Chuva branda
escorre na vidraça
e o enfado suave
desse movimento
me lembra mulher
– que não tenho –
adormecida branca linda
que também se move
querendo retornar
do abismo
do sono intocável
do silêncio da noite
que ainda faz
o quarto imenso.
Da rua chegam
os avisos tímidos
da roxa cinza chumbo
aurora de figuras fugidias.
Corpo de mulher
nem santa nem devassa
apenas comum
semi-nua imagem
desvanecida se apagando
junto às últimas luzes.
Em outra manhã
de outro mundo
minha poesia acorda
amarrota lençóis
e transforma em luz
pássaros que abandonam
seus cabelos
e descobrem o sol.
1991.
Quando a gente começa a desenterrar poesias fica claro que palavras não morrem