Qual é mesmo a família prejudicada?

Na última quinta-feira, dia 11, a jornalista Daiane Garcez enviou-me carta mostrando indignação com as palavras da primeira-dama do Distrito Federal.

Após a saída da visita diária ao marido preso há mais de um mês, Flávia Arruda fez o que para ela foi um desabafo. Para o eleitor, contribuinte e cidadão foi a prova de que as autoridades têm no papel de vítima uma espécie de disfarce a ser usado em caso de emergência. Ou seja, pego com a boca na botija, a autoridade abre o armário, pega o disfarce e aparece com ele querendo comover a sociedade, de olho no perdão da memória curta do brasileiro, especialmente se for o perdão eleitoral.

Daiane Garcez pediu que eu transformasse sua carta em texto para esse blog. Achei melhor publicá-la na íntegra. Primeiro porque o texto está excelente. Segundo porque não há nada na carta que eu pudesse acrescentar, nem mesmo um centímetro de indignação.

A carta segue reportagem do Correio Braziliense, que deu origem ao desabafo de minha colega de profissão.

*

Ex-primeira-dama fala pela primeira vez após a prisão do marido

Débora Álvares
Noelle Oliveira
09/03/2010 20:25
A ex-primeira-dama do Distrito Federal falou, na tarde desta terça-feira (9/3), pela primeira vez após a prisão de seu marido, há quase um mês. Flávia Arruda se mostrou preocupada com o estado de saúde do governador afastado e preso, José Roberto Arruda (sem partido).
Segundo ela, Arruda tem dificuldades para andar e, hoje, não quis comer – a esposa do governador chegou à PF por volta de 12h40, com o almoço dele. Flávia destacou, ainda, que o exame doppler realizado nesta segunda-feira (8/3), não apontou placas na safena, mas acusou um edema. De acordo com a ex-primeira-dama, além do inchaço nas pernas, Arruda tem apresentado grandes oscilações de pressão. A Polícia Federal ainda não confirmou as informações passadas por Flávia.

A esposa do governador afastado acredita, ainda, que a piora do estado de saúde de Arruda seja consequencia da suspensão, após a prisão dele, das sessões de fisioterapia. Segundo Flávia, o marido era submetido aos exercícios desde a cirurgia no tendão do pé direito que pela qual passou em 9 de novembro do ano passado.

Flávia Arruda destacou que a rotina da família, com a detenção do marido, está muito complicada. Ela ressaltou, ainda, que a filha sente muita falta do pai. “Eu estou péssima, doente. Quem mais está se prejudicando com toda essa situação não é a população de Brasília, mas sim o próprio Arruda e nós, sua família”.

A ex-primeira-dama afirmou que não queria comentar a respeito das imagens de Arruda recebendo o dinheiro das mãos do ex-secretário de governo Durval barbosa na operação Caixa de Pandora. No entanto ressaltou que não se surpreendia com o fato. “Não me surpreende porque eu sei que todo mundo recebe. E sei que a política no Brasil é assim, as pessoas precisam receber dinheiro para a campanha”, disse. Flávia destacou que todo o dinheiro recebido por Arruda foi declarado.
* * * * * * * * * *  
Pois bem, sem dúvida alguma a família deve estar sofrendo. Qual a família não sofre ao ver um ente querido preso, por pior ato que ele tenha cometido. Isso é natural, e vemos todos os dias, nos noticiários, familiares (de homicidas, ladrões, estelionatários …) chorando e reafirmando com todas as forças que são vítimas de injustiça. Ora, isso é perfeitamente aceitável e entendível. Deus que me livre, mas não sei se eu teria forças para agir de outra forma.
 

O que não é aceitável é que uma primeira dama diga: “Quem mais está se prejudicando com toda essa situação não é a população de Brasília, mas sim o próprio Arruda e nós, sua família”.  Entendo que a primeira dama, que passou quase um mês calada, perdeu a chance de permanecer calada por mais tempo.Talvez ela tenha dito isso porque não conhece a realidade da saúde pública no Distrito Federal. Há quanto tempo a população está prejudicada pela falta de responsabilidade do governo em aplicar menos do que deveria, ou até mesmo desviar o dinheiro que deveria ser utilizado neste setor? A senhora Flávia Arruda pode até ser a primeira dama, mas talvez seja a última a saber que todos os dias a população – e neste caso digo os mais pobres – chora por não encontrar médicos suficientes para atendimento, por não encontrar remédios – em muitos casos caríssimos, que custam fortunas diante da renda familiar – chora por não conseguir marcar uma cirurgia, e precisa esperar por meses e até anos uma decisão da Justiça para ter direito ao que está garantido como direito em lei. E mais, é lamentável que esta declaração seja de uma senhora que presida o Instituto Fraterna e se diz totalmente empenhada no trabalho social.
 

A primeira dama também afirma que não se surpreendeu com as imagens, porque isso é natural, porque todo mundo recebe. Entendo, que nesta situação, em particular, justificar um erro com outros erros não é o mais adequado. Talvez, mais uma vez, ela seja a última a saber que o governador José Roberto Arruda foi eleito pela maioria não porque entre os errados ele é o menos errado, mas porque os eleitores depositaram nele a confiança de que estaria à margem da ilegalidade e saberia gerir a cidade com honestidade. Até mesmo porque, há alguns anos, José Roberto Arruda pediu perdão e mais uma chance para provar que é um homem correto.
 

Não se trata aqui de inocentar ou condenar o governador: isso cabe à Justiça. O que incomoda é saber que a primeira dama despreza o impacto desse “esquema” no dia-a-dia da população. Causa impacto também em outras cidades, em outros países, e até no Judiciário brasileiro – que já deve ter recebido de tudo. É só lembrar da declaração do “ministro-poeta” do STF, Carlos Ayres Brito, durante o julgamento do habeas corpus de Arruda: “Dói em cada um de nós, dói na alma, no coração ver um governador sair de um Palácio para a cadeia, mas há quem chegue às maiores alturas para cometer as maiores baixezas.”
 

Com isso, concluo: a primeira dama, que passou um mês em silêncio, deveria ter permanecido assim até o fim das investigações.

3 comentários em “Qual é mesmo a família prejudicada?”

  1. André, muito boa a carta de sua colega e muito apropriado o título do seu texto. Porque sem sombra de dúvida, a familia mais prejudicada é a brasileira. O que os pais vão dizer aos seus filhos, quando uma “primeira dama” diz em alto e bom tom que todo mundo rouba com a maior naturalidade ? “Qual é mesmo a família mais prejudicada ?

  2. uai, o arruda e a esposa podiam iniciar uma greve de fome…para protestar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima