A doença é do outro, a quarentena é sua

Por Michelle Mattos*

http://revistaglamour.globo.com/
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Não cliquei no post sobre a polêmica envolvendo pedofilia no master chef Jr.

Não tive estômago pra ler as confissões do movimento super válido‪#‎primeiro‬ assédio

Ainda assim vejo com ótimos olhos a discussão. É preciso falar, comentar, dar conhecimento a essa realidade pra combater.

Mas é que pra quem habita um corpo feminino, isso não é novidade. Qual menina nunca ouviu de uma colega/amiga um relato de abuso? Qual menina nunca viu, depois que uma confessou, várias outras no mesmo círculo assumirem que foram vítimas também.

São muitas histórias. Abuso de um familiar, de um amigo da família, quando ainda se é pequena. E aí você cresce e o drama continua. No metrô, no ônibus.

Você estuda insanamente pra passar numa universidade federal. Aí você passa e não pode fazer certas disciplinas porque é perigoso o caminho até o prédio. É isolado, pouco movimentado. Vocêc é menina, lembra? Melhor não arriscar.

E no trabalho, você, que nada fez, se vê evitando ir a certos lugares pra não esbarrar com o engraçadinho que acha que tá agradando ao ficar enchendo seu ouvido com umas insistidas desnecessárias, insuportáveis, invasivas.

Habitar o corpo feminino tem isso. É tão comum que às vezes a gente nem se toca. A gente só deixa de ir, de falar, de vestir, só pra não ouvir ou atrair.

A doença está no outro, mas é você é quem fica em quarentena.

*Michelle Mattos é jornalista

Imóvel na planta? Pense bem

Você pretende comprar imóvel na planta? A crise econômica fez com que o que era ótimo negócio anos atrás se torna-se sinônimo de perda de dinheiro. Confira na reportagem que fiz para a TV Justiça pela Coordenadoria de Rádio e TV do Superior Tribunal de Justiça.

Nota

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Logo de manhã cedo, mesmo aos domingos e feriados, manda bom dia com florzinhas e bichinhos para todos os 15 grupos que participa no uatzápi.

Mas quando sai no corredor do prédio, nem olha na cara dos vizinhos.

Ah, vai…

O piquenique como método de ocupação

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No feriado deparei com um grupo de vizinhos fazendo um piquenique no gramado de uma das quadras de Brasília.

Quem não conhece a cidade pode saber que uma das características desse condado autárquico administrativo é ter maravilhosos e amplos espaços verdes. E vazios, aonde ninguém vai, aonde ninguém aparece. São vagos os motivos desse desperdício provocado pela falta de convivência, ninguém arrisca cravar uma explicação.

Já disseram que em Brasília os espaços são para serem contemplados, jamais ocupados. Se faz parte do conceito da tão propalada genialidade urbanística e arquitetônica, não sei, mas há centenas de gramados que, tristes e solitários, parecem implorar por pés de crianças chutando bolas ou toalhas de xadrez com bolos, pães e garrafas de refresco.

O piquenique lançou em mim um grão de areia de esperança de que as pessoas por aqui possam enfim despertar para a necessidade de povoar esses extensos gramados, e que por meio do convívio ocupem também um lugar no coração umas das outras. Conhecer os vizinhos, conviver com a sua comunidade pode ser útil até mesmo materialmente. Quem mora ao lado pode ter um conhecido que ajude um parente seu desempregado, pode conhecer um médico que resolva a dor crônica que tortura sua pobre vozinha.

Enquanto escrevo, lembro-me da rua em que passei parte da infância e adolescência, no castigado bairro carioca do Andaraí, citado diversas vezes por Machado de Assis em romances e crônicas. 20, 30 anos atrás a rua era tomada de meninos jogando bola e soltando pipa. Hoje é quase deserta, e em seu silêncio e vazio passeiam minhas lembranças de meninice.

Portanto, não arrisco dizer que o problema é geográfico, restrito à capital do país. Superpopulosas, as grandes cidades brasileiras parece que criaram, certamente por fatores sociais ou culturais, não apenas bolsões de isolamento físico e urbano, mas principalmente humanos e emocionais.

Estender uma toalha no gramado em frente ao prédio, chamar o vizinho de porta e, juntos, cortarem um bolo ou mesmo abrirem uma garrafa de espumante certamente vai trazer mais alegria a Brasília, às outras cidades, e nos fazer recordar que precisamos de algo bem mais caloroso que o Netflix.

Mariazinha perfeitinha

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A funcionária pública se esmera em fazer parecer a todo mundo que é exemplar, mantém constante vigilância sobre a conduta dos outros e acha que a pessoa tem obrigação de estourar na vida até os 35 anos.

“Veja o fulano! Tem 40 anos e ainda paga aluguel!”

Como oposto do fracasso, gosta de tomar si própria como exemplo: funcionária efetiva e concursada do tribunal superior há mais de cinco anos. Isso, no seu entender, a coloca em degrau de diferenciação. Espalha aos quatro ventos que todos os chefes a requisitam para suas seções, embora ninguém jamé de never more tenha ouvido isso da boca de algum deles.

Pela sua teoria acerca da relação idade x sucesso, ela tem aí uns dois ou três anos de vantagem em relação ao limite, pois não aparenta passar dos 33.

Se o sujeito chegou aos 35 e não decolou, esquece – ela sentencia -, será medíocre e mediano até o fim dos dias.

Em dias de bom coração, chego no máximo a cultivar pena dessa moça. Boa casa, família, boa escola, universidade top, curso no exterior. Nunca foi ao chão, e temo que não esteja preparada para aqueles tombos dolorosos e inevitáveis que a vida nos dá a qualquer tempo, pode ser aos 20, aos 40, 50, e mesmo aos 35, e que o maior desafio depois não é “estourar”, e sim se reerguer e tentar continuar.

Da fila do Detran como meio de aprimoramento espiritual

www.correiobraziliense.com.br
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Acho que hoje galguei uns três degraus na escada da minha evolução espiritual.

Passei três horas dentro do Detran do Distrito Federal. Sem me irritar, sem reclamar. Quem mora aqui sabe que isso é para os fortes.

Às oito da manhã, me deparei com uma fila de umas 200 pessoas. Para pegar a senha. Lá dentro, umas 300 já aguardavam o atendimento. Gastei metade de meu dia esperando que o documento do meu carro fosse liberado.

Deixei para a última hora resolver pendências. Aliás, para depois da última hora, pois o prazo para isso venceu na semana passada. Então, além do Estado, havia outro culpado por eu ter passado três horas da minha vida em uma repartição pública cuidando de burocracia: eu mesmo.

Respirei fundo e pus na cabeça algo que já deveria ter posto há anos: os maiores prejudicados somos nós mesmos quando perdemos as estribeiras, quando perdemos o controle diante de situações adversas, muitas das quais nós mesmos procuramos com nosso desleixo em resolver as coisas na hora em que deveriam ser resolvidas.

Saí de lá com a documentação do carro legalizada, livre de mais dor de cabeça caso fosse parado numa blitz. E saí leve, sem ter jogado adrenalina desnecessária no sangue e um monte de ácido nas paredes do estômago.

Na rua me perguntei por que não ajo sempre assim, e me prometi me fazer acompanhar em situações futuras e semelhantes desse sujeito que hoje esteve no Detran.

O que não isenta o Estado da obrigação de prestar bom atendimento ao contribuinte. Seja ele zen budista ou um fio desencapado em forma de gente.

Fuja do óbvio! Faça bem à sua inteligência e ao seu bolso

cantinhodisney.blogspot.com
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Acho que quase sempre ganhamos quando não optamos pelo óbvio, quando caminhamos na contramão do que o senso comum, plantado tantas vezes pela mídia, nos impõe.

Há uma semana assisti a um belíssimo espetáculo: Cora dentro de mim, com a atriz Lília Diniz e direção de Adeilton Lima. O texto é uma costura maravilhosa com os poemas de Cora Coralina, e deixa claro que a autora goiana viveu muito à frente do seu tempo e da gente que morava na sua amada Cidade de Goyaz, capital antes de Goiânia.

O preço? R$ 20. A inteira.

No mesmo dia, vi numa dessas faixas verde limão, penduradas em um viaduto, o anúncio de uma peça que, pelo nome, deveria ser um arremedo de piadas banais sobre sexo e relacionamento. Algo que, mesmo que eu não tenha visto, me pareceu ser bem próximo de lugares comuns que já estiveram nos palcos e telas do país, tais como Qualquer gato vira lata tem uma vida sexual mais sadia que a nossa e Se eu fosse você.

Não cheguei a saber o valor do ingresso, mas pelo teatro em que estava sendo exibida a peça, não deve ter ficado por menos de R$ 60.

Há duas semanas, com minhas três filhas, assisti de graça a duas apresentações integrantes do festival Espetaculim, que reúne espetáculos com motivos circenses. Com graciosidade, leveza, humor verdadeiramente engraçado e originalidade, os artistas, com aquela emoção que só os mambembes conseguem ter, levaram às minhas filhas, às outras crianças e aos adultos presentes o encanto e a pureza que o circo carrega através dos tempos.

Já neste fim de semana, atendendo à vontade das pequenas, fui ver Hotel Transilvânia 2, e me convenci de que, cada vez mais, o cinema americano infantil é uma linha de montagem, um pacote de forminhas em que se coloca o recheio da ocasião. O filme não é mau – e é difícil ser com tanto dinheiro e tecnologia -, mas exibe o mesmo e surrado repertório banal de piadas, situações, conflitos e desfecho, permeado pela costumeira lição de moral barata, e sempre superficial, do cinema americano.

E para tornar esse caramelo mais enjoativo, morri em 80 pratas, pois só havia sessão em 3D (algo que na minha irrelevante opinião nem faz taaaaaaaannnnta diferença assim).

Conclusão, fugir do óbvio não me parece melhor apenas para a cabeça, mas também para o bolso.

Ide e pregai. Mas não enchei o saco.

www.midiagospel.com.br
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O bom senso é uma espécie de parente próximo – um primo íntimo, talvez – da boa educação e do respeito ao próximo.

Penso que certos adeptos de religiões deveriam tê-lo em conta na forma como procedem socialmente, por exemplo.

Outro dia soube de um aniversário de criança, no qual pouco antes do “parabéns pra você” foi celebrado um culto evangélico, seguindo a crença da família. Parece que não demorou muito, mas quem recebeu o convitinho não sabia que em determinado momento da festinha teria que presenciar um culto de uma fé que não professa, e que por isso não costuma ir às igrejas. Prefere a festinha de aniversário dos filhos dos colegas de trabalho. Foi o caso de muitos ali.

Recentemente fui testemunha de situação bem semelhante. Em pleno recital literário, o sujeito que se dizia poeta pegou o microfone e mandou seus textos bíblicos, com explicações enfadonhas sobre personagens e passagens do livro escrito por homens, é bom que se diga, e, como tal, sujeito a interpretações particulares e não necessariamente iguais as de quem está lá, professando sua fé em local claramente inadequado, para um público desavisado e na sua maioria descrente. Como foi ocaso a que me refiro.

Religiões merecem respeito, bem como quem as segue, mas o mesmo vale para ateus, agnósticos e afins.

Jesus disse “ide e pregai”, mas não me consta, mesmo que pouco eu conheça dos evangelhos, que tenha dito “ ide, pregai e enchei o saco”.

A correta politização da galinhagem

ioeste.com.br
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Cada um vive um relacionamento amoroso da forma que achar melhor. Se este melhor é ter dois ou três namorados e namoradas, e as outras partes envolvidas aceitam isso com tranquilidade, muito que bem. Cada um viva a sua vida.

Mas há algo no poliamor que me incomoda, e não é o princípio de você e o outro ou outra poderem ter mais um ou dois relacionamentos simultâneos, com o conhecimento e aceitação de todos.

O que me incomoda é o tom um tanto politicamente correto de alguns adeptos. Namora-se e se transa com dois ou três por amor, e não apenas por desejo sexual, aventura, flerte, variação. Todos amam todos, e segue a dança. Então, não há infidelidade, e se não há esta, não há desrespeito, consequentemente.

Acho que em parte dos casos as pessoas até podem agir assim porque realmente sentem algo maior por duas, três pessoas. Ou acreditam que sentem. Mas há de se considerar a hipótese de quem adote o discurso só para posar de íntegro, correto e, claro, moderno, porque a intenção real mesmo é flanar com dois, duas ou mais, mas não deixar de parecer bacana.

Em outras palavras, há quem acredite mesmo no poliamor como melhor maneira de viver um relacionamento, mas há, por certo, quem tenha tucanado a galinhagem.

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