Pacotes

Preste atenção quando aponto estrelas acesas feito lâmpadas fracas além do nada da cidade nervosa. Costumo pensar que elas deixaram de existir há milhões de anos.

Eu gosto de mostrar na rua automóveis antigos, aqueles em que as famílias sumidas nos retratos esmaecidos pegavam as estradas aos domingos descendo a serra ou voltando da praia.

Escute bem quando eu te falar das portas e janelas dos casarios do século 18. Por elas – note bem, eu tenho certeza – até hoje passam comendadores tiranos e suspiram moças pelo amor que lhes proibiram.

Me encantam ainda os azulejos formando painéis nos jardins das casas de subúrbio. É lá que ainda nossos pais e tias conversam sobre assuntos que não nos interessavam.

Gosto também de imaginar um lampião antigo iluminando esquinas desertas na madrugada e te contar que debaixo dele um bêbado maldito resmunga arranhando o silêncio das almas.

Escute bem quando eu disser sobre as bandas de rock e seus épicos discos de vinil que comprei lá por mil novecentos e oitenta e tanto, dos velhos cantores negros de blues que me ensinaram a sorver a vida feito um trago quente de conhaque.

Gosto de te contar de poetas ou pintores que morreram tísicos pobres esquecidos sem reconhecimento e amor nos quartos mofados dos asilos públicos.

Portanto, preste atenção nessas histórias inúteis sem aplicação alguma na vida prática, que não alteram em nada o movimento dos aeroportos nem mexem no lucro das bolsas.

Fique atenta, pois quando te falo de tudo isso estou te entregando pequenos pacotes de mim, envelopes abertos com minha loucura e pouco a pouco confessando que te amo.

Pacotes

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