O escritor gaúcho radicado há décadas em Brasília, Lourenço Cazarré, está lançando o romance A misteriosa morte de Miguela de Alcazar. Trata-se de história policial em que o humor caminha passo-a-passo com o mistério, elemento essencial nas histórias do gênero.
O lançamento me fez lembrar de um e-mail que Cazarré mandou para sua lista cerca de um ano atrás. O escritor enumerou requisitos para que um escritor conseguisse não apenas a consagração da crítica, mas também espaço cativo nos cadernos literários dos grandes jornais. Lembro-me bem de pelo menos um desses requisitos: ser colunista de um grande jornal do eixo Rio – São Paulo e, claro, manter um blog.
A julgar pelo que se lê na literatura contemporânea, especialmente a de autores iniciantes, outro requisito parece indispensável: usar, muitas vezes sem comedimento, a violência como ingrediente principal do que escrevem. Lendo suplementos literários da grande imprensa, ou mesmo publicações apenas dedicadas aos livros, dá uma sensação de que quanto mais for a violência descrita com requintes, mais interessada será a recepção de alguns críticos especializados, mais ovacionado será o livro, saudado geralmente como impactante, mesmo que o efeito do impacto, neste caso, seja na verdade apenas o de um profundo mal estar do leitor.
Como agentes dessa violência, não basta aos personagens serem apenas violentos. Devem, preferencialmente, ser também doentios, compostos a pretexto de revelar os abismos da alma humana. Se acharam a frase bonita, informo que não é minha. Li alguma vez em qualquer resenha ou entrevista de algum autor.
Esses personagens, que posam de complexos psicologicamente, não agem apenas no campo da violência. A perversidade sexual, por exemplo, está também entre os temas ao quais recorrem bastantes autores. Muitos, inclusive, não disfarçam a pretensão de pensar que estão apresentando um verdadeiro tratado psicológico em seus contos e romances. São acolhidos por alguns críticos, que propagam como densas histórias que tranquilamente poderiam receber o carimbo de apelativas. E como ontem tratamos de sensacionalismo, é de se pensar se não fazem na literatura o que é feito nos jornais taxados como populares.
A literatura precisa falar de violência. Necessita abordar desvarios do ser humano, os desvios de conduta na seara da sexualidade ou em qualquer outra precisam mesmo ser tratados pelos escritores. Mas talvez seja nosso papel na sociedade propor nesses casos discussão e reflexão, e não almejar despertar o leitor pela náusea, pela repulsa.
E por falar em reflexão, O filho eterno, de Cristóvão Tezza, fica para nós, escritores, como tal. É dos livros mais contundentes de que se tem notícia nos últimos tempos, e arrebatou todos os prêmios sem, em nenhuma linha, agredir o leitor.
PS: Outra palavra da moda na imprensa: avaliar. Ninguém acha, considera, analisa mais nada. Todo mundo, segundo a imprensa, só avalia. Pois eu avalio que há se ter muita paciência.
A última batalha será entre o bem e o mal. Saber do lado que estamos ajuda muito. No prato de pimente colocar mais pimenta não faz ele ficar mais brando. Aplicando no mundo…
Às vezes o leitor leva tempo para “avaliar” a obra de um autor. Talvez essa vertente de contos e romances violentos um dia passe. Espero que o leitor perceber logo suas qualidades como contista. Pode levar 5, 10, 150 anos, mas o texto de André Giusti já está consagrado.
A palavra-chave aí é banalização. O que ocorre na sociedade é a banalização e a simplificação de tudo. Na literatura e na imprensa não poderia ser diferente. Há certamente, em alguma literatura, uma função para a violência. Em Kafka, por exemplo. Entretanto, o resultado dessa irresponsável banalidade a que vc se refere é a espetacularização. A violência está lá porque chama a atenção e não porque é uma peça fundamental para a compreensão da existência humana, como acontece na grande literatura.
Mais uma vez, parabéns pelo tema! Na minha “avaliação” (rsrs) o texto está muito bom!
André,
Assino embaixo. Essa mesma impressão eu já tenho há algum tempo. Eu que acompanho de perto concursos literários, reparo que textos que chocam pela violência, com frequência, vencem. Foi muito bom você citar “O filho eterno”. É um livro que choca não pela violência, mas pela exposição dos sentimentos de um pai que não está preparado para ter uma criança especial, choca por mostrar o que existe de cruel em cada um, sem que essa crueldade precise ser aquela que sangra ou que mata.
É por isso também que eu adoro seus contos. Pois eles nos tocam, nos chocam pelas verdades, sem que ao torcê-los pingue sangue suficiente para uma transfusão. Adoro Clarice, pois ela nos desconcerta sem que seja preciso isso.
Talvez um dia vão entender que ser contemporâneo não significa colocar no papel o que os jornais estão cansados de fazer, significa olhar para o nosso cotidiano com o olhar de um cego que recebe a bênção de voltar a enxergar.
Bjs