O adeus do bibliófilo

Na semana em que o Brasil perdeu José Mindlin, eu e o poeta Alexandre Pilati conversamos na BandNews 90,5 FM em Brasília sobre o dono da maior biblioteca particular do mundo.

O meu papo com o Pilati vai ao ar todas as 2ªs feiras às 16h51 e as 3ªs às 11h30. Abaixo, o texto do Pilati que serviu de base para a nossa conversa no ar.

O adeus do bibliófilo

Por Alexandre Pilati.

 

Se vamos ao dicionário, encontramos a seguinte definição de bibliófilo: “indivíduo que tem amor aos livros, especialmente os belos e raros; colecionador de livros. Esta definição fica pequena ou insuficiente se a comparamos com a vida, a atividade e a dedicação aos livros do maior bibliófilo brasileiro, o paulista José Mindlin, que faleceu no último dia 28/02 aos 95 anos. Muito mais do que alguém que amava os livros raros e os colecionava, Mindlin foi um dos grandes estudiosos e humanistas do país. Na verdade, o que o bibliófilo amava nos livros era a possibilidade que cada um deles tem de fazer com que o leitor vislumbre um mundo melhor. Num país que despreza a leitura, Mindlin, portanto, significa muito.

Ele era um apaixonado pelos livros e pelas histórias que vivem dentro e fora deles. A seu respeito, o crítico literário e amigo pessoal Antonio Candido escreveu no prefácio de Uma vida entre livros (Edusp, 1997): “ele é um leitor indiscriminado e seletivo, glutão e refinado…ele é o tipo ideal de leitor, porque sabe que praticamente nenhuma leitura é perda de tempo se der prazer.”

 

A origem da bliblioteca e suas preciosidades

Mindlin era dono da maior biblioteca privada do país, com cerca de 45 mil volumes. Para atingir esse número expressivo, começou cedo: aos 13 anos de idade. Foram mais de 80 anos dedicados à leitura e à busca de obras e documentos raros. Para se ter uma idéia da sua paixão pelos livros, Mindlin passou quase 15 anos procurando uma primeira edição de O Guarani, do cearense José de Alencar, autor do Romantismo brasileiro. Ele fez uma verdadeira peregrinação atrás do volume, que estava com um colecionador grego, a quem Mindlin mandou muitas cartas, sem resposta. O blibliófilo estava em Paris quando um livreiro que era seu conhecido, por coincidência, disse que estava com o colecionador grego. Na viagem de retorno ao Brasil, Mindlin dormiu no avião da Air France e o livro se perdeu. Já sem esperanças, alguns dias depois, a empresa aérea o contatou dizendo que a preciosidade havia sido encontrada intacta. Assim, o raríssimo exemplar d’O Guarani, de 1857, um dos três que havia no mundo inteiro, passou a integrar a biblioteca de Mindlin.

Entre os inúmeros tesouros individuais da sua biblioteca, estão a primeira edição de Os Lusíadas, de 1572, o original de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, além de obras de Carlos Drummond de Andrade, que o autor enviava pessoalmente para Mindlin, com dedicatórias escritas em versos.

A Brasiliana Guita e José Mindlin

Estes livros e tantos outros documentos constam do acervo que foi doado à Universidade de São Paulo, em 2006, formando a chamada Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. São cerca de 17.000 títulos, ou 40.000 volumes que reúnem obras de literatura brasileira (e portuguesa), relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários (originais e provas tipográficas), periódicos, livros científicos e didáticos, iconografia (estampas e álbuns ilustrados) e livros de artistas (gravuras). Parte desse acervo pode ser consultada no site: www.brasiliana.usp.br.

Uma vida entre livros

Uma vida entre livros é o resumo da vida de José Mindlin e também o título da “biografia de sua biblioteca”, que foi escrita em 1996 e publicada pela Editora da USP. Atendendo a uma sugestão de Antonio Candido, Mindlin narra, num texto que transborda paixão pela leitura e pelos livros, como formou a sua imensa biblioteca, contando episódios marcantes de sua vida. É um livro que todos que amam a leitura deveriam ler.

Como o próprio bibliófilo gostava de dizer “os homens passam. Os livros ficam”. E Mindlin deixou mais que livros; deixou um legado preciosíssimo para o país. O legado do exemplo de um homem de sucesso como empresário que sabia que a humanidade é mais importante do que o acúmulo de capital. Sua devoção aos livros era uma devoção ao gênero humano.

 

 

2 comentários em “O adeus do bibliófilo”

  1. A Biblioteca exerce um fascínio. O sentar ao silêncio com um livro nas mãos. Um tempo infinito entre a leitura, assimilação, surpresa, deslumbramento. Homens que criam lugares assim vão para a Grande Biblioteca dos Livros Iluminados.

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