So lonely

1. O silêncio da casa, enfim, arranjou uma companhia: a tua ausência.

sozinho em casa

2. O meu lado da cama é o do meio

cama vazia[67]

Resenha – Histórias de Pai , Memórias de Filho*

Por Fernando Ramos

Confesso que quando adquiri Historias de pai, memórias de filho, livro recente do André Giusti, foi mais por admirar sua escrita do que pelo tema. Apesar de ser pai de um moleque lindo de oito anos, não era o tipo de leitura que me procurava atualmente. Ando mais afeito às histórias sanguinolentas e viscerais, como as fonsequeanas do que qualquer outro gênero. Entretanto, fui movido e instigado pela resenha de uma amiga grávida de seu segundo filho – talvez vivendo seu ápice de sensibilidade sentimental.

Tive duas perspectivas com Histórias de pai, memórias de filho. A primeira foi da leitura como um todo. Achava, presunçosamente, que não ficaria tocado, até me perceber em lágrimas contidas com histórias singelas, como em Janelinha. Ou de doce cumplicidade e bom humor ilustrado em Toca Raul. André contou essas e outras como se o ouvíssemos em um bate-papo intimista: por vezes se emocionando; em outras esperando o que virá; ou apenas rindo com o humor fino de seus contos. Foi inevitável lembrar de vários momentos de beleza e simplicidade com meu filhote, com meus pais.

A segunda perspectiva foi mais técnica, ligado às nuances do texto. Intrigou-me saber como seria a narrativa de André neste livro, pois pelo título, me parecia algo contido, autobiográfico. Mas estava tudo ali, como a destreza para cortar o desnecessário das histórias, retratado em O mais novo grande senhor do tempo. André, em uma linha, explica os motivos do personagem não usar relógio. Muitos teriam um trabalho hercúleo e desnecessário para contextualizar isso. Talvez usassem um, dois parágrafos, desvirtuando o enredo, perdendo o leitor de vista. Outro aspecto sempre marcantes nas construções frasais do André são as metáforas. Os paralelos traçados por ele são imaginativos. Leitores mais atentos verão a formosura dos detalhes e também entenderão como o autor transformou uma sensação intangível em algo palpável, que se ergue em nossa frente e evita o passar de olhos correndo pelas linhas do texto. Um exemplo é um trecho do primeiro conto do livro A primeira noite de um homem: “Para ver pela primeira vez o rosto mais amado de sua vida, sem jeito ele teve que desfazer um tanto aquele embrulho. Assemelhava-se ao faminto que precisa vencer a casca grossa da fruta até chegar à polpa.” Quem é pai logo se lembra perfeitamente do pequeno desespero, a ansiedade de querer ver logo o rosto de seu filho em um embrulho com mais pano do que gente.

Mas foi no conto A vida é linda, Carlos Alberto! que li, reli e grifei o mesmo trecho várias vezes. Nele, somos capazes de sentir a alegria em alvoroço do personagem em sua primeira viagem na adolescência, graças à conotação delicada: “Acima do tumulto, pairava a ânsia pela farra, e amarrada a ela, feito rabiola de pipa, uma sensação de que haveria sempre uma música no ar…”

É exatamente a sensação dessa analogia que fica da leitura: de dança delicada, suave flutuar, leveza fraterna dos momentos inocentes em família. Momentos que fazem de nós o que somos.

Ao terminar o livro, peguei o telefone e liguei para mainha, painho e depois para o meu filho. Disse que tinha um livro que eles precisavam ler um dia.

http://autorfernandoramos.com.br/ — com André Giusti.

*Conheça Histórias de Pai, Memórias de Filho na seção Livros do meu site

Exemplo

Chega a ser emocionante ver uma escola pública bem cuidada.

escola

O exemplo da foto é o Centro de Ensino Fundamental 01, da Cidade Estrutural, no DF, uma das áreas mais carentes junto à capital do país.

No último sábado – dia de descanso -, passei por lá, ao acaso, e, além dos funcionários, encontrei uma senhora que me pareceu ser da diretoria.

Será que isso tem a ver?

Pra encerrar, uma pergunta de retórica: será que não pode ser assim sempre, em todo o DF, em todo o Brasil?

Claro que pode. É só querer, porque o Estado pode, e pode muito dar educação de qualidade.

Estado sovina. Ou perdulário.

Tony Winston/GDF
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A Camerata José Maurício é uma orquestra formada por jovens e adolescentes que moram em São Sebastião, cidade do Distrito Federal, há cerca de 20 Km de Brasília. Não chega a ser das cidades mais pobres que rodeiam a capital federal, mas tem carências de infraestrutura, de escola, de saúde. Quando o assunto é arte e cultura, então, o vácuo aumenta. Se o público for os jovens, o que se oferece é o mais do mesmo que se encontra nas periferias brasileiras: ou nada ou bailes embalados pelo pastiche da indústria cultural.

Os integrantes da orquestra são jovens considerados pelas autoridades como aqueles de risco social. Porque, na ótica oficial, são pobres, sujeitos às tentações que a criminalidade pode oferecer. Portanto, a camerata é a chance de não virarem estatística (e é ainda um bem a nossos ouvidos, porque possuem qualidade musical).

Por trás da orquestra, há uma escola que ensina música clássica a cerca de 100 meninos e meninas, a partir dos nove anos. O maestro Kassai conta que uma das batalhas no momento é conseguir uma sede própria nesse Distrito Federal de tanta terra pública vazia e sujeita à especulação e à grilagem.

Mas a maior briga, segundo o maestro, é conseguir R$ 100 mil de uma emenda parlamentar na Câmara Legislativa para que no ano que vem a escola possa pagar professores e comprar instrumentos. É dinheiro que significa a sobrevivência da escola no ano que vem, ano da Copa, que já sugou mares de dinheiro público em estádios de custo benefício social discutível. É dinheiro que significa manter aberta uma chance na vida para centenas de jovens que, normalmente, desconhecem justamente essa expressão: chance na vida.

No mesmo DF, administradores públicos foram afastados por gastarem, numa única noite, R$ 600 mil com cachês em shows gratuitos que certamente nada acrescentaram culturalmente à população, mas apenas a pretensões eleitorais deles próprios.

Se o Estado fosse uma pessoa física, R$ 100 mil para ele seriam como R$ 10 na carteira, esmola para o almoço de um faminto ou a passagem de ônibus de quem não tem como voltar pra casa. Mas o Estado é um sujeito que prefere gastar R$ 500 num jantar para amigos.

Toalha seca, lembrança de mãe

toalhas

Brasília tem fama de ser uma cidade seca, e é, principalmente entre julho e setembro.

Mas há um lado chuvoso de Brasília que o país não conhece tanto. De novembro a fevereiro, as torneiras celestes são abertas e algumas corriqueiras tarefas ficam difíceis de serem executadas.

Secar roupa é uma delas.

Sabe-se lá o motivo, mas sempre estendi, dobrada, a toalha de banho no secador, pondo as duas metades pendendo para baixo, divididas no alto pelo varal.

De manhã, a toalha usada na noite anterior não estava seca; à noite, a usada pela manhã, muito menos.

Quantas vezes, por causa deste detalhe besta a me infortunar a rotina doméstica, mal disse os dias chuvosos e a umidade pouco conhecida deste Planalto Central.

Até que semana passada, lembrei-me que minha mãe estendia as toalhas sem dobrá-las, presas nas pontas por pregadores.

Foi o que fiz, num dia em que choveu do fim da tarde ao amanhecer.

E a toalha secou, inocentando a chuva, condenando minha pouca capacidade para acertar macetes domésticos.

Logo depois, sentindo o prazer do tecido enxuto na pele molhada do banho, pensei em quantas vezes dancei nas curvas da vida porque não tomei os caminhos que a minha mãe, até sem perceber, me disse para seguir.

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