Resenha – Histórias de Pai , Memórias de Filho*

Por Fernando Ramos

Confesso que quando adquiri Historias de pai, memórias de filho, livro recente do André Giusti, foi mais por admirar sua escrita do que pelo tema. Apesar de ser pai de um moleque lindo de oito anos, não era o tipo de leitura que me procurava atualmente. Ando mais afeito às histórias sanguinolentas e viscerais, como as fonsequeanas do que qualquer outro gênero. Entretanto, fui movido e instigado pela resenha de uma amiga grávida de seu segundo filho – talvez vivendo seu ápice de sensibilidade sentimental.

Tive duas perspectivas com Histórias de pai, memórias de filho. A primeira foi da leitura como um todo. Achava, presunçosamente, que não ficaria tocado, até me perceber em lágrimas contidas com histórias singelas, como em Janelinha. Ou de doce cumplicidade e bom humor ilustrado em Toca Raul. André contou essas e outras como se o ouvíssemos em um bate-papo intimista: por vezes se emocionando; em outras esperando o que virá; ou apenas rindo com o humor fino de seus contos. Foi inevitável lembrar de vários momentos de beleza e simplicidade com meu filhote, com meus pais.

A segunda perspectiva foi mais técnica, ligado às nuances do texto. Intrigou-me saber como seria a narrativa de André neste livro, pois pelo título, me parecia algo contido, autobiográfico. Mas estava tudo ali, como a destreza para cortar o desnecessário das histórias, retratado em O mais novo grande senhor do tempo. André, em uma linha, explica os motivos do personagem não usar relógio. Muitos teriam um trabalho hercúleo e desnecessário para contextualizar isso. Talvez usassem um, dois parágrafos, desvirtuando o enredo, perdendo o leitor de vista. Outro aspecto sempre marcantes nas construções frasais do André são as metáforas. Os paralelos traçados por ele são imaginativos. Leitores mais atentos verão a formosura dos detalhes e também entenderão como o autor transformou uma sensação intangível em algo palpável, que se ergue em nossa frente e evita o passar de olhos correndo pelas linhas do texto. Um exemplo é um trecho do primeiro conto do livro A primeira noite de um homem: “Para ver pela primeira vez o rosto mais amado de sua vida, sem jeito ele teve que desfazer um tanto aquele embrulho. Assemelhava-se ao faminto que precisa vencer a casca grossa da fruta até chegar à polpa.” Quem é pai logo se lembra perfeitamente do pequeno desespero, a ansiedade de querer ver logo o rosto de seu filho em um embrulho com mais pano do que gente.

Mas foi no conto A vida é linda, Carlos Alberto! que li, reli e grifei o mesmo trecho várias vezes. Nele, somos capazes de sentir a alegria em alvoroço do personagem em sua primeira viagem na adolescência, graças à conotação delicada: “Acima do tumulto, pairava a ânsia pela farra, e amarrada a ela, feito rabiola de pipa, uma sensação de que haveria sempre uma música no ar…”

É exatamente a sensação dessa analogia que fica da leitura: de dança delicada, suave flutuar, leveza fraterna dos momentos inocentes em família. Momentos que fazem de nós o que somos.

Ao terminar o livro, peguei o telefone e liguei para mainha, painho e depois para o meu filho. Disse que tinha um livro que eles precisavam ler um dia.

http://autorfernandoramos.com.br/ — com André Giusti.

*Conheça Histórias de Pai, Memórias de Filho na seção Livros do meu site

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