Supermercado

 

Foi por acaso que passou pela gôndola dos vinhos. Na verdade procurava pão-de-forma, que a mulher pedira para comprar em cima da hora de ele voltar do almoço para mais uma reunião sem importância, daquelas que não convém faltar. Mas como estivesse cansado, deixou-se contemplando aqueles rótulos vistosos. Às vezes, quando pousava os olhos assim em um conjunto de elementos coloridos, aliviava o esgotamento, parecia até que respirava pelos olhos.

Deu com a bandeirinha da Itália. Seus vinhos prediletos eram de lá, contrapunham os sabores fortes, os temperos quentes de que tanto gostava.

Suas noites de sábado eram calmas no geral, em paz como a consciência dos que vivem do próprio esforço. Havia travessura de crianças, mas mesmo assim conseguia ouvir jazz ou blues. Mais para a madrugada, com o sono, chegavam o silêncio e as sombras que a luz da rua desenhava na parede da sala. E o vinho italiano descia refrescando a alma e seus sonhos teimosos, aqueles mais verdadeiros.

Pão-de-forma.

Se der, compra amaciante.

E as camisas passadas na lavanderia, quem vai buscar?

Há dias doíam as costas, e ele nem desconfiava do motivo.

A gravata tolindo o pescoço, e o diabo de uma calça quente pinicando as pernas.

Lá fora um calor sem piedade derretia o mundo.

Cinco minutos ou menos para a reunião.

Olhou uma das garrafas, a do seu preferido.

Mas ainda era somente terça-feira.

3 comentários em “Supermercado”

  1. Me agrada estas pequenas novelinhas da classe média. Me agrada. Parabéns pelo blog, pelo livro e pelo Gente BSB.

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