Gasturas jornalísticas

1.

Vou propor aos poucos parlamentares que conheço que apresentem emenda proibindo colunistas políticos de usarem a expressão “ainda tem muita água para passar debaixo dessa ponte”. Não sei vocês, mas o rio da minha paciência secou com esse chavão, que tem a pretensão de simpático/popular/engraçadinho.

2.

Cada dia menos entrevistados dizem, informam, alegam, argumentam, rebatem, esclarecem, explicam, garantem…e por aí vai. Cada dia mais, todos só afirmam. Até as coisas mais banais, que não merecem a força desse verbo, são afirmadas, como se, dentro da riqueza vocabular da língua portuguesa, não houvesse uma lista considerável de verbos a serem empregados quando alguém usa um dos principais instrumentos da comunicação humana, que é voz.

3.

E enquanto as águas passam debaixo da ponte e todos afirmam, os doentes seguem internados e o trânsito segue parado. A julgar pela ideia de movimento que o verbo dá, os doentes não devem estar tão mal nem o trânsito tão ruim assim.

gastura

Leituras compartilhadas

Nas últimas horas, li duas coisas que me pegaram de jeito. São aqueles tipos de texto que vêm exatamente ao encontro do que você pensa e da maneira como você vê a vida, ao menos na atualidade.

O primeiro é da jornalista Conceição Freitas, do Correio Braziliense. A morte não é apenas um estágio do corpo, ela diz, em linhas gerais, e ilustra sua crônica com Clarice Lispector: “Eu não me mato enquanto eu não morrer”.

As palavras me lembram duma recente época da minha vida em que eu perdia minhas noites tentando aprender raciocínio lógico, algo totalmente contrário à minha natureza, e alcançar esse sonho extremamente brasiliense, povo para quem, às vezes, parece não haver vida nem felicidade possíveis fora do serviço público.

Compartilho.

O outro texto li no feicibúqui e é creditado a Mirella Floren. É voltado às mulheres, mas é oportuno que os homens leiam, pois nos liberta – todos nós, homens e mulheres – dessa sociedade irritantemente asséptica, que parece avessa a nossos instintos naturais, pois a maior preocupação depois que transa, por exemplo, é correr para tomar banho.

Compartilho também.

Boa leitura!

http://impresso.correioweb.com.br/app/noticia/cadernos/cidades/2013/10/10/interna_cidades,101892/cronica-da-cidade.shtml

http://eupodiaestarroubandopodiaestarmatando.wordpress.com/2013/10/09/a-beleza-da-buceta/

Cidades

Acho que só serei geograficamente feliz por inteiro quando puder dividir meu tempo, em partes exatamente iguais, entre Brasília e Rio de Janeiro.
BrasíliaRio_de_Janeiro_night - Cópia

A culpa é da cobra

Cobra

1.

Reportagem exibida hoje, 8, em um jornal local de televisão, informa sobre um bairro em uma cidade próxima a Brasília, em que as cobras – e outros bichos – estão invadindo as casas. Citam o exemplo de uma cascavel que apareceu debaixo de uma geladeira.

Com disfarçado sensacionalismo, a reportagem destaca o pavor dos moradores e as imagens das cobras, principalmente delas, que causam mais impacto na audiência.

Para quem não sabe, o Distrito Federal é um dos campeões nacionais de irregularidades fundiárias. A matéria não diz que por aqui invadiu-se e grilou-se o cerrado virgem para construir condomínios, alguns de luxo, sem qualquer planejamento urbano e muito menos ambiental. Em outras palavras, construiu-se com voracidade e pouco caso com a natureza.

Mas é claro que a culpa é das cobras.

2.

Outra reportagem exibe operação da Polícia Militar reprimindo o tráfico de drogas.

Chama atenção a inteligência da estratégia. Escondidos em caminhões de mudança, os policiais filmam todo o movimento dos traficantes e os prendem em flagrante, saindo de surpresa do baú do caminhão.

Entre os presos, apenas rapazes de periferia, pobres todos, negros em sua maioria. Vão se entender com a Justiça, que é o correto.

Mas, ao final da reportagem, me passa pela cabeça se a PM adotaria a mesma estratégia, entrando escondida num caminhão de um bufê de luxo, por exemplo, nas festas nos Lagos Sul e Norte – bairros nobres de Brasília – em que há venda e consumo liberado de drogas.

* * *

  • Hoje, 8/10, autografo Histórias de Pai, Memórias de Filho e Voando pela Noite (Até de manhã) , no Martinica Café, 303 norte, 19h30

Simple sensation

Esse perfume de toalha limpa
me levando não sei exatamente
a que outra tarde de sábado,
a não sei muito bem quando,
a não sei ao certo onde.
toalhas

Esse talento nato pra disfarçar a própria responsabilidade

O Detran do Distrito Federal prorrogou o prazo para que as pessoas peguem o certificado de licenciamento do veículo, aquela papeleta verdinha sem a qual, se te pegarem na blitz, seu carango sai guinchado direto pro depósito.

A prorrogação foi necessária porque as filas estão imensas, já que muita gente, para pegar o documento, tem que pagar o IPVA e uma ou outra multa. Às vezes, várias.

Só que todo mundo sabe que todos os anos o procedimento é o mesmo: pra pegar o documento, tem que pagar o que deve, e se estiver sem o documento, o possante dança no reboque.

Desde o início do ano, o prazo para acertar a situação está valendo, mas ao brasileiro só se aplicam três leis universais criadas por ele mesmo: a da vantagem, a do jeitinho e a da última hora. Conclusão: filas e mais filas, atendimento sobrecarregado, funcionário público estressado, computador dando pau e a imprensa, sem qualquer senso crítico, fazendo a festa com a gritaria daqueles que tiveram o ano inteiro para resolver a pendência.

Não morro de amores pelo Detran-DF, e inclusive acho suspeita a falta de satisfação à sociedade sobre a grana preta que se arrecada com as multas de pardais , que no DF estão de 100 em 100 metros.

Mas há muito perdi a paciência para essa postura do povo de posar de vítima quando a culpa, na verdade, é toda dele.

chora

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