Goyáz

Não chame Cidade de Goiás de Goiás Velho. É errado e os moradores não gostam. Em um mundo de smartsphones e telas planas, é difícil imaginar que velho e antigo não sejam, necessariamente, a mesma coisa. Cidade de Goiás, ou apenas Goiás, é antiga por que a população abraçou o patrimônio histórico. Preservar é atividade natural na vida da antiga Villa Boa de Goyáz, encravada aos pés da Serra dourada. Por isso ela não é velha.

A exemplo de Ouro Preto, Goiás é cidade pequena que manteve a altivez dos tempos de capital do estado, posto que perdeu para Goiânia na década de trinta do século passado. Não pense no lugar como o vilarejo de vida besta do poema de Drummond, em que cachorro e homem passam devagar. É claro, o ritmo não é o desenfreado das grandes cidades, mas lá não vive a mesmice de casas de tapera e ruas de barro. Nas janelas do casario, nas sacadas dos palácios, se debruçam a pompa e a cirscuntância do palco de grandes decisões e conchavos políticos.

Cidade de Goiás fica a quase 300 quilômetros de Brasília e a pouco mais de 100 de Goiânia. Recebe todos os anos o Festival de Cinema e o Museu Casa de Cora Coralina é sua principal parada do chamado turismo histórico. Aliás, na casa de Cora, descobrimos a mulher simples feito seus doces, feito sua poesia, tão afastada de sombrias questões metafísicas, de aborrecidas complexidades humanas. Uma poesia extremamente compreensível para o leitor, uma poesia profundamente simples.

Imperdíveis também são o Palácio Conde dos Arcos, que foi a sede do governo da província e em seguida do estado, e a casa de Câmara e Cadeia, no alto da Praça Brasil Ramos Caiado, a principal da cidade. Tem esse nome porque lá funcionou o parlamento e a cadeia. Exatamente, no mesmo prédio, talvez algo mais de acordo com os dias de hoje. 

Mas o que vale muito – e esse deve ser o espírito da visita a Cidade de Goiás – é andar pelas ruas, mesmo que debaixo do sol abrasivo que uma ou outra nuvem esconde de vez em quando por piedade de nós. Embrenhados nas vielas, ouvimos o silêncio do tempo, com a impressão de que volte e meia escutamos estalarem nas pedras do calçamento as botas pesadas de sisudos comendadores.

Repare em cada casa, não deixe que fujam detalhes das cores, da eira e da beira dos telhados. De dentro das que estão de janelas fechadas e cortinas cerradas, nos espiam os mansos olhos dos séculos. Há também as que ficam de portas abertas, a família toda tocando a vida lá dentro e o vento entrando junto com o olhar curioso dos visitantes. Muitas são de doceiras, que vivem do principal ofício de Cora. Servem de pretexto para uma pausa na caminhada, para pequenas provas dos doces cristalizados e até breves madornas nas varandas ensombreadas do meio da tarde. Mas evite cochilar em Cidade de Goiás, principalmente no meio da tarde. Corre-se o risco de se acordar no século 18.

9 comentários em “Goyáz”

  1. Diga André,
    Gostei da matéria, principalmente porque é a cidade de minha mãe e fui muitas vezes lá quando era criança passar por debaixo das cercas de arame das fazendas e “roubar” mangas, que caíam pelo chão.
    Jovino

  2. Hugo Giusti

    Muito bom, viajei pelas linhas descritas visitando cada lugar na minha imaginação, só falta conferir indo até lá.

  3. Goiás volta a ser capital do estado todos os anos entre os dias 24 e 26 de julho, quando a cidade faz aniversário.
    E a procissão do fogaréu, na semana santa, é linda, vale a pena ver.
    Por estar mais longe de Brasília e Goiânia que Pirenópolis, Goiás é menos badalada e mais preservada. A cidade mais linda do meu estado.

    Valeu pelo texto!

  4. Alexandre PIlati

    Belíssimo texto. Uma grande homenagem a essa cidade carregada de tempo que é Goyaz.

  5. Lindo texto, André, como sempre poético. Nos deixa a vontade de ir a este lugar e verificar cada detalhe. Quem sabe um dia vocês me levam até lá!

  6. Nesta cidade onde o risco é acordar com um camelo sedento ao lado, li com ternura sua texto delicado e poético. Do primeiro governador Conde dos Arcos, esta terra teve a influência dos jesuítas vindos da Amazônia. Não sei se já estálivre dos Caiado mas teve sua presença, amigo.
    Li seu texto sobre o… Flamengo. Não sei se lembra quando escrevi sobre a seleção de 82. Seguindo o mesmo raciocínio. O campeão nem sempre é o melhor. O verdadeiro campeão é o realizador do impossível. Como diz o Chico Buarque “a paralela do impossível” “rasgando o chão” “e costurando a linha”.

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