Carrossel, do SBT: inocência e pureza na TV

Não me parece tarefa fácil escolher uma boa programação diária de TV para as crianças de hoje em dia.

Como pai, procuro fugir da obviedade de canais a cabo como o Disney channel, na minha opinião mais preocupado em condicionar as cabeças dos pequenos para assistirem, quando grandes, às obviedades produzidas para os adultos nos outros canais pagos.

Deixá-los expostos à hemorragia dos telejornais e à vulgarização do ser humano ou as receitas de mau ‘caratismo’ exibidas pelas novelas não é, definitivamente, o rumo para se construir uma sociedade melhor. Também não tenho como opção certos desenhos animados capazes de pôr medo até nos adultos.

É claro, sempre há o caminho recomendável dos livros, mas assisir televisão é necessário por que já faz parte da nossa cultura. É até difícil de acreditar, levando-se em conta o nível geral da programação de hoje em dia, principalmente da TV aberta, mas se trata sim de um meio que pode contribuir positivamente para a formação moral de uma pessoa.

E por incrível que pareça, é na TV aberta, mais precisamente no SBT do senhor Sílvio Santos, cuja preocupação maior não parece ser com a qualidade da programação, que encontrei algo condizente com os valores que procuro ter e passar para as minhas filhas.

A novela Carrossel fala de amizade, solidariedade, companheirismo e respeito (aos professores, aos mais velhos, aos animais), sem mostrar a criança como ser infantilizado e, de uma certa forma, imbecilizado.

É claro que a produção passa longe do que se faz no Projac, e os atores, entre eles a maioria dos adultos, certamente não receberão prêmios pelas atuações, mas não me parece que na Globo ou na Record exista alguém dando aula de dramaturgia no ar.

O mais importante é que roteiro e texto levam para as crianças que estão em casa outras crianças, espertas, ativas, engraçadas, preservando o que, na vida real, têm de melhor: a pureza, a inocência, isso mesmo que tantos programas de TV parecem lutar para roubar delas.

É difícil cobrar do prefeito se não damos a descarga

Difícil arriscar o que vai na cabeça de alguém que usa o banheiro de uma academia de ginástica e não dá a descarga. E faz o mesmo no curso preparatório, na universidade, no bar da moda.

O que motiva uma pessoa a não repetir num ambiente público o gesto mínimo de civilidade que, certamente, não se omite em praticar em casa?

Por outro lado, a partir do exemplo, é fácil imaginá-la atirando papel pela janela do carro, estacionando ‘só por um minutinho’ na vaga do idoso, do deficiente físico.

É a mesma pessoa que escolheu três semanas atrás, e que, em alguns casos, vai escolher neste domingo quem vai ser o prefeito da cidade em que mora.

Logo o prefeito, essa espécie de síndico em larga escala, responsável pela limpeza, pela ordem do espaço urbano.

Em qual prédio se pode morar bem sem que o morador colabore com todos, inclusive com o síndico?

A colaboração é a mãe da cobrança.

É difícil cobrar do prefeito se não damos sequer a descarga.

Emmanuelle e a Sala Especial

Quem passa dos 40 começa a ver tragados pelo ostracismo ou pela morte os ícones de uma geração. A minha, por exemplo, acaba de enterrar Sylvia Kristel.

Kristel vai para a eternidade como Emanuelle, personagem vista e revista durante anos a fio em todo o mundo por mais de 350 milhões de pessoas.

Mas eu não fui uma delas.

Não tinha idade sequer para passar na calçada de um cinema que estivesse com o filme em cartaz. Na época, a censura por idade era rigorosa. Na entrada, pedia-se a caderneta do colégio se houvesse desconfiança de que um moleque tentava assistir a um filme considerado impróprio para sua idade.

Também não havia, é claro, por óbvios motivos tecno-históricos, como piratear ou baixar um filme na internet.

Sylvia Kristel morre e eu chego aos 44 sem nunca ter visto Emanuelle. Mas via Sala Especial, que a finada TVS, mãe do SBT, exibia no início da madrugada para o deleite de pirralhos de onze ou doze anos. É claro que a maioria dos pais não deixava a molecada ver. A tática nesses casos era simples: esperar a família toda ir dormir, ir pra sala devagarinho e ligar a TV sem som.

Nos filmes ditos “eróticos” da Sala Especial, um par de seios, muitas vezes com sutiã, era o máximo de delícia permitido aos espectadores.

Desconfio que Emanuelle talvez não tenha ido tão além assim em sua ousadia erótica, sendo mesmo algo pueril perto das novelas atuais que, em algumas vezes, enrubescem até vividos homens de 40 e tantos anos.

Algo mais sobre os Beatles e os Stones

É bem interessante quando alguém consegue escrever um bom livro sobre um assunto que, aparentemente, estava esgotado em todas as suas hipóteses de abordagens.

É o caso dos Beatles e dos Rolling Stones. É o caso da rivalidade entre as duas bandas mais famosas da história do Rock’n Roll.

Jim Derrogatis e Greg Kot, dois críticos de música americanos, colocam essa rivalidade lado a lado, comparando ponto a ponto os quatro rapazes de Liverpool com Jagger, Richards e Cia em ‘The Beatles VS The Rolling Stones – A grande rivalidade do Rock’n Roll’, lançado ano passado pela Editora Globo.

É assim que, escrevendo sobre a rivalidade, deixam claro para o leitor uma constatação: as duas bandas se equivaliam. Se uma perdia para a outra em presença de palco, compensava no uso dos recursos de estúdio. E por aí vai.

Jim e Greg conseguem encerrar uma velha discussão em torno da rixa: por que os Beatles eram os bons rapazes e os Stones os caras com quem nenhuma boa moça deveria se meter.

Como surgiram primeiro, John, Paul, George e Ringo foram moldados pela indústria do disco no formato assumido de ‘Boy Band’. Para não repetir a fórmula, a mesma indústria decidiu que os Stones teriam aquelas caras de flor que não se cheira. Tudo isso com uma ótima ressalva dos autores: os Beatles eram filhos de proletários; os Stones, da boa classe média londrina.

Nunca neguei minha preferência pelos Beatles. Eles são os pais da minha formação musical. Mas os Stones são indispensáveis. Seriam, então, os tios da minha formação musical.

Tios maravilhosamente doidos.

Andar de fusca, ouvir disco de vinil

Espero nunca precisar conversar por mais de cinco minutos com quem tenha chegado na fila de madrugada para comprar o último modelo do famoso smartphone. Uma pessoa assim deve dar um soninho…

Mas mesmo que eu não chegue a esses tolos exageros, confesso que a tecnologia ganha espaço maior a cada dia em minha vida, e isso a tem tornado não apenas mais prática, mas também mais limpa e menos pesada, com menos volume para carregar.

É o caso dos jornais.

Abri mão da assinatura física em favor da digital, e jamais pensei que diria isso: ler jornal pela internet é bem melhor.

Foi-se a figura melancólica do sujeito com o jornal debaixo do braço a caminho do ponto do ônibus, um tipo quase rodriguiano. Entra em cena o cara hitech com óculos de leitura, raspando o indicador na tela de um tablete. Este último tem as mãos mais livres e limpas, a exemplo das próprias roupas.

É o mesmo que 20 anos atrás começou a dar ou vender os discos de vinil, ou mesmo transformar o fundo de algum armário em museu para os mais representativos. E hoje, os CD’s, que os substituíram, já deram lugar aos downloads nas lojas virtuais de música.

Há quem diga que a qualidade sonora se perdeu ou foi comprometida na era digital. Como meus ouvidos são moucos, prefiro a praticidade de um aparelhinho que fica no meu bolso e que guarda tudo aquilo que até os anos 90 eu guardava em uma estante que ocupava quase a metade do quarto.

Jornal, vinil e afins são como o fusca, que, aliás, de uns anos pra cá vem sendo procurado por um pessoal dito descolado, que nem era nascido quando o carrinho ainda saía do forno no ABC. É ótimo para dizer que tivemos, que lembramos de um que nossos pais tiveram, ou no máximo para uma voltinha no fim de semana, inclusive no meu caso, apaixonado por carros antigos.

Para o dia a dia, o bom é a perna esquerda livre da embreagem.

E as mãos limpas, sem tinta de impressão.

E a casa com menos estantes e mais espaço pra se andar.

As lições de O Palhaço*

Duas coisas me chamam a atenção na indicação do filme O Palhaço como o representante brasileiro na disputa pelo Oscar.

A primeira é a convicção de que cinema bom não precisa ser, necessariamente, apenas aquele que denuncia mazelas, pobreza e injustiça, e que tantas vezes trata isso de forma muito mais sensacionalista do que como missão social. Não precisa ser só aquele cinema que, pretensamente, pretende discutir a condição humana, deixando-nos, ao cabo do filme, sem esperança na vida e no mundo.

Esse cinema é necessário, mas não é o único que pode ser bom e ser premiado.

Também pode ser bom aquele que nos deixa leve, que faz rir e chorar de alegria alternadamente, quando não ao mesmo tempo. Pode ser aquele cinema que nos dê vontade de amar e viver, e que desse modo vá até além: inocule em nós a vontade de mudar a própria vida.

Num segundo momento, O Palhaço parece nos aconselhar a seguir na contra mão do pensamento de hoje. Por isso é programa obrigatório para quem trabalha com recursos humanos, formação de líderes, orientação vocacional e atividades afins.

Usando a magia do circo como ferramenta, estala os dedos em frente aos nossos olhos nos mostrando que estamos nos matando mais e mais a cada dia ao buscarmos ser não o que somos e o que queremos, mas o que a sociedade e sua exigência por imagem e posição determina que sejamos.

Quem entender o filme, certamente ainda poderá ser salvo.

Que venha o Oscar! Será merecido.

Publicado também nos sites Brasil 247 e Só notícia boa.

Brasília, capital do ser e do ter*

A jornalista Cláudia Guerreiro posta em sua página na rede social seu espanto com a quantidade de estudantes de direito que cursam a faculdade apenas e tão somente por imposição dos pais.

No elenco de frases como “se não fizer Direito, vai sair de casa”, “onde você pensa que vai chegar fazendo História?” ou “Artes Cênicas não dá futuro para ninguém!” há realmente um espanto de que elas ainda possam ser ditas por algum pai nos dias de hoje. Paira algo de muito retrô em todas elas, e é como se estivéssemos assistindo a uma minissérie de TV passada nos anos 60. Como se Anos Rebeldes estivesse novamente sendo reprisada.

É claro que o apego ao status quo não é exclusividade de Brasília, mas me parece que por essas bandas planaltinas o ser e o possuir carregam importância maior do que em outros lugares.

Direito é uma profissão que pode abrir as portas do sucesso e da riqueza, ou, ao menos, de uma vida estabilizada de conforto e boa imagem social. Das carreiras universitárias tem sido a que mais permite acesso ao serviço público, conhecido nos últimos anos por suas benesses, regalias e altos salários em certos cargos.

Em Brasília, o novo fica velho rápido; o espaçoso em pouco tempo torna-se apertado, e mal acabamos de comprar o mais moderno, ele já está obsoleto. Daí a eterna busca angustiante e ansiosa pelo novo modelo do automóvel, pelo lançamento imobiliário, pela última novidade de telas e teclados. E o mais sempre ficando menos. E cada vez mais rápido.

De certa forma, isso explica a recente greve de algumas categorias do serviço público. Funcionários que ganham R$ 12 mil em início de carreira cruzaram os braços. Precisavam de aumento, exigiam reajuste salarial. É compreensível. Afinal, precisam pagar as prestações daquilo que compraram para substituir aquele outro que já estava ultrapassado e que, provavelmente, ainda nem acabaram de pagar.

*Publicado no Brasil 247 em 12.9.2012

Começaria tudo outra vez, se preciso fosse

Recebi o release e tratei de escrever rápido para impressionar o chefe. Depois, colei o ouvido no rádio para escutar meu primeiro produto jornalístico: uma notinha sobre a programação cultural do Centro Calouste Golbenkian, na Praça 11, no Rio.

Era 31 de agosto de 1987, meu primeiro dia de estágio na Rádio Estácio FM, que pertencia à atual Universidade Estácio de Sá, onde eu cursava jornalismo. Pelo estágio, o meu primeiro, ganhei uma bolsa de estudos.

Mesmo que ali eu fosse um estagiário totalmente cru, considero esse dia o início de minha vida profissional. Portanto, estou fazendo 25 anos de jornalismo.

Cabe, aqui, a velha frase: se me fosse permitido voltar no tempo, não escolheria outra profissão.

O deslumbramento do início foi gastando com os anos (nada que seja privilégio do jornalismo). Diversas vezes entrei em crise profissional. Por causa disso, como tantos outros, sonhei em ser dono de pousada na serra e tentei virar funcionário público. Felizmente a vida sempre me levou para o que eu, definitivamente, gosto e sei fazer: produzir e escrever notícia, mesmo que eu não seja totalmente realizado. E desconfio de quem diz, em qualquer ofício, que o é. Soa-me falso.

O jornalismo não me deu apenas o ganha-pão, um nome projetado ou a chance de ver ao vivo a história acontecer (meninos, eu cobri a queda do Collor e a posse do Lula!). O jornalismo ajudou a modelar o meu caráter, consolidou ou desfez convicções, limpou minhas vistas para bem enxergar a realidade.

Jamais esquecerei o dia em que saí de casa para trabalhar de mal com o mundo, irritado com o salário baixo que não me deixava ter carro. Naquele dia, na porta de uma delegacia em rebelião, vi uma mulher com a filha pequena no colo recolher do lixo a comida que os presos jogaram fora. A escória também tinha uma subclasse e eu não sabia. O que eu era ali? Um babaca reclamando sem motivo da vida. Não fosse a vivência na reportagem, não teria recebido essa e outras lições.

Mesmo com os interesses empresariais de meus ex-patrões, jamais produzi algo que não contivesse exclusivamente o interesse público. Nada que fiz, em todo esse tempo, foi ao ar (sou um cara de mídia eletrônica) carregando algum interesse particular meu, por menor que fosse. Nunca entrevistei ninguém em troca de nada. Ganhei convites e presentes, e tantas vezes não entrevistei quem me ofereceu. Entrevistei centenas de pessoas de diversos ramos, que sequer me deram um muito obrigado. Tudo porque meu critério sempre foi: é notícia? é importante? então, ok, vamos fazer! Nada além disso para balizar um assunto.

A consequência desse comportamento é um carro com cinco anos de uso, um apartamento num prédio sem elevador e roupas mais ou menos, compradas à prestação.

E também uma consciência tranquila que me deixa olhar nos olhos minhas filhas e dormir a noite inteira.

Tios

É sucinta a frase que chega pelo celular depois do almoço: nossa tia faleceu, oremos por ela.

Mesmo que se acumulem anos desde a última vez que vimos quem acaba de pegar o túnel misterioso da morte, a notícia sempre vem embrulhada em papel de impacto. Fica, então, suspensa nessa tarde seca e quente, de ar parado, de poucas sombras e árvores paralisadas. Só aos poucos vai se dissolvendo no entendimento, reassumindo sua função de comunicar o único algo que nessa vida é inevitável: morrer.

Tios que morreram ou que se vão morrendo são na verdade sinais de que o tempo é mesmo, como muitos deles nos diziam, essa água impossível de se segurar nas mãos. Passar, para ele (o tempo), é verbo que lhe dá sentido, tanto quanto é o chegar para a morte. É por isso que a cada tio que se vai, creiam, é um pouco mais que envelhecemos.

Tios, quando se vão, levam definitivamente uma parte de nossas vidas, aquela que nós nem nos dávamos conta de que eles guardavam feito ferramentas em desuso, botões de roupas fora de moda. E o conhecimento disso nos é dado apenas e exatamente no instante em que nos chega a notícia da morte de um deles.

Mesmo crescidos, mas com eles ainda entre nós, sem que percebamos, de certa forma nossa infância e adolescência persistem em algum lugar do espaço, como se o passado fosse acontecimento paralelo ao presente de angústias e sonhos no futuro. Com os tios vivos, nosso passado é uma lâmpada que esqueceram acesa no sótão onde ninguém sobe. Na verdade, enquanto os tios não morrem, não se encerra aquela noite em que ficamos na casa deles para que nossos pais fossem a um baile de gala; muito menos passa de vez a manhã agitada em que nasceu nosso irmão caçula, quando também se encarregaram de nós.

É somente quando se vão desse mundo os tios , que realmente nos deixam na totalidade essas partes encantadas de nossas vidas, que resistiam semivivas sem nosso conhecimento. Apenas aí é que elas começam a se tornar lembranças esmaecidas, como aliás, no geral, passam a ser, quando vamos envelhecendo, todas as coisas que tínhamos nítidas na cabeça.

O mecânico e o ministro do STF

A primeira vista nada há de comum entre um mecânico e um ministro do Supremo Tribunal Federal.

O que os liga é a impossibilidade de argumentar com eles sobre o ofício que exercem.

Não conheço de mecânica, menos ainda sei avaliar a consistência ou a falta de provas para incriminar alguém.

Se um sujeito com o macacão e as mãos sujas de graxa me diz que preciso trocar determinada peça inclusive para a minha segurança, não tenho como contestá-lo. E mesmo que ele me mostre a peça e eu tenha a nítida impressão de que ela está nova em folha, não terei base técnica para dizer que ele está errado e quer me passar a perna. Posso até não querer trocá-la, mas aí assumirei o risco que existe na hipótese de ele estar correto. E sendo honesto.

Se um ministro do STF, de conhecimento aprumado pelos longos anos da prática jurídica, diz que alguém é inocente por que não há provas contra, que poder possuo eu, cidadão, eleitor, contribuinte, de contestá-lo?

Não posso discutir com um mecânico nem com um ministro do STF pela simples ausência de embasamento.

Mas posso ficar desconfiado do que dizem.

E no caso do mecânico, procurar outro.

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