Para todo mundo escutar.

Sempre tive problemas porque falo alto. É algo natural, como respirar ou enxergar. Quando me dou conta, está lá minha voz – que não é bela – sobressaindo no ambiente.

Muitas vezes tentei explicar, levando na brincadeira, que em família que tem muita gente você precisa falar alto mesmo, porque senão ninguém te escuta, o teu bife sempre vai ser o menor do jantar, você vai sempre ficar para trás na hora de tomar banho. Em meu caso, de descendência italiana, a voz vem acompanhada também de gestos sempre largos. Muitas vezes de raiva. Mas na maioria, garanto, de entusiasmo pela vida.

O problema de quem fala alto é ser, de uma certa forma, censurado. Quem fala baixinho, daquele jeito engolindo as palavras, dizendo tudo pra dentro e quase só pra si mesmo nunca sofre reprimenda do grupo ou interlocutor, mesmo que estes precisem quase que grudar o ouvido na boca do(a) sujeito(a) para escutar o que tem a criatura a dizer ao mundo, e mesmo que o conteúdo não valha a pena. Já quem fala alto está sempre ouvindo um “pô, fala baixo, não sou surdo, tá gritando por quê?”. Em várias dessas situações, para não entornar de vez o caldo com um desaforo ou mesmo um palavrão, resolvi ficar calado o resto do tempo, acender um cigarro em local destacado – na época em que eu fumava – e ao voltar permanecer na minha. E aí, é claro, as mesmas pessoas, balizadoras dos bons costumes, voltavam a carga, mas agora incomodadas com a outra face da moeda: “pô, tá calado por quê? Parece que não gosta de estar com a gente.”

Conheci pessoas capazes de dizer as maiores atrocidades, tipos que chegavam ao nível da humilhação, do escárnio e da ofensa, mas sempre com as frases ditas entre dentes, baixinho, quase num murmúrio cínico, finíssimas na arte de achincalhar o próximo. Mas saíam das discussões, dos entreveros, trepadas no mais alto patamar da educação e da gentileza. Eu, com minhas várias oitavas acima, chamusquei-me muito com a pecha de grosso e estúpido, mesmo quando dizia coisas que, ao pé da letra, nada carregavam de insultuosas, mas sim o intuito de ajudar pessoas de quem eu verdadeiramente gostava.

Claro, o problema é o modo de falar. Xingue a mãe do semelhante de vadia, mas com classe e falando baixo, por favor.

De uma certa forma, essa discussão (em voz baixa, pode deixar) me lembra meus tempos de colégio, lá pelos anos 70 e 80. Os bons alunos em matemática, física e química eram sempre tidos como excelentes, senão oficialmente, ao menos numa espécie de consenso entre professores e direção. Já os donos das notas altas em português, história, literatura (hum, essa então…) e geografia, não mereciam iguais considerações, pareciam ser vistos como seres limitados, capazes apenas em tarefas menores.

E o pior é que eu era péssimo em matemática, física e química.

5 comentários em “Para todo mundo escutar.”

  1. mas voce nem é escandaloso.
    Tirando aquela vez que voce nos encontramos no metrô e gritou ANIMAL bem alto e metade do terminal olhou, nunca achei que voce falasse alto, alias nem voce nem o Marcelo Chacrinha.

  2. Denise Giusti

    Adorei o texto. Bem, sei o que é isso afinal temos o mesmo sangue correndo nas veias, É chato e desagradável quando estamos falando alto com entusiamo sobre algum assunto e alguém grosseiramente e baixo nos chama atenção, fico também chateada e ainda por cima carrego um problema de audição que me faz falar alto e muitas vezes não me dar conta, mas enfim tocamos a vida, quem nos ama e nos quer bem deixa prá lá..

  3. Um colega meu dizia que eu tinha “sangue italiano”, apesar de não ser descendente deles. Sofro do mesmo problema. No meu caso, além do que vem de casa, a situação foi maximizada, pois aos 16 anos encarava uma sala de aula gigantesca tendo que impostar a voz para chegar lá no fundo. Ainda me magoo ao ouvir certos comentários. Por mais que tente me policiar, os mais de 20 anos de docência contam e muito. Nunca precisei de microfone para palestras, mas no trabalho…
    Beijão

  4. ngela Giorgio

    Nao sei se vai consolar..mas me identifico total c/ vc. O jeito e’ aceitar e deixar os outros, que falam baixinho e entredentes pra’ la’. Somos “oriundi d’Italia”! Com muito orgulho, alia’s! Faz parte!
    Abs,
    Angela Giorgio

  5. Milene Favilla

    “Cachorro filho da “p”, saí daqui”.
    Experimente falar com o cachorro esta frase em tom alto e, depois, em tom manhoso e acariciando o cachorro…
    Abç André

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