Outra vez sobre árvores.

Tempos atrás escrevi que em Brasília estavam cortando muitas árvores. A explicação da autoridade é de que algumas delas, plantadas há mais de 40 anos, podem cair de uma hora para a outra porque foram comidas por dentro por um uma espécie de besouro que torna um tronco colossal tão frágil quanto uma casquinha de amendoim.

Pois o que eu temia, aconteceu. O som angustiante da moto-serra se fez ouvir esta semana no jardim do meu bloco. Quando cheguei em casa na hora do almoço, estava no chão uma das árvores que alimentava de sombras trêmulas as paredes do meu quarto nas manhãs ensolaradas de Brasília. A sensação imediata é a de deparar com o corpo sem vida de alguém que cantava feliz de manhã, quando saímos para trabalhar.

Ao meu questionamento, o encarregado responsável por recolher do gramado os galhos espalhados me apontou o toco serrado quase ao chão, sobra dolorosa do que pouco antes era majestade. Em cima do toco, o motivo: cinco ou seis besouros quase do tamanho de minha mão estendida. É de se imaginar que algumas centenas daqueles, ao longo dos anos, tenham mesmo sido capazes de vencer a beleza, de no lugar dela deixar o vazio da aridez. Mas por que não mataram esses bichos logo que eles apareceram? Eu pergunto o óbvio, sem lembrar que nesse país o óbvio tantas vezes não é feito e muito menos respondido.

O homem simples titubeia diante de minha eloquência de gravata e paletó bom pendurado nos dedos. Ele não sabe, ele só está ali para recolher os galhos, nunca o mandaram matar os besouros. Como consolo – e fala com o mesmo tom com que se fala a alguém que perde um amigo doente – ele me assegura que nenhuma outra árvore do jardim do prédio será derrubada, pois “o bicho não deu em mais outra não”.

Guardei as palavras do homem, como guardo outras que me sustentam a esperança. Mas sempre que passo pelo jardim, olho cada árvore com a inquietante possibilidade de se ver alguém pela última vez.

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