Café passando, cabeça pensando

CaféVocê acorda e quando se dá conta do dia e de você mesmo, repara que, paulatinamente e enfim, está tendo a bendita complacência com as pessoas, perdendo a mania de querer que elas sejam o que você mesmo não consegue ser.

O que pode ter acontecido durante o sono pesado e bem dormido? Você se pergunta enquanto despeja café no coador de pano. Procura na memória da noite se sonhou com algo ou alguém, porque, além de tudo, acordou convicto de que se as pessoas não são o que você sonhava, isso não vai fazer a mínima diferença na tua vida.

É quando passa pela cabeça a imagem de um ou outro alguém. A água ferve e você reconhece que é tempo de dar valor aos que decididamente se importam com você. Aqueles que, por exemplo, podem reaparecer, sem avisar, do fundo do passado feliz, para abraçá-lo somente pelo que você é; não vieram com moedas de troca nos bolsos, não fizeram arquitetura da utilidade que você possa ter para eles.

Você também está aprendendo – ora, mas não era sem tempo! – que se as coisas não saíram do jeito que você esperava, em vez de pisar no lodo da decepção, deve desembrulhar o pacote do jeito que mandaram, sem reclamar da qualidade do papel do embrulho nem dos nós que deram no barbante.

É que finalmente, depois de uma vida inteira permitindo que tempestades inúteis matassem as flores do jardim, você chegou à conclusão de que é melhor mesmo aceitar as coisas como elas são, e melhor ainda fica porque não se trata de conformismo resignado com as injustiças do mundo que você sempre quis mudar.

E quando você se toca do que está pensando, o café já desceu inteiro pelo coador de pano, e com mais vontade que o costume, seu aroma tomou conta da casa inteira, como as vozes das crianças nas horas em que elas chegam correndo e felizes.

andre giusti_convite (1)