piano,
porque a morte, quem sabe, em algum ano
poderá vir na primavera,
mas enquanto ela não vier
haverá chance para todos os síndicos de humor cinza chumbo de inverno de concreto armado
para todas as crianças sem infância
e todos os velhos sem paz na velhice.
Para as mulheres
caras solitários
Haverá chance.

Afinal, é setembro, e sempre dá
mais vontade de viver e ter esperança.

Setembro por mim mesmo, em meu canal no Youtube

Outubro

Para além do corte da minha janela
Ocorriam na ordem do silêncio
Sobre a desatenção dos homens
Os fatos relevantes da vida:
a florada do pé de cagaita
Que será fruto amanhã ou depois.
Ainda na folhinha
passava setembro
Quando sonhei que adormecia
À sombra de um desses
Deitado em um lençol amarelo
De polpa madura.

No sonho, eu –
Pescador curtido de sol
Homem do povo – descobria
A imagem de Nossa Senhora preta
No leito do rio.
Acordei então
Com aqueles quereres sagrados
De libertar os oprimidos,
Enquanto a primeira cigarra do ano
Anunciava o cerrado redivivo
E meu vizinho subia a rua assoviando
Aparentemente em paz
Levando o frango assado
Para o almoço de domingo.

Novembro

Ainda nem bem choramos nossos mortos
E a decoração ostensiva do shopping
antecipa a obrigação de se pensar:
O que faremos para a ceia de Natal?
Como agradar quem não come carne?
Colocaremos ou não passas no arroz
Maçãs na maionese?
Seus pais virão passar conosco?
Depois de tudo nesses últimos anos
Seu cunhado ainda pensa daquele jeito?
Na casa de quem interpretaremos
A comédia de horrores
de parecermos bem,
Alegres e esperançosos
no réveillon,
escamoteando
A verdadeira vontade
de ir para a cama
Antes da meia noite.

Calamos
O que verdadeiramente grita:
essa impressão anual
(incômoda feito
presente que se precisa
trocar)
De ciclo se encerrando
Sem que lhe fosse dada
A devida utilidade,
De água indo sem proveito
pelo ralo ao fim de mais uma translação,
Enquanto empregados temporários
Arrumam no magazine popular
O ringue em que cristãos
Disputarão aos tapas
socos e golpes baixos
panetones em promoção.

Dezembro

Andorinhas apressadas
Encerram o dia
E o verão é recém-inaugurado
Com suas nuvens
róseas e alaranjadas
suas paredes mornas
temperando
a chegada da noite
com a mistura
de esperança e tristeza,
típica da época.

Volto a passos lentos
De enfrentar o mundo
O leão que matei hoje
O mesmo de sempre
Que até morre sempre
Mas que invariavelmente
Me arranca nacos da carne da alma.
Toda última semana do ano
Me parece um corredor
Deserto e escuro
De um segundo andar,
Onde uma porta entreaberta
Lá no final
Deixa escapar uma luz branca
De cozinha
Um bater de talheres
um falatório confuso de TV
uma criança chorando
para a impaciência dos pais.
Repare bem se te acontece o mesmo:
Em todo dezembro
Eu, com minhas solas gastas
E seu ruído oco e seco,
tento abandonar o que não sou mais
para procurar
o que preciso ser.

A série de poemas Calendário foi escrita entre março de 2023 e fevereiro de 2024

André Giusti

A poesia como prece 12: Não Nasci para quietudes, de Maria Cida Neri

O título do livro de poemas de Maria Cida Neri está bem de acordo com o que encontramos em suas páginas.

Dona de uma poesia forte e incisiva, Cida fala das e para as mulheres que sabem que têm direito ao prazer e à alegria, revelando uma narradora que passa longe do morno e do monótono, se atirando de cabeça, sem dar muita importância se o que virá será a glória ou a desilusão, pois o que interessa é a sensação do voo, do se atirar, como bem mostra neste poema abaixo, chamado Deslizes.

Mas o tom maior dessa coletânea é a confirmação do direito da mulher ao prazer sexual, sem culpa, sem julgamento, como deveria ter sido em toda a história da humanidade.

A poesia de Maria Cida Neri nos dá vontade de ir para a cama (ou para o sofá, para a mesa da sala, onde der para fazer) e, em poemas como o que segue abaixo, nos convida, como disse Drummond, a morrer de santo orgasmo.

Vídeo-poema – Os Filmes em que Morremos de Amor

Os filmes em que morremos de amor.

Noite de Domingo
morre pesada
em pratos do almoço
ainda na pia.

Insisto
em alguma vida na casa:
abro-fecho sites,
com os dedos no telefone
procuro pessoas,
mas não todas:
apenas as que me falem
de dias na praia,
dos filmes em que
morremos de amor.

Mas como a noite
pode ser nave imensa
que não pousa,
desisto de buscas,
rendo-me calado
no primeiro quarto
que encontro.

Nos grotões da sala apagada
Sheryl Crow canta
algo que tocava em novela,
sem bem me lembro.

Ah, as músicas e minha
inconformada relação
com o tempo!

O problema
é que o CD gira sem consolo
no fim de outra noite,
em 1995 talvez.
*
Do livro Os Filmes em que Morremos de Amor (Editora Patuá)


Conheça meu canal no Youtube

O pesar de dar razão a Romeu Zema (mesmo que uma única vez)

Romeu Zema é um dos atuais destaques na representação da elite cancerígena que suga o sangue do país há mais de meio milênio.

Se por acaso em algum momento for eleito Presidente da República, será um retrocesso semelhante ao que vimos entre 2016 e 22.

Semanas atrás, o governador de Minas disse que “homem branco, heterossexual e bem-sucedido, no Brasil, é rotulado de carrasco”.

Desconto o exagero da última palavra, mas admito (com grande pesar) que Zema, neste único e absoluto caso, não está muito longe da verdade.

Não sei se sou bem sucedido, ao menos de acordo com o que isso significa para o senso comum (incluindo aí o próprio Zema), mas sou branco e heterossexual.

Nos últimos anos, em algumas ocasiões, eu receio que tenha sido olhado de lado e com preconceito por causa disso.

Cito apenas um caso.

Há uma livraria aqui na Asa Norte, em Brasília, bastante badalada e que promove a literatura feita pelos representantes das lutas identitárias.

Perfeito, mais do que justo e necessário.

Nas duas vezes em que entrei nessa livraria como consumidor, uma delas com minhas filhas que parecem suecas, as duas atendentes fizeram cara de quem não fazia questão que, principalmente eu, estivéssemos ali.

Só faltaram pedir “Por favor, vá embora. Não precisa comprar nada”.

Entrei lá uma terceira vez, como autor.

Eu procurava um espaço para lançar As Filhas Moravam com Ele, meu livro mais recente.

Fizeram a mesma cara de quem não fazia questão de mim, menos ainda do meu livro.

Secamente, pediram que eu mandasse um e-mail tratando do assunto.

Mandei e-mail e mensagem pelo Instagram (neste, a mensagem foi marcada como vista). Nunca recebi uma resposta sequer.

Sou um autor cujo trabalho tem uma pegada social intensa (e não sou eu quem digo; são os leitores).

Como escritor e cidadão, sempre me posicionei contra o racismo (odioso), a homofobia (cruel) e a violência contra a mulher (tirânica).

Acho que nunca se deram ao trabalho de conhecer essa minha pegada, mesmo que eu não esteja em nenhum dos supracitados lugares de fala.

Penso (ou tenho a quase certeza) de que me resumiram pela minha pele branca azeda, pelos meus olhos claros.

Acho que serviu de lição para mim mesmo, que nos últimos anos vinha desenvolvendo preconceito contra homens brancos, de classe média e, especialmente, meia idade (o que sou); mais ainda se tivessem a bordo de um jipão, uma SUV ou uma caminhonete monstruosa (o que não tenho e não gosto).

É certo que, pelo o que temos visto na prática, essas características são a face quotidiana mais comum do machismo, do racismo e da homofobia.

Mas também pode haver, nesse miolo, uns sujeitos que pensem e ajam como eu.

Na dúvida, vamos deixar que eles primeiro abram a boca para falar.

Poema sem título (inédito)

Tenho 55 anos
E estou voltando
a pé para casa
Com cinco chopes na cabeça
Em um sábado de lua cheia.
Ninguém me acompanhava
No bar
Ninguém me espera em casa,
Mas na varanda de um quarto andar
Um sujeito fuma
Ao largo do falatório de mulheres
E gritos de criança na sala.
Nada sei sobre ele
mas tenho um palpite
de que sente certa inveja de mim
quando me vê passar.
E, quem sabe,
eu vá sentir
o mesmo ao chegar.
*
25/nov/2023

Só acho

Eu acho que para ser denso e profundo, ou querer parecer que é, um autor não precisa escrever para que ninguém entenda, muito menos aparecer nas fotos de orelha de livro, suplemento literário ou mesmo rede social com cara de quem não faz cocô há três dias.

Só acho.

Rolar para cima