Pelé: rei de boca fechada

Pelé foi um dos homens públicos mais simples e acessíveis que entrevistei em meus tempos de repórter.

Em uma das vezes, fui andando a seu lado pelos corredores do Copacabana Palace, no Rio, gravando suas declarações até que ele chegasse no carro, já na calçada do hotel, e de despedisse com um aperto de mão.

Na outra, ele era ministro do governo Fernando Henrique e participava, também no Rio, de algum evento ligado às paraolimpíadas. Estava sentado na tribuna e cercado por seguranças. Chamei-o pelo nome e mostrei o gravador com o timbre da emissora para a qual eu trabalhava. Na hora mandou que os seguranças deixassem eu me aproximar.

Trabalhei com um produtor de vídeo que fez trabalhos com o rei da pelota. Me contou que, certa vez, foram gravar na casa do Pelé, e, terminado o trabalho, começaram a sentir cheiro de churrasco. Para surpresa geral, aparece o próprio Pelé servindo picanha, coração e linguiça a toda equipe de filmagem, inclusive ao pessoal que carrega equipamento pesado.

Por isso tudo, Pelé talvez seja minha experiência comprovada de que nem sempre as atitudes das pessoas se coadunam com certas coisas que dizem.

Ainda outro dia ele pregava que era melhor a população esquecer as manifestações, a indignação com a patifaria histórica desse país e tratar apenas de apoiar a seleção.

Há duas semanas, a Folha de São Paulo trouxe pequena reportagem sobre a escuta gravada de um diálogo dele com o ex-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, na Casa Branca, em 1973 (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/08/1330156-nixon-e-pele-discutem-futebol-em-audios-divulgados-pelos-eua.shtml). Nixon pergunta a Pelé se no Brasil falamos espanhol. Pelé responde português e acrescenta: é tudo a mesma coisa. Ficou a sensação, ou quase uma certeza, de que se Nixon perguntasse se nossa capital era Buenos Aires ou se andávamos de tanga e arco e flecha pelo meio das ruas, Pelé responderia “sim, quase isso”.

Se ainda estivesse jogando, poderíamos dizer: atenha-se às quatro linhas, esse é o território que você domina como ninguém. Evite sair dele.

Me veio à cabeça outro homem público, Romário – este, dos mais sisudos e arredios que entrevistei – dizendo: o Pelé de boca fechada é um poeta.

PeléRomário

 

1 comentário em “Pelé: rei de boca fechada”

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