Dica – Sexy Ugly, de Paulo Bono

Não costumo escrever sobre dois livros do mesmo autor em um curto espaço de tempo.

Há cerca de dois meses, escrevi sobre Espalitando, um livro de contos do baiano Paulo Bono.

Foi um dos melhores livros que li em 2023.

Pois bem, volto para falar de outro livro do Bono: Sexy Ugly, um dos melhores livros que li em 2024, e olha que ainda estamos em março.

O livro é classificado como uma “novela noir”.

Eu nunca saquei muito bem o que é uma novela literariamente falando.

Manjo de conto, romance, poesia… novela, para mim, é aquilo que a minha mãe via à noite na TV e que tinha o Tarcísio Meira.

Novela noir então, aí é que boiei mesmo.

Mas independentemente de como se chame ou o que seja, o livro de Paulo Bono (mais uma vez) nos pega e não nos larga, ou melhor, nós não conseguimos largá-lo.

Sexy Ugly conta a história de Deco Ramone, um redator publicitário contratado para fazer a campanha de um puteiro para aleijados.

É exatamente isso: um puteiro para aleijados, sem suavização.

Mas fiquem calmos, e antes que joguem pedras ou me cancelem (a mim e ao Bono), não há discriminação em Sexy Ugly, muito menos preconceito ou ofensa.

não há paranoia linguística, medo de escrever desse ou daquele jeito.

O próprio Deco Ramone não trata a si mesmo com muita piedade, ele que é um tipo sempre alvo de discriminação e deboche.

Aliás, a forma até impiedosa com que o narrador trata sua vida é um dos ganchos para cenas hilárias do livro, daquelas de você rir alto no meio do café, chamando a atenção dos outros fregueses.

Paulo Bono e seu Sexy Ugly, humor ácido em livro que a gente não larga

Mas não esperem esse humor forçado, banal e óbvio de stand up comedy

Deco Ramone faz piadas (ácidas) de si próprio, algo salutar para todo ser humano.

Se age assim consigo próprio, que dirá com os outros personagens.

Se você sabe o que é novela em literatura, leia Sexy Ugly.

Se como eu, nem desconfia do que seja, leia do mesmo jeito.

Só acho

Alesc

Acho que ter Caroline de Toni (PL-SC) na presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a CCJ, é a mesma coisa que ter à frente da comissão um homem branco, rico, heterossexual e todo o resto do estigma que ele carrega.

Só acho.

Só acho – A trilha sonora dos preconceitos

Com o perdão de quem gosta, eu acho que essa música sertaneja, que empobrece o Brasil há mais de trinta anos, na qual não existe harmonia, a melodia (horrorosa) é quase sempre a mesma, as vozes são de taquara rachada e as letras são imbecis e estúpidas é, também, a música tema do racismo, do trabalho escravo, do desmatamento, da poluição dos rios e córregos, do machismo, da violência contra a mulher, da homofobia e da discriminação contra nordestinos.

Só acho e, pensando melhor agora, que se foda quem gosta dessa merda.

Dica, Sete Dias em Setembro, de Victor Mascarenhas

Acho que é exagero dizer que há um boom de romances que mesclam a história do Brasil com ficção, mas me parece que há uma vertente trabalhando nesse gênero.

Depois de A Guerra Invisível , de Ana Maria Lopes, sobre a Guerra do Paraguai, e dois romances de Aguinaldo Tadeu – A Mulher que Proclamou a Republica e O Imperador da América – passados no Segundo Império, temos Sete Dias em Setembro , de Victor Mascarenhas, uma narrativa original e super divertida sobre o Grito do Ipiranga.

Nela, Victor repete com competência a fórmula, cria uma ficção com base em fatos reais e se desvencilha dos personagens centrais de um dos principais fatos da história do Brasil, quiçá o principal, para contar o que aconteceu na semana que antecedeu o “Independência ou Morte”.

Na história, os personagens são os mensageiros que levam a carta da Imperatriz Leopoldina e do ministro José Bonifácio a Dom Pedro I o exortando a proclamar a libertar o país do posto de colônia.

No livro, a viagem entre a corte e São Paulo, onde se encontrava o Imperador, é uma odisséia tão difícil quanto foi libertar o Brasil de Portugal.

Assim como os outras obras mencionadas, Sete Dias em Setembro usa a ficção para, quem sabe, despertar no brasileiro, principalmente os jovens, o interesse em apredender a história de nosso país, a forma mais eficaz de que os erros do passado não sejam repetidos no presente.

Resenha: Alexandre Marino sobre As Filhas Moravam com Ele

As Filhas Moravam com Ele”, mais recente livro de André Giusti, reúne 20 contos sob um título que pode enganar os desavisados. Não há neste volume (Ed.Caos&Letras, de Minas Gerais) historinhas familiares de final feliz, dentro dos limites de uma literatura bem comportada.

A leitura de seus textos deixa um amargor na boca, nos olhos e na consciência, porque ele revira as feridas e desmascara a podridão das relações humanas, a hipocrisia dos puros, o lado pecador dos falsos inocentes.

Às vezes sarcástico, às vezes irônico, sempre contundente, André Giusti cria histórias que abordam relacionamentos amorosos, familiares ou de amizade, sempre travados, pela incomunicação ou pela impossibilidade de interseção entre mundos que não se encaixam ou não se suportam.

Os contos de André levam o leitor por caminhos acidentados.

Uma história sobre a compra de uma garrafa de vinho numa adega de bairro ganha densidade inesperada.

O choque de classes entre um trabalhador rural e jovens de elite de Brasília revela que todo encontro é também um desencontro. Tragédias históricas, como a ditadura militar, deixam feridas jamais cicatrizadas.

E até a conquista de uma Copa do Mundo deixa de ser motivo de festa para se tornar angustiante descrição de um mundo feito de solidões.

Giusti, contista e poeta, é carioca e vive em Brasília desde o final dos anos 90. Jornalista, faz do meio profissional tema para histórias impiedosas, como a do antigo chefe que perde sua arrogância numa cama de hospital de subúrbio.

De lá também vem a soberba dos que se iludem com falsas glórias.

Há um lirismo rascante em alguns contos, em contraponto ao ambiente de violência, latente ou explícita, que envolve seus personagens.

A literatura de André é de um realismo impactante, e se em seus contos ele abre espaço para o sonho, também não permite esquecer que a realidade pode ser pior que o imaginável.

Mas, em gesto de benevolência, André Giusti fecha o livro com o conto título, que, depois desse passeio por algumas repartições do inferno, oferece um alívio ao leitor com uma narrativa terna e doce.

“As filhas moravam com ele” é um belíssimo livro, instigante e necessário.

A gente de uma cidade (Poema para o 1º de março)

A gente de uma cidade

O S escorrendo como X
Na esquina no biscoito
Feito espuma de chope
Descendo a tulipa.
Esse deboche
Fantasiado de simpatia
Esse descompromisso
Disfarçado de gentileza:
Vá lá em casa
Depois te passo o endereço.
Possui a teimosia
de resistir e viver
E sorrir e ser alegre
Mesmo quando a própria cidade
Recomenda o exílio e a fuga
E aconselha o sumiço.
Só que além de tudo
Acima de tudo
É um me sentir comigo
Como quem tira apenas os sapatos
E se deita na cama dos pais.

André Giusti

Assista aqui ao vídeo

8 de Janeiro: cicatriz dos atos golpistas ameaça Esplanada como espaço democrático

Manifestantes fazem ato contra governo no dia 8 de janeiro 2023

Um ano depois dos ataques aos Três Poderes, segurança reforçada esvazia tradicional ponto de manifestações no Distrito Federal.

Foto: Joédson Alves / Agência Brasil

Matéria minha para o Projeto #Colabora

O repórter fotográfico Jefferson Rudy com sua foto do Senado depredado

Resenha: Mário Baggio escreve sobre As Filhas Moravam com Ele

Além de denso e profundo, André Giusti é um escritor que escreve com ternura.

Isso é o que primeiro salta aos olhos no contato com sua prosa.

A compaixão que ele sente pelos personagens que cria sai das páginas dos 20 contos desta coletânea e gruda no coração e na mente do leitor.

Nas histórias são narrados fragmentos da vida comezinha que, sob a pena de Giusti, ganham uma luminosidade fora do comum. Transformam-se em acontecimentos extraordinários, como uma visita a uma adega do bairro para comprar uma garrafa de vinho, que se converte numa raivosa luta de classes. Ou como a conquista do tetracampeonato na Copa do Mundo de 1994, que reaviva um casamento à beira do rompimento. Ou ainda como o número de telefone fixo da casa da família, que, ao ser desligado por obsolescência, reacende velhas e dolorosas memórias.

Mas não há só ternura nas histórias de “As filhas moravam com ele”: há poesia também. O lirismo das narrativas chega a doer, tão verdadeiro é, tão espontâneo é, tão sincero é. Esta coletânea vem se juntar a “A maturidade angustiada” e a “Voando pela noite”, exemplos anteriores da prosa de Giusti que tive o prazer de ler, comprovando que escrever uma boa história com o coração é o caminho certeiro para chegar à mente do leitor — e ali ficar.”

Esse foi o texto que escrevi há algum tempo sobre “As filhas moravam com ele”, quando o livro ainda era um arquivo em Word. Agora, terminada a leitura da bela edição em papel da Caos & Letras, minha impressão não só permaneceu como se renovou. É um grande livro de contos, seja pela qualidade das histórias, seja pela humanidade com que são contadas.

No conto que dá título ao volume, lê-se: “São suas filhas, moram com ele, e ele, quando chega em casa, não encontra solidão. A chuva chega com força e o cheiro da terra molhada invade a sala. O vento forte sacode a copa da mangueira. É uma fúria aparente, pois na verdade apenas confirma que ele é feliz e que aquela é uma casa simples e em paz.” Um parágrafo aparentemente banal, comezinho, mas que alcança grandiosidade quando o leitor chega ao surpreendente desfecho.

“A felicidade dolorida do perfume de loção (ou Maria Paula não saberá)” é outro exemplo da poderosa escrita de Giusti: um perfume, que uma menina de 2 anos não esquecerá jamais, esconde um segredo brutal. Um conto curto, direto, que dialoga sem rodeios com a sensibilidade do leitor.

André Giusti, além do lirismo de sua prosa, também faz uso da ironia e do humor, como se lê em “12 de março de 2022” (um encontro de amigos de longa data) e em “Noite de premiação” (aqui, a necessidade de manter as aparências e a civilidade dá um gosto amargo à ironia tão bem descrita pelo autor).

“Esplanada dos ministérios”, “Silvério”, “A moça do jaleco branco”, “Mariana em trinta metros”, “O maestro e o matador” são outros contos que merecem menção e exibem a habilidade de André Giusti de colocar holofotes sobre o banal, transformando-o em produto para reflexão.

Nesse sentido, elejo “Bairro Anatole” como o grande destaque dessa coletânea. Uma construtora vai iniciar uma demolição e uma coisa assim nunca acontece impunemente (o que vai ser derrubado sempre tem significado para alguém). Lê-se: “Há muito não tenho mais o que perder neste mundo. A taberna é parte do meu amor por Helena, o sentimento mais bonito e puro que cultivei. O lugar assim, abandonado, uma parte em destroço, é como o que restou de minha vida. Se querem destruí-lo de vez, eu vou junto. Eu e minha história, que é um paralelo dessas ruínas.”

Costumo mencionar Caio Fernando Abreu e Eric Nepomuceno como autores que me falam diretamente ao coração. Incluo agora André Giusti na lista.

As Filhas Moravam com Ele” é uma coletânea de contos recomendadíssima.

Mário Baggio

Rolar para cima