André Giusti

Jornalista e escritor

Livros

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As filhas moravam com ele

“Ele não explicita, mas no corpo de seus contos encontramos o pano de fundo de sua escrita: a denúncia social. E nada intercepta essa trajetória, nos mais sensíveis e nos mais cruéis, ele desmascara a face do homem e do monstro que o habita. Estraçalha a mediocridade e a desfaçatez sem abrir mão da humanidade, de suas experiências, de sua integridade e do ser amoroso”.
Ana Maria Lopes

“André Giusti é um autor de profundidades. De mergulhos constantes e viscerais nas misérias morais contemporâneas. Mas há que se destacar a sua marca-mestra: a ironia. Uma chancela que faz da sua obra uma exposição dura do ser humano em seus aspectos mais tristes, mais frágeis, mais torpes, mais abjetos. Um escritor experiente e intenso. Que conhece os infernos e sombras que ninguém quer ver, que ninguém quer ser”.
Cínthia Kriemler

“Os contos são desconcertantes no que trazem de representação de nossa realidade, com toda a sua crueza, violência, frustrações, esperanças vãs. A vida chã do brasileiro médio preenche as páginas desse belo livro de contos que traz as leituras e vivências do autor em sua experiência nas redações jornalísticas no Rio de Janeiro e em Brasília. Seus personagens, homens e mulheres de carne, osso, sangue e suor, transitam num realismo sem concessões e parecem habitar nosso caminho, nos dando mesmo a impressão de que, a qualquer momento, nos será possível reconhecê-los nas ruas”
Leonardo Almeida Filho

De tanto bater com o osso, a dor vira anestesia

De tanto bater com o osso, a dor vira anestesia, nova coletânea de André Giusti, reúne trinta e cinco anos de produção poética. Sob a sua dicção muito própria, reencontramos a poesia como insistência e defesa: “cada dia que amanhece / é o corte de uma navalha”. A exemplo da “escrita imediata dos meteoros”, a poesia de André Giusti é incisiva, dispensa solenidade e tem os pés bem apoiados no chão. Mas comove como um blues e, assim, chega, atravessa e envolve a todos sem pedir permissão. Os poemas retratam o cotidiano com lentes muito especiais. E impressiona a harmonia da linguagem poética, que os anos justapostos legitimam e aprimoram.

“Por agora serão o bastante / velhas interrogações”. Sonhos, amor, solidão, as muitas vezes em que nos matamos ou sobrevivemos, as desigualdades e injustiças que passam pelo planeta (diante de nossas janelas), o pertencimento de gerações, tudo está nas perguntas que cada leitor decifrará, nessa catarse compartilhada, como puder. Entre desalento, a revolta que tantas vezes nos espanta e a coragem de os enfrentar, as páginas são alinhavadas, com humor e fina ironia, pelo personagem que caminha ao longo do livro e nos deixa, cinematograficamente, seus poemas.

A partir do apartamento imaginário, a poesia vai ao mundo, buscando a completude impossível que nos lega a condição humana. Comove com a crônica (um boletim de ocorrência) do que há de mais secreto, a nudez de cada qual no espelho das palavras. Sim, “… as grandes respostas / estão nos grandes silêncios / ao longo do dia”. Não importam o bater dos ossos ou a dor. Alheia aos disfarces e emboscadas, a voz de André Giusti é livre. Sua poesia também.

Alberto Bresciani

A Solidão do Livro Emprestado (2a. edição)

“Entupi a lata de lixo do quarto com os bilhetes manuscritos que ele deixava na caixa de correio. Só me dei ao trabalho de ler o primeiro, Soneto de Fidelidade. Pombas, será que o Vinícius não escreveu mais nada na vida dele? 

É, porque todo mundo que quer botar poema do Vinícius de Moraes em algum assunto vem logo com De tudo ao meu amor serei atento… 

Até eu, que nunca abri um livro de poesia na minha vida, sei que o cara escreveu um monte de outras coisas.”

A Maturidade Angustiada

“Veja como são belos esses jovens pulando com aqueles penduricalhos eletrônicos no pescoço nos anúncios de celular, passando no metrô com uns grampos no nariz e nos supercílios. 

Eles baixam posts, Rique, trocam piadas, confidências, declarações de amor pelo twitter, criam comunidades, gostam de samba-jazz-pop-rock-baião-tecno, vão para a Austrália aprimorar o inglês e morar na casa de uma família que nunca viram. A vida lhes pertence, como um dia, lá por 1986 ou 7, nos pertenceu.”

Os Filmes em que Morremos de Amor

Os Filmes em que Morremos de Amor reúne 30 anos de minha produção poética. Entrei na literatura pela porta adolescente da poesia e, quando, vi, estava escrevendo prosa, lançando livros de contos, me metendo com crônicas e romance. Aí deixei os poemas de lado alguns anos, para retomar meu caminho original na década passada. 

Então, reparei que minha produção do século 21 dava as mãos àquilo que escrevi na ardência dos anos 80 e 90, e achei que dava para fechar um livro, meu primeiro no gênero. Que bom que a turma da Patuá achou o mesmo. Espero que você concorde com a gente. Boa leitura!

As Estranhas Réguas do Tempo - Esgotado

Para manter atualizado meu blog, no ar desde 2009, me vi obrigado a escrever um gênero que pouco exercitei em minha vida de escritor: a crônica. E acho que não o fiz antes justamente porque não possuía a principal motivação do cronista, que é a obrigação de escrever. 

Ao cabo de cinco anos publicando quase que diariamente, percebi que as crônicas que falavam sobre comportamento eram as mais lidas e comentadas. Foi a senha para que nascesse este livro, cujos textos estão quase que inteiramente em sua versão original. 

Uma ou outra alteração foi feita para corrigir vícios que são fruto justamente da urgência e da pressa em publicar, ingredientes fundamentais da crônica.

Histórias de pai, memórias de filho

A enfermeira idosa, cuja coleção de nascimentos assistidos há muito entrara no imenso campo dos milhares, entregou-lhe a filha enrolada em panos e mantas. Para ver pela primeira vez o rosto mais amado de sua vida, sem jeito ele teve que desfazer um tanto aquele embrulho.

Assemelhava-se ao faminto que precisa vencer a casca grossa da fruta até chegar à polpa. Ela vai ficar com a gente? Perguntou, entortado pela falta de habilidade em segurar pacotes frágeis. Para sempre, respondeu a enfermeira, que dando as costas foi tratar de outro que chegava ao mundo.

Voando pela noite (até de manhã) – 2a. edição

“O drive-in não passava de um terreno baldio e escuro, cheio de árvores. O proprietário, sem dinheiro para construir um motel, ergueu uma porção de boxes separados por muros de cimento, onde se estacionava para namorar. O preço era uma bagatela e dava para ficar ali até o amanhecer. A única exigência era entrar com os faróis baixos para não iluminar nenhum par de peitos no carro dos outros.

– Onde fica a tela desse negócio? – Evelyn perguntou.
– Na sua imaginação. – ele respondeu, sem acreditar que ela fosse tão inocente.
– Mas e o filme? – ela insistiu.
– É o mesmo. Há milhões de anos.
– As pessoas vêm aqui para transar?
– Não necessariamente.
– Mas num lugar escuro como esse, um homem e uma mulher não ficam dentro do carro apenas conversando e escutando rádio…
– Provavelmente não.
– Então o que a gente vai fazer?
– Conversar e escutar o rádio. O que você acha?
– Não acho legal.
– Então, só resta uma opção.

Ela sorriu. Chegou mais perto dele. Evelyn tinha os seios lindos. Talvez mais lindos que os de Maggie.

A liberdade é amarela e conversível - 2a. edição

“Desceu acelerando na primeira avenida, uma reta inclinada com uma leve curva no meio e uma bem acentuada no final. Ali jogou a terceira, o ronco do motor na reduzida venceu o barulho do vento e ganhou o céu entardecido de outubro. Na saída da curva, apertou de vez o acelerador e o motor encheu novamente. 

O ponteiro do conta-giro subiu trazendo de volta com ele o vento indomado da velocidade. A liberdade é amarela e conversível, foi o átimo de poesia que lhe veio à cabeça. Sorriu com gosto. Não tivesse as mãos ao volante, anotaria a frase para que depois de sua morte os netos a encontrassem em papel envelhecido dentro de um livro e a creditassem a autor desconhecido.”

A solidão do livro emprestado

Mário virou o copo, bebeu tudo praticamente em um único gole e com um movimento leve matou aquele restinho que fica no fundo, abaixo dos cubos de gelo. Foi para o quar­to e trancou a porta. Marion intrigada escutava da sala o barulho do guarda-roupa sendo remexido. Ouviu a janela ser aberta com rispidez e Mário gritando logo em seguida, olha só o que eu estou fazendo com a porra dos teus cigarros. A janela do quarto era colada na da sala, de forma que pôde assistir ao marido destemperado abrir dois pacotes de Minister que ela comprara para estocar no fim de semana.

Mário abria cada maço, quebrava um por um dos cigarros e os jogava pela janela, gritando toma, sua tabagista inveterada, olha aqui ó, sua boca de cinzeiro, espia só o que eu tô fazendo, sua acio­nista da Souza Cruz, vai morrer em paz de câncer no pulmão, vai! Possessa, Marion não teve dúvida, ah é? 

É isso que você quer então, não é? 

Amassou o cigarro aceso no cinzeiro e tratou de trancar também a porta de um pequeno hall que liga­va a sala ao quarto. Foi até o bar, pegou uma por uma das garrafas de uísque, abriu todas e colocou-as lado a lado no parapeito da janela.

Começou também a gritar, olha aqui ó, seu cachaceiro, e berrava para o marido, mostrando uma gar­rafa de ponta cabeça, todo o conteúdo sendo defenestrado. Olha só o seu Chivas Reagal onde vai parar, agora o Ballantine’s 12 anos, e a edição especial do JB 25 anos, espia só, e despe­java todos até a última gota

Eu nunca fecharei a porta da geladeira com o pé em Brasília - Esgotado

“Volto tudo à procura do hotel e, para o meu espanto, chego rápido, sem maiores cabeçadas, mas não me perguntem por onde vim, onde entrei, de onde saí. Prazer, capital, sempre me falaram muito de você e só agora, dando de cara com o espelho do elevador, é que me lembrei de que não vi esquinas. Brasília não tem esquinas, sempre me falaram, é verdade. Na hora, nem notei. Com o passar do tempo, talvez faça uma canção. 

Bono Vox escreveu Where The Streets Have no Name. Talvez eu escreva A cidade que não tem esquinas. Hi, Charles, how can I say esquinas in english? 

Mas Charles Bronson já foi embora, depois que matou duzentos e cinquenta negros e chicanos. Ela também não veio, o cabelo solto no vento gelado e seco e por aqui eu não conheço mais ninguém. Meus pés descalços, cansados afundam no carpete do quarto. Não há nada de novo em um quarto de hotel. O carpete, os móveis, os quadros, a solidão. 

São sempre os mesmos, só mudam os hóspedes de tudo isso e agora é a minha vez. Restaurante Magnifique Cusine, prazer em servi-lo. Um contrafilé, por favor. Fritas ou purê, senhor? Purê, e o garçom me traz com fritas, dançando no óleo. 

Como a metade, me sinto pela metade, a outra parte de mim ficou em algum lugar, numa portaria da Tijuca, na sala de embarque, na Praça XV vista de cima. Não telefono. Em vez disso, derramo as primeiras lágrimas no Planalto Central. Tenho medo de quantas outras virão. Apago a luz e dou as costas para a janela. Ainda não tenho intimidade para dormir virado de frente para Brasília.”

Voando pela noite (até de manhã)

Ficou de saco cheio da garota. E antes que ela insistisse naquela discussão alucinada, resolveu se vestir. O cheiro de gasolina do carro ao lado estava lhe dando enjoo. O melhor era ir embora. Nada mais iria acontecer naquela noite.
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