Dois pesos.

Nesta quarta-feira entram em vigor as novas regras para se transportar crianças no banco de trás dos carros. Na verdade, a legislação que já existe ficará mais rigorosa. Dependendo da idade, o seu tesouro terá que ir naquela cadeirinha bojuda, acolchoada e com cinto de segurança que passa entre as perninhas dos pequenos passageiros. Os menores continuarão viajando naquela espécie de cestinha em que a criança vai com a cabeça no sentido contrário à direção do carro, e que atende pelo simpático nome de bebê-conforto. Aliás, experimente carregar aquilo pelo shopping ou pelo parque com a criança dentro. Certamente você irá rebatizar o objeto e passar a chamá-lo de papai-desconforto.

As crianças maiores serão, a partir de agora, obrigadas a estar no assento que as deixa mais altas, para que possam usar o cinto de segurança do próprio veículo. Esse assento serve especialmente para as que viajam no meio do banco traseiro, onde o cinto de apenas duas pontas não dá firmeza nem à cadeirinha acolchoada nem ao bebê-conforto. A obrigatoriedade desse assento é a grande novidade de toda essa história, e sobre ela recairá o olho atento da fiscalização e a fome insaciável do estado em punir não necessariamente para educar e preservar vidas, mas essencialmente para arrecadar com o dinheiro das infrações.

Não desmereço a necessidade de segurança dos nossos filhos, mas confesso que sempre desconfio quando, de uma hora para a outra, algum equipamento passar a ser obrigatório pela lei. Minha mente fértil de filho de um país dado a negociatas me cutuca desconfiada de que alguém mudou a lei para que a indústria do tal produto aumente as vendas. Isso, é claro, que em troca de uma boa comissão para o autor da mudança na lei, especialmente se estivermos em época de campanha política, esse monstro que se alimenta de dinheiro de origens pouco conhecidas. Sem falar que o tal do assento está em falta do mercado, não se acha em lugar nenhum. Corre a boca miúda que a indústria está segurando o estoque para vender mais caro quando a fiscalização começar para valer. Minha mente fértil, essa criatura maldosa e descrente do ser humano, me cutuca de novo: tá vendo? Eu não tô dizendo?

Mas há um aspecto maior, e esse realmente concreto, quando o assunto é alteração de lei que torna obrigatório um equipamento ou uma conduta por parte da sociedade. Se o alvo da mudança é o cidadão comum, o contribuinte frágil e acuado pelas decisões do estado, a fiscalização começa inclemente, sem discussão, sem tempo a perder com alegações ou defesa em caso de descumprimento da lei. É preto no branco: se não está andando na linha, fazendo o que o governo determina, o pau quebra, o sujeito é enquadrado e leva logo multa para regularizar a situação. Contra nós o estado é forte, atuante, duro. Mas digamos que a alteração na lei determinasse a obrigatoriedade, por exemplo, do cinto de segurança de três pontas no meio do banco traseiro, item que deveria equipar há muito tempo todos os carros brasileiros. É pouco provável que houvesse uma lei obrigando as montadoras a defender a segurança dos consumidores. E se houvesse, o prazo para a entrada em vigor seria como os fixados para acordos internacionais na área ambiental, tão longos que permitem antes a morte do planeta. E, é claro, a tal fome fiscalizadora do estado seria substituída por uma falta de apetite anoréxica.

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