Dever de casa

*Por Renata Gonzaga

Saí da universidade há 21 anos. E acho que devo voltar ao ensino fundamental. Sou completamente incapaz de ajudar meu filho de seis anos a fazer o dever de casa. Era mais ou menos assim. Depois do poeminha, o autor perguntava a opinião do aluno sobre o que a poetisa queria dizer no último verso. Amarelei. Não consegui ajudá-lo a ter uma opinião quando ele ainda tenta entender o que são versos, estrofes, poemas. O mesmo livro de português introduz a definição de “variedades linguísticas” e questiona a eficiência da propaganda boca a boca numa tirinha do Menino Maluquinho.

facebook_-1935987958

Como me senti incompetente para responder, incentivei meu filho a escrever simplesmente “não sei”. Desculpe, mas o professor que é pago para isso que o ajude. E lamento mais ainda quando penso na frustração de pais que tiveram pouca instrução e se sentem ainda mais impotentes na hora do dever de casa. Uma lástima.

Outro dia fui chamada na coordenação da escola e ouvi o mesmo diagnóstico que recebi quando meu filho tinha três anos de idade – o aluno é disperso, desatento, não consegue acompanhar a turma e precisa de atendimento psicopedagógico. Mais uma vez penso nos pais que mal conseguem dar conta da escola. Como pagar acompanhamento extra? Três anos atrás o levei para avaliação de uma profissional indicada pela escola. Depois de quatro sessões ela afirmou que o aluno não precisava das sessões. Estava apto como qualquer outro menino da idade dele. A escola insistiu no diagnóstico que a profissional contestou. Então, decidi levá-lo às sessões durante seis meses, até receber alta. A coordenação continuou achando que ele tinha o tal do déficit de atenção. Ainda tentando ajudar a escola a ajudar meu filho, levei-o a uma psicóloga, supondo que o divãzinho poderia integrá-lo mais às aulas. Depois de um ano de tratamento, alta novamente.

Este ano eu decidi que não vou mandá-lo a nenhum consultório. Se meu filho está fora do estreito intervalo padrão de crianças consideradas “normais” a escola vai ter que dar um jeito. Volto a pensar na situação de outros pais. Aqueles que tem filhos com alguma deficiência comprovada e que, por lei, tem direito a estudar em qualquer turma do ensino regular. Como as escolas podem ser inclusivas se tratam com diferença o garoto que escapa do padrão da turma? Em vez de incluir, elas o afastam, mandam-no para profissional especializado. Parece-me que as escolas não são mais especializadas em ensinar.

Sabem por que acho que meu filho não tem déficit de atenção nenhum? Porque quando ele senta lá na cadeirinha do Terraço Shopping prega os olhos no palco, brinca e grita para os personagens como se estivesse hipnotizado pela dramatização. Também porque ele lê sozinho um livro inteiro, se estivermos ao lado explicando uma ou outra dúvida. E ainda porque consegue contar uma história do início ao fim se estivermos prestando atenção a ele. Meu filho tem desenvolvimento cognitivo normal – e isso quem diz não sou eu, mas a psicopedagoga.

Confesso, estou decepcionada. Num mundo em que a tecnologia amplia possibilidades a escola restringe seu campo de atuação. Não ficarei surpresa se meu filho for convidado a fazer o segundo ano do ensino fundamental novamente em 2015. Eu, como mãe, estarei ao lado dele, fazendo o segundo ano junto. Quanto à escola, ela também será reprovada.

 

*Renata Gonzaga é jornalista

4 comentários em “Dever de casa”

  1. Denise Giusti

    Concordo com a Adélia Azeredo, que tal mudar de escola, é muito cômodo rotular a criança e não ajudá-la, oferecendo principalmente motivação nas aulas e atividades, para que haja uma melhor concentração. Ao meu ver a escola está muito errada na maneira como lida o problema. Dar atenção a criança é fundamental.

  2. Acho uma lástima o que acontece em nosso pais, uma vergonha!!!!
    As escolas são super caras e e se dizem capazes de dar diagnósticos inexistentes para não comprovar suas incompetências.
    Parabéns a minha prima Renata! Filhos lindos e inteligentes!

  3. Adélia Azeredo

    Sei o quanto é complicado fazer mudanças, mas já pensou em trocá-lo de escola? Mesmo que academicamente essa seja boa, está falhando na avaliação de seu filho. Espero que encontre uma boa saída. Torço por vocês!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima