Modesta reflexão sobre facadas

Acabo de ler nas agências de notícias que um estudante de 13 anos e outro de 19 foram esfaqueados hoje, aqui em Brasília, durante uma tentativa de assalto.

Parece que o alvo do ladrão era o celular. As vítimas, pelo que percebo, são meninos de classe média, alunos de um bom colégio e de uma boa faculdade, provavelmente moradores de bons lugares.

O assaltante é o mesmo, mas deu as facadas em momentos diferentes e em pontos opostos da cidade: Asa Sul e Asa Norte.

Trata-se de um menor, e, aguardando que seja retomada ainda hoje a mesma saraivada enraivecida de pedidos pela redução da maioridade penal que deu o tom da semana que está se acabando, recebo a mensagem da mãe de um aluno da escola das minhas filhas. Ela diz que é por isso que não deixa o filho, também de 13 anos, sair sozinho. Respeito. Cada um tem seu modo de combater a violência, inclusive impedindo os filhos de viver.

Não sei ainda, mas o histórico do adolescente infrator não deve diferir muito do outro que matou o médico, também a facadas, no Rio: faltou família, faltou escola, não foi um problema de idade para se punir e condenar.

Já deve ter gente parando por aqui a leitura, me mandando ir pra Cuba e me perguntando se eu pensaria assim caso uma de minhas filhas fosse esfaqueada. Mas peço licença para lembrar que além do passado desses infratores (que nenhum de nós da classe média tem a mínima ideia de como possa ter sido, porque simplesmente sempre tivemos família e escola), me parece que há outro motivador importante ligando também os três crimes. Eles queriam a bicicleta cara, o celular caro, e em outras vezes mataram e feriram por um par de tênis caro, por um casaco da moda, todos esses objetos e tantos outros que a mídia, com o bombardeio da propaganda, nos faz acreditar que precisamos desesperadamente ter e engolir para sermos aceitos por uma sociedade que sim, cada vez mais olha o semelhante de acordo com o celular, o tênis, o casaco, o carro, e por aí vai.

E pergunto se isso não é também uma grande facada, e ainda maior, a entrar todos os dias em nossa carne, provocando uma brutal hemorragia que, anestesiados, seguimos em frente sem sentir?

Fonte www.cantuemfoco.com.br
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Tensão e doideira na telona

Fonte vimeo.com
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Assisti a dois filmes neste fim de semana que penso valerem registro.

O primeiro é Três Corações, uma produção francesa do ano passado.

A história trata de uma terrível coincidência amorosa, que embora inusitada, não isenta nenhum mortal de vivê-la, mesmo que a possibilidade seja menos que ínfima.

Dois pontos me chamaram a atenção no filme. Um é a tensão permanente, que vai quase da primeira cena até a última.

O outro é o final. Feliz? Triste? Trágico? Suave?

Necessário, eu diria.

Fonte www.adorocinema.com
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O segundo é Um pombo pousou num galho refletindo sobre a existência, um filme de nacionalidade quadrupla.

Se o título causa estranheza, espere para ver o filme.

Ele é tão estranho, que provoca até gargalhadas em alguns momentos, especialmente no começo.

Mas logo depois o que aparece na tela é de dar nó na cabeça.

Quando algo ameaça fazer sentido, há um novo surto no roteiro, na direção, e tudo volta a ser um quebra cabeça lisérgico de dez mil peças.

Não se sinta burro quando sair do cinema.

Desconfie é da honestidade intelectual de quem disser que esse filme é uma obra de arte, uma sacudida da genialidade na mesmice do cinema.

Porque não é.

Valeu, rei!

The first time I met the blues certamente foi ouvindo você cantar e tocar.
E hoje o céu ficou mais blue.
Valeu, Menino Rei do Blues!

Fonte www.oesquema.com.br
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Como se deve fazer com os cachorros

Ela já foi um cachorro que entrava em casa, subia no sofá, metia-se nas cobertas quando dormia na cama dele.

Fazia cocô e xixi na sala.

Até que um dia ele resolveu que ela ficaria lá fora, e fechou a porta das visitas e também a dos fundos.

Hoje ela ainda late, mas é lá do fundo do quintal, presa na casinha, sem água nem ração.

Às vezes, quando a casa está em silêncio, ainda se ouvem seus latidos, cada dia mais exaustos.

Chegará o dia, e este não tardará, em que ela estará morta ao amanhecer, e ele a enterrará sem qualquer emoção.

Apenas com as marcas secas do tempo em que ela entrava em casa.

Fonte noticias.band.uol.com.br
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Machado de Assis explica a matraca

Releio O Alienista, um dos mais famosos contos de Machado de Assis, e me detenho algum tempo em um detalhe que passou despercebido na primeira leitura, há anos.

É a explicação do bruxo do Cosme Velho do que seja matraca. Ao ler sua descrição, concebe-se como perfeito o significado que a palavra possui na atualidade.

Como no Brasil colônia não havia imprensa, algumas formas rudimentares davam ao povo a satisfação do que acontecia na sociedade.

Uma delas era a matraca, instrumento que, pela descrição de Machado, fazia, em linguagem contemporânea, um esporro do cão.

Quem tinha algo a comunicar à sociedade – qualquer fato, nascimento, morte – contratava um sujeito, que parava no meio dos povoados de então e começava a tocar a matraca. O barulh0 atraía o povo e a mensagem era dada. Com a maestria de quem foi o maior escritor brasileiro de todos os tempos, e um dos maiores do mundo, Machado de Assis escreve que “O sistema tinha inconvenientes para a paz pública”. A partir do atual significado do vocábulo, é de se imaginar o quanto.

Portanto, se você não conhecia esta história, agora, quando seu sua chefe chefa mulher marido namorada namorado colega de trabalho desandar a encher seus ouvidos com a língua sem freio, contenha-se, e desvie sua ânsia de lhe apertar o pescoço para pensar na genialidade de Machado de Assis.

Fonte www.memorialdoimigrante.org.br
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Quase isso

Distraído, chega na bilheteria do cinema e pede:

– Moça, vê uma inteira pro Terra Salgada.

Contando as notas pro troco, ela responde, sorrindo no canto da boca:

– É quase isso, moço, é quase isso…

Fonte imovision.com.br
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A deliciosa farofa do Kiss

O show do Kiss em Brasília terminou há quase 72 horas e eu ainda sinto vontade de escrever sobre ele.

Eu estava na primeira apresentação da banda no Brasil. Foi em 83, no Maracanã, o primeiro mega show a que assisti na vida. Fedelho de 15 anos, fui pelas músicas que eu ouvia no rádio, mas também pra conferir se era verdade mesmo a história de que o Gene Simmons esmagava pintinhos com aquelas botas de saltos enormes. Não era.

Qual a diferença daquele show d’antanho e o de agora? Uma baita evolução da tecnologia, que transformou o que à época já era espetáculo numa loucura batida no liquidificador com ópera e cinema, e com uma cerejinha que tem um quê de Cirque du Soleil (desculpas se pirei).

O que é igual? O vigor da banda, que se traduz não apenas na pirotecnia, mas na execução das músicas, nos solos, nos vocais, nas porradas na bateria, nos rebolados e pulos no palco.

Há um tipo de músico que dá balão no tempo: ao invés de decair rumo à decrepitude e à caricatura de si mesmo, ele faz do passar dos anos a fórmula de chegar mais ou menos perto da perfeição. Gene Simmons e Paul Stanley (principalmente) podem ser exemplos.

É claro que nos últimos dias não faltou quem taxasse de rock farofa os quatro mascarados. No geral, é gente que enche a boca pra dizer que é fã, por exemplo, do Radio Head, como se isso fosse um atestado de inteligência e bom gosto. Eu gosto também do Radio Head, mas não encho a boca por isso.

Acho que é um pouco de reducionismo enxergar o Rock’n Roll apenas por um prisma.

Penso também que nele cabe tudo. O protesto, as questões sociais, existenciais, a sátira, a alegria juvenil, a dor de corno. E também a farofa.

E roubando um pouco a ideia do Maurício Angelo, uma farofa muito bem temperada, com ovo, linguiça e bacon.

Essa mesmo que o Kiss serviu em Brasília.

Fonte g1.globo.com
Fonte g1.globo.com

A felicidade das rolhas de vinho

Fonte www.clmais.com.br
Fonte www.clmais.com.br

Quando ele ia jogar no lixo a rolha do vinho que tomara no almoço, a filha mais velha perguntou:

– Pai, por que você não guarda as rolhas dos vinhos que você bebe? Que nem o tio Valério faz. Ele guarda todas num vidro redondo, enorme, que fica na sala decorando. É bem bonito.

O pai sorriu. A resposta era simples.

– Porque seu pai não pode comprar vinhos tão bons e caros como seu tio…

Ainda mais simples foi a resposta da filha, do alto da pureza de seus dez anos.

– Mas pai, o importante não é o preço. O que conta é que você estava feliz quando abriu o vinho, que foi um momento bacana…

Sorriu sem dizer nada, até porque nada restou pra dizer, mas quase abriu outra garrafa só para brindar à filha que havia posto no mundo.

Para pensar em ser feliz

Quem mora em Brasília tem até o fim de semana que vem (24, 25 e 26/4) a oportunidade de refletir, a partir da magia do teatro, sobre ser feliz fazendo o que se ama, e com esse amor pelo que se faz , ser feliz na vida e fazer feliz quem está ao redor.

Em minha opinião, é a grande lição que fica do espetáculo Quando o Coração Transborda, em cartaz no Espaço Cena (205 Norte), um monólogo com a atriz Maíra Oliveira, que também assina o texto e a direção.

Marina é burilada no teatro de rua, cuja mestria aprendeu com o pai, o lendário Ary Pára-Raios. Nos anos 70, Ary levou para Brasília e demais cidades do Distrito Federal música, acrobacia e adaptação de textos de autores como Shakespeare, montados pelo Esquadrão da Vida, um grupo de teatro de rua batizado com esse nome justamente para mostrar que iria levar ao povo o oposto do terror daquela época, representado tão bem, entre outros, pelo sanguinário Esquadrão da Morte.

Quando o Coração Transborda mostra a luta e a persistência de Maíra em seguir a carreira escolhida pelo pai, mas a peça fala muito mais do que paixão pelo teatro ou idealismo de artista.

É um recado poético a quem, por exemplo, se exime de ser feliz ao fazer a opção pela vida materialmente segura que um belo cargo no serviço público pode proporcionar. Vai tocar fundo psicólogos, músicos ou arquitetos frustrados que passaram a vida carimbando papeis e dando andamento a processos.

Recomendo a peça especialmente aos jovens, que nem bem deram os primeiros passos na universidade e já estão preocupados em garantir a aposentadoria.

Fonte Catracalivre.com.br
Fonte Catracalivre.com.br

Memories

Sabe aqueles discos que marcaram demais a nossa vida e a gente reencontra depois de anos sem escutar? Pois é…Supertramp_-_Breakfast_in_America_(1979)

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