As estranhas réguas do tempo

É difícil, em um início de ano, fugir de qualquer reflexão sobre o tempo, sejam as banais os as que requerem maior engenharia.

Comecei minha vida profissional trabalhando com pessoas nascidas nos anos 40 e 50, ou até mesmo mais velhas, com idade para serem meus pais.

Minha geração, nascida nos anos 60, saiu da universidade, consolidou-se no mercado e viu chegar os filhos da década de 70. Mesmo que ainda não fosse tanta, já possuíamos alguma experiência para passar a eles.

Quando o novo século entrou, as pessoas que nasceram nos anos 80, portanto na minha adolescência, apareceram para ajudar nossa adaptação à reviravolta tecnológica do planeta. Ao lado deles, compreendemos, de uma hora pra outra, que fax e CD estavam obsoletos.

Dez anos se passaram e eis que, duas semanas atrás, pouco antes do natal, a estagiária pega e me conta que nasceu em 1994. Fiquei calado observando os movimentos ágeis de seus dedos na tela do smartphone, pensando como é possível que alguém que nasceu em 1994 já esteja aqui, ao meu lado, trabalhando, aprendendo o meu ofício. Aliás, como é possível que alguém tenha nascido em 1994 e já tenha idade para ser minha filha?

O tempo nos oferece estranhas réguas para medirmos o quanto ele passa.

E o quanto estamos envelhecendo.

Problema meu, problema dele

Quando cheguei no estacionamento, vi que ele passava na calçada, há uns dez metros de mim. Virei de costas para entrar no carro e pressenti que ele se aproximava por trás. Vinha devagar. Pelo barulho dos passos parecia cansado, sem oferecer qualquer perigo.

-Moço! Ele me chamou.

Para os pedintes, somos sempre moços ou moças, independentemente da idade que tenhamos. Olhei-o de frente. Vinte anos mais velho que eu, no mínimo. As roupas não eram novas, mas ainda eram apresentáveis. Usava um relógio e um anel, que me pareceu mesmo de um metal qualquer sem valor.

-Eu to pedindo pelo amor de Deus para encontrar alguém que me pague um café com leite e um pão com manteiga. Não como nem sei desde quando.

Brasília, nesta época do ano, fica lotada de pedintes profissionais. Vêm da Bahia, de Minas, de olho nas gorjetas dos que vivem na ilha da fantasia. Mas lá, onde moram, muitos que aqui pedem têm casa, comida, não lhes falta nada, ao menos do básico.

-Eu to com vergonha, moço! Acredita! Com vergonha e com fome, nem sei com qual das duas eu to mais. – e começou a chorar. Parou quando pedi que se acalmasse

Eu não tinha nenhuma razão para acreditar naquele homem. Muito menos para duvidar.

Peguei uma nota da carteira, um valor que desse, no mínimo, para um café da manhã mais ou menos.

Ele pegou o dinheiro e baixou o rosto. Se realmente estava com vergonha, talvez fosse ela que pesasse em sua cara. Voltou a chorar. “Essa gente é artista, cara, não acredita não”, me disse uma vez um policial.

Eu disse vai em paz, e ele foi, pedindo a Deus que me abençoasse.

Se ele mentiu, o problema é dele.

Se falou a verdade e eu podendo ajudar houvesse negado ajuda, o problema seria meu.

Ainda de luto

Eu não tenho feicibúqui nem blog apenas para fazer piada sobre o fim do mundo. São espaços de discussão e reflexão, mesmo que  eu passe por chato sendo insistente.

Meu luto pelas crianças mortas no colégio nos EUA permanecerá por mais algumas horas, para completar os três dias regulamentares, ainda mais depois da informação de que as vítimas foram executadas à queima roupa, situação em que não há nem a chance de correr. Principalmente quando são inocentes. Principalmente quando são crianças.

A sociedade norte-americana retoma a discussão sobre o desarmamento. Dizem que lá é bem mais fácil conseguir um trabuco e, se for o caso, dar uma de besta-fera e cometer uma insanidade. Aqui parece que a lei é mais severa. Mas em se tratando de Brasil, sabemos que se a lei aperta, a fiscalização afrouxa.

Lá, eles precisam discutir não apenas o desarmamento, mas também o papel de xerife do mundo que se sempre avocaram para si. O atirador matou inocentes. As forças armadas deles fazem o mesmo desde a segunda guerra, em nome de uma democracia que na verdade é o apelido dos interesses da Casa Branca.

Aqui, além do próprio desarmamento, precisamos que ele seja aplicado de maneira eficaz, já que nossos inocentes também morrem por causa da arma (clandestina ou legalizada, tanto faz) que o pai ou outro parente qualquer guarda engatilhada e não tão bem escondida no fundo do armário.

Essa reflexão pode começar com as seguintes perguntas: você é policial? Você é segurança particular? Você é militar? Então pra que precisa de arma?

O caminho do analista

Muitas vezes é difícil conversar com quem amamos.

O desejo de pais, irmãos e amigos de nos verem bem, ao largo de qualquer problema e dificuldade, faz com que nem sempre sejam eles pessoas certas para desabafarmos, contarmos os motivos daquilo que justamente nos fez procurá-los na busca de apoio.

O afã de nos tirarem da enrascada lhes rouba muitas vezes o que mais queríamos quando batemos à suas portas: ser escutados.

Nem bem desenhamos a confusão em que nos metemos, e já despejam suas experiências de vida, seus conselhos que, pelo que parece, se logo aplicados, nossos dias voltarão ser azuis.

“Veja só o meu caso”, “Seu eu fosse você”, “Você precisa entender que”. E as frases prontas vão se encadeando na conversa de tal forma que, quem olhar de longe, pensará que eles é que precisavam soltar a voz, dissolver aquele bolo angustiado que fica virando dentro da gente quando as coisas não vão bem. No final, agradecemos pelo carinho, pela preocupação, e voltamos pra casa do mesmo jeito que ali chegamos, sem nosso desabafo. A única diferença é que além da cabeça, os ouvidos também estão cheios.

E aí, buscamos o caminho do consultório do analista. A gente paga, mas pelo menos ele fica calado escutando.

Genialidade e perfeição

Dentro da Catedral de Brasília, entramos em contato com um mundo de harmonia entre forma e luz. É como se naquele local de oração, não obstante ser um ponto turístico, recebêssemos a iluminação dos próprios anjos.

Sensação contrária advém dos corredores subterrâneos do Congresso Nacional, principalmente o corredor que liga às comissões ao anexo dos gabinetes na Câmara dos Deputados. Ali, a impressão é a de que estamos em uma mina de carvão acarpetada, onde é impossível ter a mínima idéia se o dia é de sol ou de tempestade lá fora.

Quem trabalha nos Ministérios nas salas viradas para o leste, ou seja, para o nascer do sol, tem a visão privilegiada do céu de Brasília e do Lago Paranoá. Entretanto, nas salas viradas para o oeste, torra-se a tarde inteira sob o sol do Planalto Central, especialmente na inclemência da seca do meio do ano. E aí, haja eletricidade para sustentar o ar condicionado.

Os Palácios da Alvorada e do Planalto detém um conjunto perfeito de concreto, vidro, luz, espaço e ventilação, pelo menos na maioria de seus ambientes. Já o espaço do Museu da República, com seu enorme piso externo de concreto, sem uma árvore sequer, chega a ser impiedoso com o morador de uma cidade que em boa parte do ano é árida e precisa da caridade do verde.

Não me parece, então, que genialidade seja perfeição a todo momento. Mas não é porque os gênios não são perfeitos que não podem ser considerados gênios.

Quem critica Niemayer, não deve manter os olhos apenas onde a genialidade não chegou à perfeição. O reconhecimento mundial ao trabalho do arquiteto talvez signifique que ele a tangeu na maioria das vezes.

E quem o considera gênio, aceite as críticas justamente por isso: genialidade não é exatamente perfeição, pelo menos não sempre.

Qual o sentido?

Quando olhei, o sujeito do carro ao lado almoçava enquanto o sinal estava fechado. E ele era o motorista.

Simples assim: almoçava enquanto o sinal estava fechado.

Quando abriu, naturalmente ele pôs o pequeno prato de plástico no banco do carona, engatou a primeira e saiu com o carro. No próximo sinal fechado, continuaria almoçando.

Eu, que ainda não havia comido nada, me perguntei qual a necessidade daquilo. Será que quando mostramos ao mundo que não nos importamos nem mesmo conosco, passamos a imagem de que somos mais eficientes, mais produtivos?

E produzir em nome de quê? Para quem?

Fomentar, às expensas de nossa saúde, o tal do PIB que nunca nos traz, verdadeiramente, a justiça social, mas apenas dados de ingresso de tais e tais no mercado consumidor?

Enriquecer quem? Os mesmos que enriquecem, sem dividir, há mais de 500 anos?

Não falo de uma ou outra ocasião. Todo mundo, algum dia, precisou almoçar pão de queijo e coca-cola enquanto dirigia. Falo de um modo de vida doente, que há algum tempo a sociedade decidiu (em nome de que interesses?) adotar como normal e eficiente, como se querer almoçar sossegado e sem tanta pressa fosse coisa de vagabundo.

Quando não perdemos nada demais

Afastado da imprensa diária há pouco mais de dois anos, pouco tenho visto os telejornais, especialmente os da manhã. Confesso que, embora precisasse assisti-los mais, não tenho sentido muita falta.

Por causa de uma situação que me exigiu, além de chegar cedo, duas horas de espera numa sala, voltei aos tempos de telespectador matutino.

De cara, deparo com a reportagem sobre a liberdade de Carlinhos Cachoeira. Após triviais explicações sobre os motivos de o bicheiro voltar a respirar ares de liberdade, a matéria corta para a meteórica “entrevista” da mulher do contraventor.

Achei que os repórteres já não conseguissem mais ser tão óbvios e patéticos em suas perguntas. Mas eles são. À estonteante loura é perguntando tão e somente se ela está feliz e o que ela vai dizer para ele. Nada, absolutamente nada de uma ousadia do tipo “como a senhora se sente com ele sendo libertado mesmo condenado pela Justiça por corrupção?”

A pergunta parecia uma poltrona reclinável, tamanho conforto ofereceu à louraça que pode ser considerada a primeira dama do (esse sim) maior escândalo de corrupção dos últimos tempos. Ela, dona dos holofotes, responde radiante que está muito feliz e que ama muito o marido (ou ainda é noivo?), que por coincidência negligenciada na matéria, é o mesmo que fez um senador e um governador de fantoches.

E ela responde como se fossem inocentes, como se alguma cruel injustiça houvesse durante esses (poucos) meses separado esse casal tão puro de coração e imbuído de bons propósitos.

E sequer uma palavra na reportagem trata de desfazer esse mal entendido.

Tiro os olhos da tela, pego uma revista que levei comigo (por sinal, a ótima meia um) para suportar a espera, com a tranquila certeza de que realmente não tenho perdido nada demais.

A balança

Hoje as mídias sociais demonstraram, mais uma vez, que podem realmente ser mais informativas que a mídia tradicional, mesmo a versão on line desta.
Enquanto o site do principal jornal da capital do país sequer dizia que a cidade estava se acabando na versão moderna do dilúvio de Noé, as pessoas  postavam fotos de ônibus praticamemnte submersos, exemplificando o inferno que foi voltar para a casa em Brasília, a mesma cidade cujos governantes se gabam de ter a maior qualidade de vida do país.
Mas é compreensível que a mídia tradicional veja a balança da rapidez, da agilidade e, especificamente no caso de hoje, também da credibilidade pender em seu desfavor.
Enquanto continua crescendo o número de membros de uma rede social como o Feici Búqui, permanece caindo a quantidade –  e a qualidade – de jornalistas nas grandes redações.

Carrossel, do SBT: inocência e pureza na TV

Não me parece tarefa fácil escolher uma boa programação diária de TV para as crianças de hoje em dia.

Como pai, procuro fugir da obviedade de canais a cabo como o Disney channel, na minha opinião mais preocupado em condicionar as cabeças dos pequenos para assistirem, quando grandes, às obviedades produzidas para os adultos nos outros canais pagos.

Deixá-los expostos à hemorragia dos telejornais e à vulgarização do ser humano ou as receitas de mau ‘caratismo’ exibidas pelas novelas não é, definitivamente, o rumo para se construir uma sociedade melhor. Também não tenho como opção certos desenhos animados capazes de pôr medo até nos adultos.

É claro, sempre há o caminho recomendável dos livros, mas assisir televisão é necessário por que já faz parte da nossa cultura. É até difícil de acreditar, levando-se em conta o nível geral da programação de hoje em dia, principalmente da TV aberta, mas se trata sim de um meio que pode contribuir positivamente para a formação moral de uma pessoa.

E por incrível que pareça, é na TV aberta, mais precisamente no SBT do senhor Sílvio Santos, cuja preocupação maior não parece ser com a qualidade da programação, que encontrei algo condizente com os valores que procuro ter e passar para as minhas filhas.

A novela Carrossel fala de amizade, solidariedade, companheirismo e respeito (aos professores, aos mais velhos, aos animais), sem mostrar a criança como ser infantilizado e, de uma certa forma, imbecilizado.

É claro que a produção passa longe do que se faz no Projac, e os atores, entre eles a maioria dos adultos, certamente não receberão prêmios pelas atuações, mas não me parece que na Globo ou na Record exista alguém dando aula de dramaturgia no ar.

O mais importante é que roteiro e texto levam para as crianças que estão em casa outras crianças, espertas, ativas, engraçadas, preservando o que, na vida real, têm de melhor: a pureza, a inocência, isso mesmo que tantos programas de TV parecem lutar para roubar delas.

É difícil cobrar do prefeito se não damos a descarga

Difícil arriscar o que vai na cabeça de alguém que usa o banheiro de uma academia de ginástica e não dá a descarga. E faz o mesmo no curso preparatório, na universidade, no bar da moda.

O que motiva uma pessoa a não repetir num ambiente público o gesto mínimo de civilidade que, certamente, não se omite em praticar em casa?

Por outro lado, a partir do exemplo, é fácil imaginá-la atirando papel pela janela do carro, estacionando ‘só por um minutinho’ na vaga do idoso, do deficiente físico.

É a mesma pessoa que escolheu três semanas atrás, e que, em alguns casos, vai escolher neste domingo quem vai ser o prefeito da cidade em que mora.

Logo o prefeito, essa espécie de síndico em larga escala, responsável pela limpeza, pela ordem do espaço urbano.

Em qual prédio se pode morar bem sem que o morador colabore com todos, inclusive com o síndico?

A colaboração é a mãe da cobrança.

É difícil cobrar do prefeito se não damos sequer a descarga.

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