O nu honesto das mulheres normais

Um dos vários momentos em que Rubem Braga alcançou a perfeição como cronista foi em “Era loura e chamava-se Ruskaia”. Não me lembro de qual livro é e confesso que não vou procurar agora, mas com as ferramentas que o fizeram meu mestre e de tantos outros no ofício da crônica, o velho Braga conta que, quando rapazola, ficou deslumbrado com uma bailarina russa que viu dançar, se não me engano no Municipal do Rio. Conta de seu fascínio pela figura espetacular de beleza realçada por um mundo mágico de palco iluminado, gestos suaves e longos e música dos anjos.

Escreveu o mestre que saiu envolto em nuvens de paixão, ou algo semelhante (permitam-me o pecado de inventar em cima do que é sagrado), mas termina a crônica dizendo que, àquela altura da juventude, ainda não imaginava que a mulher da vida de todo o homem é mesmo simples, comum, sem espetáculo, de nome normal como, por exemplo, Joana.

Foi da crônica do mestre que imediatamente lembrei ao ver a postagem de minha amiga poetisa Nanda Barreto. O post se chama Nu Honesto e fala do trabalho de um fotógrafo americano – Matt Blum – que decidiu fotografar nuas mulheres comuns, sem maquiagem, muito menos photo shop. Ele as clica em casa, em seus ambientes habituais, nas poses que gostam de fazer na cama, sofá, encostadas nas paredes.

O trabalho é genial não apenas porque se propõe a passar bem distante da plástica excessiva e das poses pornograficamente forçadas das piriguetes e big Brothers, clicadas por força de contrato pelas revistas masculinas. É genial porque mostra mulheres normais, que andam ao nosso lado na rua, trabalham conosco, param no mesmo sinal que nós. É delicioso justamente porque mostra essas mulheres com as delícias e os “defeitos” de seus corpos, quais sejam, a barriguinha sobrando um tanto, a cocha não tão lisa, o peito nem tão empinado (ou nada).

O que as mulheres não entendem é que é por elas, essas normais, tão estranhas ao mundo fantasioso dos estúdios, que nós, homens, nos acabamos física e emocionalmente ao longo da vida, desde a adolescência até a velhice. Talvez cheguem mesmo a imaginar que, na cama com elas, imaginemos os tais monumentos produzidos, de bunda e peitos de plástico. Mal sabem que é muito mais fácil o contrário: se um acaso cinematográfico do destino nos pusesse na horizontal com alguma dessas que saem nas revistas, acontecer de conseguirmos chegar ao final imaginando justamente nossas mulheres normais, passando nuas do quarto pra sala, saindo do banheiro e parando na cozinha para tomar água.

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