Rádio Difusora de Resplendor

Precisando saber quais emissoras de rádio existem no trajeto da ferrovia que liga Vitória a Belo Horizonte, abro uma lista com quase 50 delas.

Boa parte tem nomes modernos, tais como Mania, Geração e Atitude, o que deixa claro a opção pelo público jovem.

Mas entre tantas rádios, encontro uma que se chama Difusora, e olhando a lista, nenhuma nostalgia me parece mais tupiniquim do que uma emissora de rádio do interior chamada Difusora.

Ela fica na cidade de Resplendor, cuja localização não procuro descobrir no extenso território das Minas Gerais.

Independentemente de onde fica no mapa, Resplendor, com este nome, está certamente num lugar chamado nostalgia, em que, imagino eu, se o tempo não chega a parar, é bem mais lento, de modo que seja mais longo do que no resto do país.

Em Resplendor, é possível que vizinhas à Rádio Difusora estejam a padaria Nova Aliança, a Sapataria Irmãos Fernandez e a Elétrica Boa Esperança, marcas de um Brasil melancólico de si mesmo em época de globalidades.

E eu, bicho inteiramente urbano, sem muita noção das lonjuras brasileiras, vislumbro Resplendor no alto de uma serra repleta de curvas sinuosas. Essa hipótese me traz alento, e repentinamente, sufocado na cidade grande de calor, trabalho e angústias, meu desejo mais sincero é pegar o carro e acelerar nessas curvas, para ver todo o meu passado sumir no retrovisor e chegar em paz a Resplendor.

Microfone    Mantiqueira

Nostalgias

Nada mais brasileiramente nostálgico do que uma rádio de uma cidade do interior que se chama Difusora.

Microfone

Urbanidades

Calçada entre o Conic e o Conjunto Nacional, zona central de Brasília, uma hora da tarde.

O rapaz tira por um instante o saxofone da boca para descansar. Desde as dez está ali plantado, tocando. A seus pés, o chapéu espera moedas.

Uma velhinha passa e pergunta:

– Você é músico, meu filho?

Ele olha pra ela, em volta. O sol está com tudo.

– Não, minha senhora, sou açougueiro. Vai picanha aí, freguesa?

E naturalmente mostra o sax pra quem passa sem entender nada.

sax

 

açougueiro

“Você não gosta do vento,
prefere a janela fechada,
por que não despenteia o cabelo
não levanta a cortina
e a poeira não entra.
A poesia te assusta,
por que ela não é receita
bula
fórmula de laboratório,
não tem a exatidão palpável
do que é comprovável e comprovado,
do que dá segurança.
Os bares cheios te incomodam:
antes o silêncio dos hospitais
e a ordem dos quartéis.
As festas te assustam,
a música alta te exaspera.
Melhor a TV sem som
na sala escura
no fundo da noite.
A tua opção é a comodidade da morte
em vez do risco da vida.”

Agosto, 2014

casa fechada

Declaração de não-voto

Não me parece coerente com qualquer ideia de mudança e renovação a ausência de proposta para amparar legalmente aquilo que todo ser humano tem de mais valioso: a liberdade de escolher com quem quer se relacionar e viver.

O direito de amar homens ou mulheres deve ser respeitado como decisão de foro íntimo sobre a qual não cabe julgamento e muito menos condenação, mas que merece a segurança legal que o Estado deve a quem é cidadão de bem, cumpridor da lei e pagador de impostos. Independentemente de qualquer espécie de opção.

O reconhecimento a esse direito oficializa as novas faces da família, e família é o caminho contra a delinquência juvenil. Pode também ser o destino de muitas crianças que abarrotam os orfanatos, muita delas que, inclusive, por serem negras ou possuírem alguma deficiência, passam longe dos sonhos de muitos casais que formam a chamada família tradicional e bem aceita socialmente.

Mas o que mais me preocupa nem é que uma ideia de mudança não traga a previsão de leis assegurando legalidade ao que o coração de cada um determinou como escolha de vida. Meu alarme maior é em relação à religião se imiscuindo nisso que deve caber apenas ao estado. E não apenas interferindo, mas demonstrando que quer o poder e que se apronta para ser pilar de governo.

Isso não é uma declaração de voto.

É uma declaração de não-voto.

Sobre psicologia e o dia do psicólogo

Sempre olhei com desdém a psicologia e com desconfiança os psicólogos.

Na minha limitada cabeça de homem classe média nascido no subúrbio do Rio, terapia era coisa de madame mal comida de Ipanema e Leblon.

Quando pintava alguma neura, eu ia pro bar encher a cara com os parceiros de fé.

Até que as quatro paredes do meu mundo desabaram. O teto veio junto e o chão desapareceu sob meus pés.

Faltaram amigos, fé e todos os bares fecharam.

Chorando, bati à porta de um consultório.

É difícil olhar nos olhos a dor de ser o que somos e que não deveríamos ser, para o nosso próprio bem.

Mas é assim que vencemos a nós mesmos: nos olhando nos olhos, sem desviar.

E isso a terapia tem me ensinado, embora eu não seja mágico a ponto de já ter conseguido da noite para o dia e totalmente. Mas estou me esforçando, e, a cada dia, consigo me olhar de frente um pouco mais.

Assim como os poetas, os palhaços, os músicos, pintores, artistas que jogam malabares nos sinais, assim como as crianças, os psicólogos ajudam a humanidade a manter ao menos os níveis mínimos e toleráveis de sanidade mental.

Parabéns pelo dia de hoje!

psis

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