O lixo do passado

Os anos 1980 foram tempos de intensa e valorosa produção musical. Quem viveu a época sabe bem disso.

O vigor pode não ter sido o mesmo dos anos 60, nem o virtuosismo igual ao da década seguinte, mas foram dez anos em que se consolidaram bandas como U2, The Police e Dire Straits, me restringindo às mais conhecidas e à seara que domino – o rock. Isso sem falar das que brotaram do movimento punk e daquilo que se chamava à época de movimento dark, algo muito mais ligado à vitrine de butique do que à música propriamente dita.

Por aqui tínhamos o Rock Brasil, um dos mais importantes movimentos da música brasileira (foi sim, senhor! Por que não?) e na MPB nossos medalhões ainda mandavam muito bem: Caetano, com Podres Poderes; Gil, com Tempo Rei, Chico, com Vai Passar e Milton, com Caçador de Mim.

Mas como em toda época, a indústria cultural também produziu seu lixo.

E eis que recebo mais um convite para uma “Festa anos 80”. Nunca me entusiasmei com esse tipo de evento, e já desconfiava por que. Na última, soube que tocaram Lua de Cristal e Konga Konga. Cristalizei, então, minha convicção de que jamais irei a uma festa que reviva – de forma equivocada – o embalo da minha geração.

Talvez quem organize essa festa fosse bem criança – ou nem nascido era – na década de 80 para saber que se esse tipo de música tocasse em uma festa, o DJ seria apedrejado.

Mas talvez a intenção seja a mesma que há em relação à música de agora: valorizar o ruim, o grotesco.

Mas não é necessário trazer para agora o lixo dos anos 80. A década de 2 mil produziu e a atual o produz em boa quantidade.

Em tempo: se houver, não me chamem para nenhuma festa dos anos 90.

A ameaça de uma ditadura religiosa

Talvez exista mesmo em curso uma ameaça à liberdade de expressão, mas que não parte da intenção de se estabelecer um marco regulatório da comunicação, como prega a paranoia dos mandatários da mídia.

Penso que é mais preocupante a Proposta de Emenda Constitucional que estende às entidades religiosas a prerrogativa de propor mudanças na Constituição.

Isso ameaça o estado laico, muro importante que nos separa de algo que foi crucial para o atraso da humanidade: a interferência da igreja no estado, ou em alguns casos, a submissão deste àquela.

E quando digo igreja, não me refiro a nenhuma religião específica, mas às religiões como um todo, como pensamento político e único viés de se interpretar os fatos, a sociedade, a vida.

Católicos e evangélicos estão praticamente dividindo as opções religiosas dos brasileiros. Contudo, estes últimos me parecem mais empenhados e fervorosos na propagação de sua crença. Como conheço vários evangélicos – e também católicos – cuja lucidez não se ajoelha perante a fé, tenho esperança de que haja, dentro dos próprios templos, reação ao enfraquecimento da laicidade do estado.

Do contrário, enxergo mesmo a possibilidade de uma nova ditadura se estabelecer no país, não a partir de um golpe deflagrado em determinada data, como foi 31 de março de 1964, mas aos poucos, dia após dia, na escalada de um pensamento calcado no fundamentalismo se infiltrando nos parlamentos, nos tribunais de Justiça, nos palácios do executivo, descartando qualquer um que lhe seja contrário. E aí, não apenas a liberdade de expressão estará ameaçada, mas o próprio Estado de direito.

Sobre mercados e padaria no feriado

Não quero parecer um tirano trabalhista, mesmo porque não sou, mas não concordo com essa história de supermercado não abrir aos feriados.

Com a vida corrida de hoje em dia, falta tempo para se comprar na véspera o que se vai precisar no feriado. Aliás, falta cabeça pra lembrar um dia antes que o supermercado não vai abrir no feriado. Talvez a melhora do poder aquisitivo do brasileiro seja outro argumento convincente.

Alguém dirá que os funcionários merecem descansar. Claro, para isso existe regime de escala: uma equipe trabalha num feriado; a outra, no seguinte. Essa é a rotina de diversas profissões. Sempre trabalhei ou no natal ou no ano novo; ou no carnaval ou na semana santa. Sobrevivi. O público de certos ramos de atividade exige isso. Quem sabe já não seja o caso dos clientes dos supermercados. Certamente haveria movimento que justificasse a abertura e compensasse o gasto com as horas extras que os donos precisariam pagar, pois, é claro, eles não abrem as portas porque pensam no descanso dos empregados.

Provavelmente há um acordo coletivo determinando os feriados em que os supermercados devem fechar, porque me parece que em alguns eles funcionam. Mas se há esse acordo, por que ele não vale para as padarias? Por acaso as moças que trabalham nos caixas das “padocas” são diferentes das colegas do Pão de Açúcar ou do Carrefour?

O fato é que as padarias estavam um inferno no fim de tarde deste primeiro de maio. Os desavisados feito eu tiveram que enfrentar filas homéricas por causa de alguns pães franceses e uns 200g de muçarela. Sem espaço, me acertaram umas cinco vezes com aquelas baguetes de quase um metro.

Perdem os funcionários das padarias, que além de não folgarem, ainda trabalham o dobro, já que dobra o movimento, e perde o consumidor, que enfrenta a fila e o mau atendimento.

Se é pra fechar, que feche tudo, então. E os desavisados feito eu que se programem melhor.

O templo de homens iguais (Ou o Maraca era nosso!)

Qualquer carioca que se preze possui ao menos uma história pessoal sobre o Maracanã. Nem que seja apenas sobre a chegada de Papai Noel no helicóptero.

O historiador e poeta Henrique Miranda, tricolor além de tudo, lembra o dia em que um chutão mandou a bola na geral e um torcedor a matou no peito, aparou-a no pé e aplicou o drible do elástico no PM que veio em cima dele tomar-lhe a pelota.

Eu coleciono dezenas de histórias, tais como uma decisão entre Flamengo e Vasco a que assisti em pé no último degrau da arquibancada. Por causa de tanta gente também em pé a minha frente, quando o Flamengo atacava eu esticava o pescoço pra direita para conseguir ver o lance. Quando defendia, eu fazia o movimento inverso.

Mas nenhuma de minhas histórias pessoais com o Maracanã traduz tanto o que era o espírito do velho estádio quanto a do Fla-Flu em que o lateral direito Leandro empatou aos 45 do segundo tempo.

Ele pegou de primeira um chute da intermediária, que bateu na trave, na nuca do goleiro do Fluminense (Paulo Victor) e caiu alguns centímetros para dentro, além da linha do gol. Naquela noite, pensou-se pela primeira vez que o gigante de 200 mil pessoas viria abaixo.

Eu não me lembro do estádio balançando, como disseram, tudo porque eu e um vendedor de mate nos abraçamos chorando, unidos naquela que é uma das mais sinceras alegrias masculinas: o gol do time pelo qual se torce. Ele gritava, perdendo a voz: porra, russinho, o Mengão vai me matar!

Era isso o Maracanã: um negro sem instrução e um branco prestes a entrar na universidade abraçados como os seres iguais que realmente são.

Era muito mais que um estádio de futebol, era um templo de homens iguais.

O Maracanã de hoje, mostrado semana passada, é bonito, é moderno, é funcional.

Mas, pelo que parece, roubaram-lhe a alma e a democracia.

Sobre adoção por casais homossexuais

Conheci um garoto na época de colégio que aos quinze anos flagrou o pai transando com a empregada na cama em que dormia todas as noites com a esposa, mãe do menino.

Pode-se imaginar que tipo de entendimento ele tenha hoje, homem maduro, quanto ao que seja respeito num relacionamento homem-mulher. Ou talvez, quem sabe, o trauma que a cena tenha lhe provocado o fez optar pela lealdade e pela honestidade no namoro, no casamento.

De qualquer modo, sua cabeça não deve ter atravessado incólume o choque ao longo da vida.

O casamento perdurava ao menos até a época em que éramos colegas de escola, afinal, na época, a aparência de família unida e feliz valia mais do que a união e a felicidade verdadeiras.

Outra vez, ouvi de uma delegada de polícia que as mulheres ricas têm resistência a prestar queixa quando apanham do marido. E não se separam. “Não é só por causa do padrão de vida, é por causa do que vão dizer a famílias, os amigos, a sociedade”, ela me explicou. “Então, fica a todo mundo junto, na mesma casa, vivendo o inferno?”, perguntei. Ela fez cara de sim, pois é.

Não consigo enxergar no que a adoção de uma criança pobre, sem lar, sem perspectiva na vida por um casal gay possa ser mais prejudicial do que a criação com bases em infidelidade, desrespeito e violência conjugal de um casal hetero, dentro dos conformes da padronização social.

Quem tem filhos – e mesmo quem não tem pode imaginar – sabe que as demonstrações de amor, afeto e respeito dentro de uma casa vão ajudar a construir a personalidade dos futuros adultos, estarão presentes na forma como se relacionarão e tratarão as pessoas.

É difícil aceitar, e difícil de compreender quem aceite, que a existência desses três elementos – amor, afeto e respeito – esteja condicionada à opção sexual.

Vinho e futebol descalço

Uma das coisas que mais me chamaram a atenção na Itália foi a relação simples e quotidiana das pessoas com o vinho.

No país que é um dos principais produtores do mundo, vira-se em um copo de plástico uma pequena garrafa de 375 ml (ou até menor), para se acompanhar um panino (tipo de sanduíche), os dois vendidos em um trailer fuleiro, igual aos que aqui existem em beira de praia.

É um momento desprovido de qualquer solenidade ou aparato, e nem por isso isento de delícia.

Se fôssemos comparar com algo no Brasil, arriscaria aquelas peladas jogadas por meninos descalços em campos de terra ou mesmo no asfalto, e que só terminavam quando a mãe de cada um vinha buscar pela orelha o respectivo filho.

De uns vinte anos para cá, o brasileiro, que historicamente só tomava pinga e cerveja de qualidades discutíveis, começou a aprender sobre os prazeres do vinho, mas parece não ter aprendido que não necessariamente a bebida merece pompa e circunstância. E na maioria dos casos, excetuando quem realmente estudou sobre a bebida, a simplicidade prazerosa de uma garrafa aberta acaba se perdendo numa encenação que tange as raias do ridículo: muita mão mole rodando taça de cristal, muita fungada na borda da taça, muita impressão descabida, assemelhando-se a delírio – certa vez ouvi que determinado vinho era reticente (?).

Milênios nos distanciam da cultura e do conhecimento que os europeus detêm sobre o vinho, tão acima da ideia rasa de que “se é caro é bom, se é relativamente barato é ruim”.

Portanto, longe de ser qualquer culto à bebida, esses gestos e trejeitos estão bem mais próximos da ostentação, do esnobismo, emblemas de uma camada da classe média que ascendeu socialmente devido à conjunção de seus méritos com a conjuntura econômica do país nas duas últimas décadas.

É como se os moleques que jogavam descalços na terra e no asfalto passassem a jogar, de uma hora para a outra, apenas em gramado perfeito e com chuteiras da Nike.

Sobre bolinhos, biscoitos, cakes e cookies

Anos atrás, parei em um quiosque num shopping do Rio e pedi, apontando a estufa:

-Me dá um bolinho desse, por favor!

Por acaso, quem me atendeu era a própria dona do quiosque. Olhou-me com ar ofendido e rebateu:

-É um brownie!

Não perdi a oportunidade:

-Pois pra mim, pelo menos na cara, é igual ao bolinho que a padaria lá perto de casa faz. E se bobear, no sabor, perde.

Fui embora sem comer.

Pelo que lembro, o tal bolinho do Tio Sam estava chegando por aqui, e, mais do que comê-lo, o chique era enrolar a língua para falar seu nome, provando que o dinheiro no cursinho de inglês fora bem empregado.

Agora, a moda são os cupcakes e os cookies.

-Me dá três bolinhos desses, por favor! Quanto custa esse biscoito? – peço e pergunto quando estou com minhas filhas, já que atualmente, por causa da glicose rebelde, sozinho nem passo perto de lugares que vendem doces.

-Pai, é cupcake, é cookie. – e as duas mais velhas me corrigem. Como ainda são pequenas, não chamam de “mico” a defesa paterna da Língua Portuguesa (eu que me prepare para a adolescência).

-É bolinho e é biscoito.- retruco e elas aceitam, pois o que importa mesmo é que eu compre e elas se lambuzem.

Me advertiram de que nos EUA provavelmente chamam tapioca de tapioca mesmo, o que, numa espécie de reciprocidade linguística, nos deixaria à vontade para usar os cakes. Respondo que a diferença é que os nomes das gulodices deles podem ser traduzidas para o português, ao passo que nossa tapioca não (e será que eles já viram alguma vez tapioca por lá?.

Acho que palavras estrangeiras cabem no nosso dia a dia, sem problemas, desde que não tenham tradução. E para me manter nos âmbitos do inglês e da culinária, um bom exemplo seriam os sanduíches. Pelo que eu saiba, não existe nem no vocabulário nem em nossa cozinha algo igual aos burgers. É o caso de tantos pratos italianos, que chegaram por aqui sem similares em nossa mesa e, por isso também, sem tradução para o português.

Mais do que isso, usar o inglês quando existe a possibilidade em português e esta torna o entendimento até mais fácil, me parece colonialismo barato, servilismo, desonra.

E se acham que estou politizando demais o assunto, mudo o discurso: é babaquice mesmo!

Sobre câncer de mama

Sem ter há anos notícias sobre uma velha companheira de trabalho, sou surpreendido por uma mensagem na rede social pedindo corrente de orações por ela.

Logo em seguida, fico sabendo que está na UTI de um hospital no Rio, perdendo a batalha para o câncer de mama.

A imagem da companheira risonha e dedicada à profissão vai sendo roubada, então, aos poucos, por uma doença que mata cerca de dez mil mulheres por ano no Brasil, geralmente acima dos 35 anos.

Não sei se o caso dela é de descuido, diagnóstico errado em algum momento ou qualquer fator genético que a tenha jogado nos braços de uma doença cuja prevenção começa com o autoexame.

Mas sempre que se toma conhecimento de um caso, vem o ímpeto de cuidar para evitar outros.

A ditadura da beleza a qualquer preço empurra as mulheres para academias e centros de estética, ditando como fundamento do bem estar o corpo malhado, a magreza, o seio empinado, as pernas firmes, o bum bum esférico e endurecido. Poderiam aproveitar a força que possuem e conscientizarem as mulheres sobre o câncer e seus periféricos, como o HPV, por exemplo. Prestariam  serviço à beleza, mas principalmente à vida.

De que adianta ginástica, dieta, escova no cabelo, roupa da moda, silicone aqui e ali e pele esticada se a mulher não cuidar do inimigo invisível que pode estar agindo dentro dela, sem que ela perceba?

Mães, esposas, namoradas, amantes, filhas, amigas! Não têm importância a ruguinha no rosto, a bundinha mais caída, o peitinho mais embaixo, a estria que escapole do biquíni.

Nós não queremos vocês perfeitas!

Nós queremos vocês vivas!

Ao nosso lado!

Os limites da TPM

Escrevi outro dia sobre isto: idosos que, por causa da prerrogativa justa que possuem de ter preferência, não se acham no dever de dizer ao menos obrigado quando lhes cedemos o lugar no transporte público ou a passagem no elevador.

Nenhum direito nos desobriga da educação.

O mesmo vale para manifestações físicas e seus “mau estares”.

Explico.

Dor de cabeça, de estômago, de dente ou seja lá do que for, também não são passaporte para o destrato em casa, no ambiente de trabalho, na rua.

A não ser que haja um cartaz em seu pescoço avisando, ninguém é obrigado a saber que você está passando mal.

Tente ser delicado e informe: desculpa, mas eu não tô legal.

Mas aonde eu quero chegar mesmo é na tensão pré-menstrual, cuja sigla – TPM – é tão famosa quanto INSS ou FBI.

Deve ser barra pesada o infortúnio que certas mulheres vivem todos os meses. Eu não tenho ideia, nasci homem nessa encarnação.

Mas às vezes me parece que há um consenso velado de que mulher na TPM tem direito a tudo em termos de comportamento, de relacionamento com o próximo.

É como se aceitássemos a ideia de que se fulana tá na TPM, pode xingar, escorraçar, ser grossa, estúpida, deixar a educação em casa. Afinal, são os hormônios. O mundo que tenha compreensão e abaixe a cabeça para as alterações dos hormônios femininos.

Desculpem, mas não acho que deva ser assim.

Se um dia eu tiver um problema qualquer e não conseguir mais ereção, não acho que deva sair por aí cuspindo farpas, pregos e tachinhas.

Perdão, querida, eu não tenho culpa se você nasceu mulher.

Sobre gente, cães e gatos

Nada contra quem se preocupa com cães, gatos e demais espécies.

Eles precisam de carinho, cuidado e respeito.

Francisco de Assis foi um dos maiores vultos da humanidade também pelo seu amor para com os animais.

São válidas as postagens sobre cães e gatos que precisam de adoção, embora ache inteiramente dispensáveis as fotos desses animais macerados ou mutilados pela bestialidade do bicho homem.

Mas em um momento em que recrudesce, chegando às raias do ódio, o debate sobre a redução da maioridade penal, talvez estejamos perdendo uma oportunidade de falarmos um pouco mais sobre adoção nas redes sociais. Adoção de seres humanos, diga-se de passagem. Adoção de crianças que, não obstante a família desestruturada, podem se tornar adultos de bem, voltados para o amor e a paz, distantes da criminalidade.

Existem diferentes formas de adoção, que não se limita a ir no juiz e pedir para ser pai e mãe daquela determinada criança, levá-la para casa, inseri-la na família e apresentar pra todo mundo: “Essa é minha filha ou esse é meu filho”. Em alguns casos, acompanhar uma criança em um orfanato, cuidando de sua vida escolar, ou simplesmente dando-lhe amor e carinho, não é pouca coisa, e não sendo pouca coisa, é muito mais do que nada, do que a omissão.

É claro, bichos dão trabalho, mas ser humano dá mais, pode não querer comer quando você manda, não estudar quando é hora, chegar em casa bem depois do combinado. Ser humano pode não obedecer; ser humano, depois de uma idade, diz que você não manda nele; ser humano pode te decepcionar, te magoar. Mas o mundo só vai melhorar se o ser humano for melhorado, e a infância é uma ótima idade para se melhorar as pessoas.

E pessoas melhores cuidam melhor de cães, gatos e bichinhos de uma forma geral.

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