De vez em quando você se dá conta de que ficou mesmo faltando ler alguns dos mais importantes livros da humanidade, de que teve em mãos e deixou passar Cervantes ou James Joyce, aliás, um saco, a maioria diz, mas mesmo essa oportunidade, a de também achar chato, você perdeu.
Também entrou e saiu de seus ouvidos o nome de algum dos discos que estão na lista dos mais de mil que você deveria ouvir antes de morrer. Resignadamente, pois, você morrerá sem ouvi-lo. Por mais que estique o elástico da memória, você não recaptura o nome do disco e muito menos o do sujeito que lhe falou dele, para que você vá atrás e pergunte de novo.
Jamais viu o pôr-do-sol no Pontão do Atalaia, porque também nunca prestou atenção onde fica ao certo esse lugar, se é mar, serra, chapada, despenhadeiro, logo ali ou fim do mundo.
Nunca aceitou o convite do antigo parceiro para montar um time de botão e jogarem como faziam na adolescência. E olha que você adora o cara, mais ainda jogar botão.
Pouquíssimo tem visto a lua, e quando finalmente procurou na frente do prédio o jasmineiro em flor, do qual sua mulher falou semanas, a florada já havia terminado.
Nem lembra o último filme a que assistiu do Woody Allen, logo você que quando era mais novo não perdia um.
Nunca mais também escutou Iran Maiden. Aliás, em que canto da casa a expansão da família confinou seus vinis do Iran, do Deep Purple?
Já morre de saudades do tempo em que a filha mais velha era bebê, e que você a trocava apressado ou com sono no meio da madrugada, iludindo-se, pensando que o tempo seria congelado para que você pudesse curtir tudo aquilo com mais calma, quando estivesse mais folgado.
Tem dias que você quase manda mesmo tudo às favas e vai viver ver ler assistir ouvir tocar as coisas que são as mais importantes.
Mas esse também é um outro problema seu: você nunca chegou muito perto do quase.
Irritantemente covarde, você sempre abaixou a cabeça para as coisas sem importância.
Meu caro André,
entre filhos, contas, deveres e afazeres acabamos esquecendo de fazermos coisas simples, ou esquecemos do prazer que as coisas simples nos proporcionavam. Esquecemos da obrigação que temos de fazer algo por nós, e quando o fazemos, achamos que estamos sendo egoístas. Atualmente, ler o blog tem sido parte do meu momento de egoísmo, obrigado pelos textos.
No seu caso, então, faça esse tempo a partir de hoje. Feliz aniversário!
Ler esse trem logo no dia do meu aniversário foi lindo. Porque me sinto exatamente assim — tirando a parte das filhas e do Iron Maiden, banda que sempre achei brega. O resto tudo tem a ver.
E faz pensar que uma nova forma de enxergar a vida é necessária. Ainda temos tempo, André!
Esse é um desbafo que incomoda o inconsciente coletivo. É a avalanche da globalização massacrando nosso pequenos momentos os quais, na verdade, são nosso ponto sublime de reminiscências agradáveis e intransferíveis.
Às vezes no meio da correria penso isso. O que eu faria agora se tivesse tempo para fazer… Aí a gente se contenta com os fins de semana (que passam voando) ou com as férias (uma vez por ano).
Essa vida agitada que levamos e deixamos de fazer coisas que gostaríamos ou observar com mais calma a natureza, tudo isso por causa da sobrevivência. O cansaço toma conta e deixamos para depois coisas pequenas e sem importância, será que são pequenas? Isso dá angústia e a urgência de viver tudo isso logo pois o tempo está passando mais que um pouco do meio século se foi e daqui sei lá, 1 ano , 2 , 10 vou embora e vou ter a sensação de que não fiz o que queria. Sua crônica é ótima como sempre e me fez vir tudo isso a cabeça.