Músicas para se ouvir domingo de manhã.

Chuva branda

escorre na vidraça

e o enfado suave

desse movimento

me lembra mulher

– que não tenho –

adormecida branca linda

que também se move

querendo retornar

do abismo

do sono intocável

do silêncio da noite

que ainda faz

o quarto imenso.

Da rua chegam

os avisos tímidos

da roxa cinza chumbo

aurora de figuras fugidias.

Corpo de mulher

nem santa nem devassa

apenas comum

semi-nua imagem

desvanecida se apagando

junto às últimas luzes.

Em outra manhã

de outro mundo

minha poesia acorda

amarrota lençóis

e transforma em luz

pássaros que abandonam

seus cabelos

e descobrem o sol.

1991.

Fica Arruda. Onde está, é claro.*

Ouvida pelo telejornal de uma emissora, a moradora de Brasília defende a gestão de José Roberto Arruda. Diz que no governo, o homem que deverá mesmo (por incrível que pareça) passar o carnaval no xilindró, fez muitas obras, melhorou o transporte de ônibus, ordenou a cidade e por aí vai.

Não era muito difícil para Arruda fazer algo melhor do que seu antecessor, Joaquim Roriz, que perigosamente ameaça voltar a governar o Distrito Federal, de acordo com pesquisas. De fato, Arruda mandou os empresários sovinas comprarem mais ônibus, embora esse sistema de transporte no DF continue inacreditavelmente horroroso. Sabe-se lá a que custo ambiental, rasgou o DF em várias partes alargando vias, rodovias e passando viadutos para lá e para cá, seguindo a tradição brasileira de prestigiar o carro em detrimento do trem e do metrô. Iniciou a regularização dos condomínios, invasões de classe média que enriqueceram muitos grileiros de terras públicas, alguns dos quais, dizem, estão na política ocupando cargos de destaque. Pretendeu começar por aqui uma espécie de choque de ordem, que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, consegue fazer de forma mais amplificada, até porque é no Rio. Arruda investiu-se como administrador da ordem, mas esqueceu que só se chega à ordem se houver moralidade. E esse foi o maior abismo do governo Arruda.

A moradora ouvida pela televisão parece aceitar, mesmo sem pensar que aceita, a máxima do ademarismo, que é o rouba, mas faz. Não, uma administração boa não é uma administração corrupta, como disse aqui mesmo, nos comentários do blog, o poeta e professor Alexandre Pilati. Mesmo que faça obras, que mande comprar ônibus, que faça hospitais. Mesmo que torne o ensino público coisa de primeiro mundo, um governante que rouba não é um bom governante.

Queremos obras, ônibus, hospitais e escolas.

Mas tudo isso sem roubar. Ou melhor, sem que nos roubem.

* Campanha lançada do blog do jornalista Ricardo Noblat.     

A festa desmerecida.

Anunciaram meses a fio que a festa pelos 50 anos de Brasília seria um desfile de astros. Disseram que com Paul MaCartney estava tudo acertado, que só faltavam alguns detalhes. E que ao lado dele estaria Roberto Carlos cantando uma canção com o ex-Beatle. U2 e Madonna, figurinha fácil por aqui nos últimos tempos, também estavam cotados para sacudir os esqueletos dos moradores da capital do país.

Paul MaCartney, dizem, pediu alto, e não haveria dinheiro escondido nas meias que pagasse o cachê. Roberto Carlos saiu de fininho. Mandou dizer que tinha shows na agenda. A essa altura da vida é muito tarde para sujar seus belos blazers com migalhas de panetones suspeitos.

Quando a bandalheira veio à tona, acho que nem tiveram mais cara de procurar gente lá fora para animar o cinquentenário da cidade. Tiveram que correr por aqui mesmo e resolveram a parada com os mesmos de sempre. Cláudia Leite, Ivete Sangalo e uma ou outra dupla sertaneja que todo fim-de-semana estão por aqui foram convocadas às pressas para que houvesse ao menos alguém fazendo barulho no palco a ser armado na Esplanada dos Ministérios.

A programação para festa dos 50 anos de Brasília se anuncia deprimente, mas é o retrato da lama em que a ladroagem mais repugnante e descarada enfiou a cidade e, de quebra, a reputação dos moradores, honestos em sua quase totalidade.

Possivelmente quando você estiver lendo esse texto, o chefe da quadrilha já tenha deixado a prisão por causa do entendimento de algum notabilíssimo e empavonado ministro de tribunal superior.

É bem possível também que em abril, quando Brasília sopra as velhinhas, o Distrito Federal esteja sendo governado por um interventor nomeado. O  fato é inédito entre as unidades da Federação, pelo menos nos tempos mais recentes e, mais ainda, por causa de gatunagem explícita. Um presente que JK jamais pensou que a cidade que construiu ganharia quando soprasse 50 velinhas.

Óbvio que no caso de uma intervenção federal, quem estiver com essa batata quente na mão terá milhões de outros abacaxis para descascar, e os 50 anos de Brasília não deverão estar na pauta do dia. Talvez nem música baiana nem dupla que chora os chifres que a mulher botou dê para trazer, o que convenhamos não seria má idéia.  

Mas já que estragaram mesmo a festa toda, se a capital não poderá festejar seu meio século de fundação do jeito que merece, que ao menos passe seu aniversário livre de quem a saqueou os cofres. Vendo por esse lado, dá até para comemorar. Desde que não seja, é claro, com axé e música sertaneja.

Que calor, mer’mão!

Uma das poucas coisas de que não sinto falta no Rio de Janeiro certamente é o calor de fevereiro. Não há novidade no que está nos jornais, dizendo que a cidade só não é mais quente do que um lugar perdido lá no Saara. Qualquer carioca que more ou tenha ido, por exemplo, a Bangu e adjacências nessa época do ano na hora do almoço sabe que lá o diabo tem saudade de casa.

No verão carioca jamais deixe o carro estacionado debaixo do sol. Se deixar, não pegue o volante sem a proteção de uma flanela. Ao contrário, suas mãos ficarão feito gado marcado com ferro em brasa. Lamento dizer, mas não estou sendo tão exagerado assim.

Certa vez estava fazendo uma reportagem na favela de Vigário Geral. Era um desses dias de janeiro ou fevereiro, mais de duas horas atrás da Polícia em uma operação de rotina. E por uma dessas crueldades do jornalismo de televisão (com o repórter, diga-se de passagem), eu vestia um vistoso terno e uma bela gravata, mas que me eram instrumentos de tortura naquela situação.

Terminado o trabalho da Polícia, mais de meio-dia, comprei duas enormes garrafas de água mineral. Uma bebi feito um camelo desidratado. A outra, virei inteira na cabeça, sem pena de ensopar o paletó.

Bom, toda essa introdução para falar de poesia. Abaixo, uma pequena série de cinco poemas escritos entre 1992 e 1995, bem nos meses da canícula, daí o título.

Aos meus conterrâneos, tentem refrescar ao menos a alma.

O Rio em janeiro fevereiro e março

I.

O dia amanhecendo
derretia luzes na Lapa.

II.

A noite caiu
a terra em volta abre
poros quentes.
Vapor
Vapor
Vapor.
Árvores imóveis
não dão sinal de chuva:
peço piedade
pro dia seguinte.

III.

Era de manhã
quando meu coração louco
passou a 120 pela Lagoa – Barra.
A Pedra da Gávea sorriu para mim,
me mandou beijos com ares de Mona Lisa.
O dia estava azul para sempre
e me apaixonei mais cinco vezes
até a noite.

IV.

Urca
Baía de brilhos
e curvas
e espuma de cerveja.
A vida roda ali agora
em mão dupla
na enseada de Botafogo.
A lua calada
quem sabe confessa
saudades de um sambista morto.
Marola vem e volta
pra escuridão
(e isso, na pedra,
é antiga percussão).
Na mureta
velha amiga solta o cabelo
insinua seios
giro olho e língua
vira nova amante. 

V.

Os flamboyants sangrando
nos galhos suspensos
são corais que se entediaram do mar
e foram viver nas árvores.
Outras flores
de nomes confusos
esperam entardecidas
o vento furioso
de um provável temporal.
O sol é um tigre asiático,
devora meus ombros
com fome de três dias.
Samambaias avencas
begônias jibóias
por trás dos muros que fervem
rezam pela misericórdia
da brisa.
As sombras heróicas
irredutíveis
montam guarda
embaixo das mangueiras
das amendoeiras
e aguardam que cheguem
suas irmãs noturnas
recortadas pela lua.
Deus é um pintor de horas vagas
que carrega nas cores
de vez em quando.

Que pareça desabafo e não autoajuda.

 

De vez em quando você se dá conta de que ficou mesmo faltando ler alguns dos mais importantes livros da humanidade, de que teve em mãos e deixou passar Cervantes ou James Joyce, aliás, um saco, a maioria diz, mas mesmo essa oportunidade, a de também achar chato, você perdeu.

Também entrou e saiu de seus ouvidos o nome de algum dos discos que estão na lista dos mais de mil que você deveria ouvir antes de morrer. Resignadamente, pois, você morrerá sem ouvi-lo. Por mais que estique o elástico da memória, você não recaptura o nome do disco e muito menos o do sujeito que lhe falou dele, para que você vá atrás e pergunte de novo.

Jamais viu o pôr-do-sol no Pontão do Atalaia, porque também nunca prestou atenção onde fica ao certo esse lugar, se é mar, serra, chapada, despenhadeiro, logo ali ou fim do mundo.

Nunca aceitou o convite do antigo parceiro para montar um time de botão e jogarem como faziam na adolescência. E olha que você adora o cara, mais ainda jogar botão.

Pouquíssimo tem visto a lua, e quando finalmente procurou na frente do prédio o jasmineiro em flor, do qual sua mulher falou semanas, a florada já havia terminado.

Nem lembra o último filme a que assistiu do Woody Allen, logo você que quando era mais novo não perdia um.

Nunca mais também escutou Iran Maiden. Aliás, em que canto da casa a expansão da família confinou seus vinis do Iran, do Deep Purple?

Já morre de saudades do tempo em que a filha mais velha era bebê, e que você a trocava apressado ou com sono no meio da madrugada, iludindo-se, pensando que o tempo seria congelado para que você pudesse curtir tudo aquilo com mais calma, quando estivesse mais folgado.

Tem dias que você quase manda mesmo tudo às favas e vai  viver ver ler assistir ouvir tocar as coisas que são as mais importantes.

Mas esse também é um outro problema seu: você nunca chegou muito perto do quase.

Irritantemente covarde, você sempre abaixou a cabeça para as coisas sem importância.

Supermercado

 

Foi por acaso que passou pela gôndola dos vinhos. Na verdade procurava pão-de-forma, que a mulher pedira para comprar em cima da hora de ele voltar do almoço para mais uma reunião sem importância, daquelas que não convém faltar. Mas como estivesse cansado, deixou-se contemplando aqueles rótulos vistosos. Às vezes, quando pousava os olhos assim em um conjunto de elementos coloridos, aliviava o esgotamento, parecia até que respirava pelos olhos.

Deu com a bandeirinha da Itália. Seus vinhos prediletos eram de lá, contrapunham os sabores fortes, os temperos quentes de que tanto gostava.

Suas noites de sábado eram calmas no geral, em paz como a consciência dos que vivem do próprio esforço. Havia travessura de crianças, mas mesmo assim conseguia ouvir jazz ou blues. Mais para a madrugada, com o sono, chegavam o silêncio e as sombras que a luz da rua desenhava na parede da sala. E o vinho italiano descia refrescando a alma e seus sonhos teimosos, aqueles mais verdadeiros.

Pão-de-forma.

Se der, compra amaciante.

E as camisas passadas na lavanderia, quem vai buscar?

Há dias doíam as costas, e ele nem desconfiava do motivo.

A gravata tolindo o pescoço, e o diabo de uma calça quente pinicando as pernas.

Lá fora um calor sem piedade derretia o mundo.

Cinco minutos ou menos para a reunião.

Olhou uma das garrafas, a do seu preferido.

Mas ainda era somente terça-feira.

Maria

                  Dos porões dos anos 90, divido com vocês essa prosa poética apaixonada, para começarmos a semana.

 

Ah, Maria! Quantos poemas, Maria!…Quantos poemas possíveis quando deixas os olhos abertos aguardando as constelações no fim da tarde. Maria, quantos poemas inseminados de vento gelado…trovas, estrofes, métricas perfeitas, modernismo, futurismo, rimas ricas, caras, entrelaçadas, contos, novelas e até romances, Maria, veja só, romances épicos, premiados, best sellers vendendo mais do que amendoim torrado em bar da Avenida Atlântica.

Palavras, Maria, Palavras! Páginas de um dicionário inteiro voam quando teus olhos me fitam por distração, matando o tempo enquanto não chegam as constelações do fim de tarde. Ah, Maria! E eu que nunca cacei borboletas, deixo as palavras passarem por minhas mãos rumo ao princípio do planeta. Você calada já diz tudo, Maria, e eu quero ser um poeta calado, embriagado do teu silêncio. Você calada e a poesia sobrevive entre os cães do mundo, passa batom discreto, bate a porta e vai ver o luar de todo o céu.

Ah, Maria! Poemas, Maria, poemas! É tudo que tenho vontade de fazer quando penso em teu cabelo na cara, minha adorada bonequinha de pano maltratada pelo frio. Poemas, Maria, o dia inteiro escrevendo para ti, os pés na mesa, a casa de lado imitando o caos, louça na pia, poeira no móvel, cabelo, barba crescendo, a esferográfica me dando calo na dobra do dedo e a agenda do ano retrasado sobre o colo, encharcada do teu nome, Maria. Poemas todos os tipos: odes, sonetos ultrapassados, quadras, tercetos, versos livres, enredos de sambas amalucados, hai khais mínimos como folhas de trevos, longas e longas páginas cobrindo a Avenida Brasil, do Caju a Santa Cruz. Poemas, Maria, que fizessem justiça, que curassem doentes, abrigassem crianças, matassem fome, frio, mas que me levassem contigo, Maria, pra Taiwan, Luxemburgo, Bali, Madagascar. Poemas, Maria! Poemas que tornassem possível transformar em Interprise que sobe as serras meu Passat 82 queimando óleo. Eu e você dentro dele, acima das nuvens, sentindo cheiro de baunilha, framboesa, damasco, hortelã.

Ah, Maria! Quantos poemas possíveis quando me abraças tirando-me o chão dos pés e me pões para andar descalço no cosmos, como se fora ele o tapete de luxo que não tenho na sala. E eu sinto, Maria, eu juro que sinto, não é mentira, eu sinto as estrelas entre meus dedos como se fosse a terra bem fina do leito dos rios. Ah, Maria, em quantos poemas te imagino de surpresa aqui em casa, sem amarras, solta de engrenagens, chegando das profundezas de um temporal, rindo da minha cara abrindo a porta, ensopada, pedindo uma camiseta seca e um pouco de carinho e êxtase madrugada adentro. Ah, Maria, você aqui em casa eu invento um chalé em Teresópolis, um bangalô em Arraial ou deixo tudo assim mesmo, nesse “apertamento” de homem solitário – onde do quarto acendo a luz da cozinha sem tirar os pés da sala – de medidas certas para você e eu.

Ah, Maria, quantos poemas possíveis com você aqui em casa e a gente comendo macarrão em um só prato, como se fôssemos mesmo The Lady and The Bad Tramp, uma distribuição NetWork, versão brasileira A6 São Paulo. Você viu quando era criança? Claro, eu sei, todo mundo viu. Mas eu te prefiro mais boneca de pano do que dama, do que  Demi Moore ou Daryll Hanna. Maria, você não é filme, nem teatro meu ou do absurdo. É só poesia inspirando a música louca dos pardais.

Rio de Janeiro, 1994.

*

 

‘Inda pouco eram sete horas

Agora são quase dez.

A semana já está acabando

E sábado-e-domingo também é tão rápido.

O ano passou do meio

E minha vida, da metade.

Logo é outro natal

Teu aniversário é mês que vem

Qualquer dia, a nossa morte.

Apenas a gradual angústia das horas

É lenta,

Lenta feito um visgo-movediço-vagaroso

Nos subindo pelas pernas,

Passando da cinutra

Até nos roubar inteiramente o ar.

* Esse poema esta publicado no último número de caderno de poesias 7faces. Conheça o caderno acessando http://set7aces.blogspot.com/

Falência múltipla – Ainda Ernesto Silva.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, disse hoje que a denúncia de suborno, que pôs ainda mais pimenta no vatapá da bandalheira em Brasília, significa a falência múltipla das instituições, ou da moralidade, ou da dignidade da administração pública. Agora não vem à cabeça a frase com exatidão, mas o sentido era esse, carregado de uma contundência que, aliás, está faltando às autoridades que podem tirar do poder a quadrilha que envergonha o morador da capital do país.

A expressão falência múltipla me faz, ainda uma última vez, falar de Ernesto Silva nesse espaço. O médico, pioneiro de Brasília, morreu quarta-feira aos 95 anos. Falência múltipla foi a causa mortis, o que geralmente consta nos atestados de óbito de alguém que viveu tanto tempo como ele, boa parte se dedicando a construir e a manter uma cidade bem diferente da que vivemos hoje física e, acima de tudo, moralmente.

A falência múltipla levou Ernesto, libertou-o de um corpo que já era um fardo.

Pois bem.

Que leve também o corpo apodrecido da roubalheira que envergonha e pesa nos ombros da gente honesta dessa terra.

Ainda sobre Ernesto Silva.

Parece emblemático que Ernesto Silva tenha ido embora justamente no momento mais delicado da história de Brasília, quando a podridão exposta ao resto do país quase dá de ombros, certa de que não haverá golpe algum de justiça capaz de abalá-la.

Aos que nada conhecem da história desse pediatra, foi um dos homens mais importantes da construção da nova capital. Veio aqui ainda no governo Vargas demarcar os limites da cidade, época em que os tatus e as onças mandavam no terreiro. Construída a capital, resolveu fazer dela a sua casa. Foi o único dos nomes conhecidos da odisséia Brasília que decidiu morar na cidade que ajudou a levantar. Terminou sua missão pouco antes que a grande filha em forma de avião completasse 50 anos.

Mais importante do que o passado de Ernesto Silva em Brasília, era o presente de Ernesto Silva em Brasília. Defendia a cidade como patrimônio histórico, mas na verdade seu combate era pela qualidade de vida, o maior patrimônio que o morador de qualquer cidade pode almejar conseguir. Insurgindo-se contra o andar a mais nos prédios do Plano Piloto, defendendo a área pública da ocupação sem ordem ou os gramados e as árvores do apetite dos carros, era uma pedra no sapato daqueles que querem susbstituir a liberdade dos grandes espaços pela opressão dos arranha-céus e pela neurose dos congestionamentos.

Ernesto Silva era um dos últimos intérpretes de uma Brasília que se quis humana, que nunca se imaginou recebendo o lixo político do resto do país nem servindo de retiro a uma elite funcional parasitária, engordada por vantagens e gratificações –  muitas vezes imorais – ou propinas e comissões – sempre ilegais. Uma elite, não apenas de funcionários públicos, mas de outros ramos da economia, que em parceria com a classe média e com o chamado povão, é cúmplice por omissão ou por proveito de um governo local alcaponiano, de um parlamento distrital inútil e apodrecido e de uma justiça vaidosa, preguiçosa e complacente.

A morte de Ernesto Silva nos deixa a sensação inesgotável da orfandade, e leva com ela uma Brasília que talvez sequer tenha existido de fato, e que certamente nós que ficamos não conseguiremos recuperar.

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