O diabo não é tão feio.

Na última segunda-feira foi comemorado o Dia Mundial sem Tabaco, ou seja, dia de combate ao fumo. Como geralmente só tomo conhecimento dessas datas lá pelo meia da manhã, não consigo escrever nada sobre elas no dia em que são comemoradas. Mas nesse caso vale tocar no assunto, mesmo que com o atraso de dois dias.

Fumei por 17 anos, larguei há pouco mais de seis. Tempos depois de pararmos, adquirimos a consciência que, dominado pelo vício, o fumante não consegue ter, a de que a vida dele ficaria bem melhor sem o cigarro. E não é apenas no aspecto físico. Deixar de fumar tira um peso da consciência. Aliviado, você assiste às (poucas) propagandas de cigarro sabendo que não está mais se matando um pouco mais a cada tragada.

Provavelmente o que desmotiva o fumante a abandonar o cigarro é o esforço que terá que fazer. Sei que há casos e casos. No meu, é claro que foi difícil. No entanto, menos do que pensei que seria, menos do que talvez o senso comum ache que seja.

Eram 16h30 de uma sexta-feira. Tomei um café preto, acendi um Marlboro e dentro de mim falei – em tom solene, até – esse é o último. Estava, ali, chegando à parte mais importante de um processo iniciado cerca de um ano antes, quando passei a “desacostumar” meu organismo com a nicotina. Acordava, tomava café, e resistia até onde podia para acender o primeiro cigarro, segundo os especialistas um dos elementos-chaves da cadeia do vício. Só fumava quando estava já babando e mordendo os dedos, tentando me pendurar no teto e de cabeça para baixo. À tarde, fazia o mesmo. Após o almoço, me “torturava” até o fim da tarde. Dessa forma, a cada dia me tornava mais forte contra o vício, conseguindo ficar mais tempo longe dele. Houve dia em que fumei apenas um cigarro, e naquela sexta-feira senti que estava forte o suficiente para dar adeus definitivamente ao vício.

No dia seguinte, não abri mão das coisas que gostava e que sempre me aproximaram do cigarro. Bebi um belo café preto encorpado de manhã e, como era um sábado, também tracei um rascante tinto chileno e uma temperada pizza calabresa. Meu raciocínio era simples. Se eu abdicasse dessas coisas durante seis, sete meses para que as tais crises de abstinência não fossem tão cruéis, quando eu voltasse a elas talvez o baque fosse mais forte e eu pudesse jogar por terra todo meu esforço. E eu estava determinado a não fazer isso.  

Os dias que se seguiram foram de duelo interno entre a razão, me provando a cada segundo longe do cigarro que a minha vida ficava melhor sem ele, e a falta do alento que na verdade o fumo traz em momentos tão frequentes quanto diversos: no carro ao sairmos da garagem, depois que acabamos de escrever, a espera em algum local de compromisso profissional.

Na luta contra o dragão do vício, descobri artifícios que me ajudaram. Mastigava cravo e bebia litros d’água quando a vontade apertava muito. Fiz da corrida uma obrigação diária, para que meu espírito se convencesse de que o ar era bem melhor para os meus pulmões do que a fumaça. Mas acima de tudo, me determinei a não reduzir meu tempo de vida ao lado de minhas filhas.

Não procurei ajuda. Não recorri a chicletes, adesivos, grupos de pessoas que querem largar. Mas tudo isso é válido e a pessoa não deve se sentir menor se precisa de ajuda para largar o cigarro. Deixar o fumo é uma grande vitória, e ela tem o mesmo se conquistada sozinha ou com auxílio.

Preciso ser sincero e dizer que mesmo anos depois, em algumas vezes, ainda lembro do cigarro. Não sinto propriamente vontade de fumar, mas lembro que em uma ocasião igual àquela eu certamente acenderia um belo mata-rato (todos são mata-ratos, não importa o preço). Mas automaticamente vem a certeza do quanto ganhei nesses anos longe do vício, o quanto me tornei mais inteiro para curtir a vida.

Tenha a consciência de que em um ex-fumante, o cigarro é um cachorro preso no fundo do quintal, um cachorro ao qual não damos comida há muito tempo, mas que apesar disso não morre. Fica lá, cada dia mais fraco e esquálido, e ainda assim às vezes ainda encontra forças para dar um latido, por mais raquítico que seja. Mas aí a gente vai lá no fundo do quintal e dá um berro “cala a boca, cachorro!”. E a vida continua a cada dia melhor.

6 comentários em “O diabo não é tão feio.”

  1. Adorei seu texto, vou deixar esse cachorro bem presinho, no fundo do quintal, estou seguindo seus passos, não vopu deixar de lado coisas que me fazem ter vontade de fumar, se tenho que enfrentar, tem de ser agora. Estou conseguindo e me sentindo muito feliz!

  2. O diabo não é tão feio, e o cachorro preso no fundo do quintal também não!
    Amigo acho que posso te chamar assim não é?
    Estou usando dos mesmos métodos que vc, não quero abdicar de nada, para que mais tarde tenha que me deparar de alguma forma com alguma situação, estou me sentindo feliz, não quero ser um cinzeiro ambulante, quero ser cheirosa, poder usar perfumes, shampoo, que nada adiantam quando se fuma! Foi muito bom ler, me senti fortalecida. Parabéns!

  3. Elton Santos

    Tem certas conquistas na vida muito mais importante que ganhar rios de dinheiro. Parar de fumar provavelmente é uma delas. Eu nunca fumei, mas senti alívio quando meu pai parou de fumar. Pois é…ele está vivo até hoje!!!E isto é muito importante pra mim.
    Sucesso pra quem deseja dar um STOP ao fumo.

  4. Maria Villela

    Também gostei da imagem do cachorro preso no fundo do quintal. Nunca fumei, e torço pros meus amigos fumantes deixarem o vício (puro egoísmo: quero que fiquem muito mais tempo por aqui, e sem a fumacinha[;)]).

  5. Muito bom (texto e conquista)! Nunca fui fumante. E certamente não está em meus planos ser. Meu abraço.

  6. Gostei da imagem do cachorro amarrado no fundo do pátio. É bem assim1
    Parei um pouco antes da Copa de 2006. Deus sabe a agonia de ver os jogos, tomando cerveja com a galera, sem pitar. Mas fiz como você, não abri mão de todos os prazeres porque senão seria difícil demais.
    O que acho que os fumantes em atividade deviam saber é que dá pra viver bem até sem o cigarro!
    Abraços pra todos.

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