Três poemas de pai

Por você

Para M ª. Beatriz.

O meu amor é tão grande
Que logo quando nasceu
Já não cabia mais no peito.

O meu amor é tão grande
Que há muito tempo
Já não cabe mais no céu de Brasília
nem em todas as praias do Rio.

O meu amor é tão grande
Que quanto mais se torna imenso,
De mais imensidão ele precisa
Para não me sufocar.

O meu amor é tão grande,
Que já não cabe mais
Dentro dele mesmo.

02/setembro/2005

Meu coração balão de todos os dias

Para Helena

Meu coração é daqueles balões
que enfeitam aniversários de criança.
Um doido balão colorido
com a capacidade mágica-absurda de se recompor
depois que estoura.
Por isso ele está sempre cheio pra
arrebentar de amor toda vez que
espio você ainda dormindo
antes de eu sair pra trabalhar.

Alegria de viver

Para Clarice

Seja noite densa
Ou tarde cinzenta,
Teu sorriso sempre
Amanhece o dia em mim.

Mal sabes, pequenina,
Que enquanto te cobro o casaco posto
O capricho no dever da escola
Ou mesmo quando falo com
A falsa propriedade
Dos tolos que se acham
Sabedores da vida,
É você, irrequieto raio de sol,
Que com a tua alegria
Me ensina a viver.

A pequena mão que nos faz sentir forte

No meio da madrugada, o pai tenta voltar a pegar no sono depois de uma escapulida ao banheiro.

Já está quase conseguindo, quando ouve passos curtos saindo do quarto ao lado e se aproximando de sua cama. A pequena para e, antes que fale alguma coisa, ele pergunta, já sabendo o que é.

Medo, pesadelo, balbucia a voz miúda, oprimida pela escuridão, pelo silêncio da madrugada, por esse mundo de fantasia que rouba a paz do sono das crianças.

Vem, deita aqui, o pai ergue o tronco, e, mesmo sem jeito, alavanca a menina com os dois braços e a aconchega ao seu lado. O trêmulo corpo frio se acomoda no edredom.

A respiração está mais tranquila, mas ainda não é normal. Prestes a reencontrar o caminho do sono, o pai sente a pequena mão se movimentar dentro das cobertas, procurando, procurando.

Mas o que é agora? E quando pergunta, a mãozinha mínima pega na sua e aperta. E assim fica, sem desistir.
Só então a respiração da pequena retoma totalmente a tranquilidade.

Ele, finalmente, encontra de novo o sono, mas não sem antes pensar que pelo menos para alguém, alguma coisa nele é mais forte que o resto do mundo.

Do livro Histórias de Pai, Memórias de Filho (7Letras, 2013)

A felicidade feito uma cesta de três pontos

Semanas atrás, com um velho companheiro de profissão, eu relembrava histórias dos lugares onde trabalhei, os momentos em que, para aliviar a tensão de um ofício em que o stress é ingrediente principal da rotina, homens feitos se permitiam ser moleques de escola. E daqueles que ficam depois da aula na sala da diretora.

Durante mais de quatro anos apresentando o programa CBN Brasília, uma de minhas diversões preferidas era arremessar bolinhas de papel no operador de áudio Bebiano Nunes, um dos melhores profissionais da área técnica do rádio com quem trabalhei.

E a diversão dele era a mesma: devolver em cima de mim as mesmas bolinhas de papel.

Tudo isso com o programa no ar.

Certamente os ouvintes nunca notaram, mas quantas vezes eu, falando ao microfone, levei uma bolada na testa, no nariz, na orelha. O mesmo acontecia com ele, tendo que manter a rádio no ar sendo bombardeado pela minha, modéstia à parte, boa mira.

Havia até comemoração: acertar a testa e o nariz do outro era como marcar uma cesta de três pontos no basquete.

Rindo da lembrança, pensei na felicidade, se ela é uma coisa inteiriça, única, uma cidade a que se chega. Ou se é algo dividido, que vem e vai de forma espaçada, uma estrada que passa por várias cidades e nunca chega a uma em particular.

Acho que fico mesmo com as últimas hipóteses, que constroem a minha certeza de que a felicidade pode muito bem ser acertar a testa do colega de trabalho com uma bolinha de papel.

E comemorar como se houvesse feito uma cesta de três pontos.
*
Do livro As Estranhas Réguas do Tempo (Multifoco, 2014. Esgotado)

A cara de um tempo mágico

Adílio é uma das expressões máximas de um Maracanã socialmente democrático, um lugar de espetáculo para todos, e que há muito já não é mais.

Ele é símbolo de um Flamengo que era essencialmente time do povo, do pobre, do preto, do peão de obra e da empregada doméstica, e, em poucas vezes, do patrão.

Adílio era craque em um futebol mágico, que deixou de existir há quarenta anos.

Obrigado por tantas alegrias.

Road house grill and prime steak and american burgers

Em torno da mesa do bufê
As mulheres enchem os pratos
De doces.
Se olham e se divertem
Com a culpa do pecado.
“Mas é só hoje”
Elas garantem
“E amanhã é um novo dia“
Um dia de academia
Em que retomarão
o princípio-mor da existência,
Que é não engordar
para ficarem bem nas selfies.
Seus maridos sedentários
estão Na 25ª cerveja.
De olhos baços
Fala variando
Ideias perdendo conexão
Discutem qual o melhor
Automóvel:
O da marca japonesa
O da coreana
Ou da chinesa
Que vem abocanhando
Gordas fatias do mercado.
Não há conclusão
Ou concordância,
A não ser
Que é urgente
Imprescindível
Vital e inadiável
Que se compre
O último modelo
De telefone móvel
da consagrada
Marca da fruta
Como símbolo,
E que logo se baixe
o fantástico e maravilhoso
aplicativo
de inteligência artificial
que já vem equipado
com a faculdade de pensar
por cada um de nós.
Concordados,
Sorriem satisfeitos
Como se houvessem
Assinado o tratado
Da paz mundial.
Suas crianças
Estão acima do pescoço
Mergulhadas no pântano
Colorido dos joguinhos de celular.
Nunca saíram dali
Para conhecer a vida real.

É um domingo de paz
Para a classe média
Amortecida
Por bebida
Glicose
E gordura hidrogenada,
levando a vida
dentro da caverna de Platão
Em 10 vezes no Mastercard
se acreditando
Mais perto do banqueiro
Do que do mendigo.
São apenas índios
Endividados
Que não conseguem
Deixar de se olhar
No espelho.
E eu
Passo ao largo
Procurando
Uma distância
Razoavelmente segura
para não morrer entediado.

Inverno

A luz elegante
Do bar da moda
Atravessa
A penumbra calculada
E transpassa
A taça e o vinho.
O frio sobe
Pelas mangas.
Teu beijo
Perfuma a noite
E veste um casaco
Nas estrelas.

Roma

1.

Caminharam cerca de dez minutos até chegarem a outra praça, menor do que as famosas, das quais ele sempre ouviu falar. Ao que os urbanistas no Brasil chamavam de becos ou largos, ali eram praças, mesmo que fossem pequenas feito aquela. Enxergou nisso milenar celebração da vida e da alegria de conviver.

Queria ter ido à Irlanda. O problema é que a agência de viagens só teria o pacote para o mês seguinte, quando já não estaria de férias. Ali, então, fora o lugar que sobrou para irem. A relação conturbada com o pai, um imigrante do início do século vinte, sempre o afastou da ideia e da vontade de conhecer a cidade onde nascera il vecchio, como chamavam o velho na família.

A praça menor não era tão barulhenta, ainda assim ouviam-se ao longe o desespero de sirenes de ambulâncias e as intervenções ríspidas de buzinas, emergindo da massa uniforme do ronco de motores. Aquela cidade era uma velha em um banco de praça falando sozinha, consigo mesma. E falando alto, sem reparar ou se importar que a ouvissem.

Depararam com uma entrada em arco, com seus rijos pilares de pedra que atravessavam séculos, como todas as construções que viram até então. Estranhamente, essa passagem dava acesso a uma universidade, a um museu e a uma pequena basílica. Um átrio, em que o sol do começo de maio despejava a luz da tarde, separava as três edificações. Naquela cidade, todos os prédios levavam a ele a sensação de que caía no poço sem fundo do tempo. Ele não quis estar ali, quis ir para outro país. Mas sem admitir que começava a gostar, pegou-se se sentindo bem e em paz.

Reparou melhor e percebeu que se tratava de uma paz emocionada.

Pressentiu que deveria virar à esquerda e entrar na basílica. Era mais do que um pressentimento; era uma quase certeza de que alguém falara ao seu ouvido, pedindo que fizesse isso. Se a mulher não estivesse de costas, três ou quatro metros a sua frente, juraria que havia sido ela a dizer que entrasse na basílica, tal era a impressão de que alguém havia dito aquilo. E como se provasse um vinho novo, foi andando devagar até a entrada lateral da igreja, pisando, com calma e a boa e inédita emoção, aquele chão onde os séculos também pisaram.

Como não tinha religião, pouca atenção deu às imagens magníficas de santos, anjos e passagens bíblicas. Ali, o comovente era o intangível, o invisível, que se traduziam na mesma paz do átrio, só que agora maior, circulando feito brisa do chão ao teto e entre as paredes da nave.

A mesma impressão de que alguém lhe falava pediu que desse mais quatro ou cinco passos à frente. O barulho do trânsito estava finalmente superado, e o pedido parecia ter sido feito pelo silêncio.

Caminhou breve e parou exatamente em um ponto em que se derramava sobre ele um facho da luz do sol entrando por uma das aberturas dos vitrais. De repente, sentiu-se acolhido e acalentado como jamais provara em sua vida de homem de meia idade. Era como se alguém que o amava muito estivesse lhe abraçando, uma espécie de tio-avô de vaga lembrança com quem brincava e se divertia quando pequeno, mas que morreu ainda em sua segunda infância.

“Desde quando não nos vemos? Desde o século quinze, talvez?”. Espantado, escutou a pergunta do silêncio, a mesma voz que escutava, mas não ouvia, ou vice-versa. Arrepiado e com uma estranha certeza adquirida em um milésimo de segundo, respondeu com o pensamento, sem titubear: “Sim, desde lá”.

A paz emocionada se materializou em forma de algumas discretas lágrimas.

“Então, agora, vá”.

E ele obedeceu novamente.

Enxugando o rosto com as costas da mão, voltou ao átrio e ali esperou pela mulher. Quando ela chegou, se dirigiram a saída, ao enorme arco de pedra. Mas antes que ganhassem a rua, virou-se e, disfarçadamente, acenou e sorriu para a porta vazia da igreja.

2.

Embrenharam-se pelas ruas seculares do bairro mais famoso da cidade. Caía uma tarde fria e brumosa de primavera, as primeiras luzes dos postes se acendiam. A névoa alaranjada pelas lâmpadas acentuava o mistério, o misticismo daquelas ruas milenares. O anoitecer era terracota, feito aquelas fachadas sustentadas pelos séculos.

A esposa procurava no guia a cantina recomenda por amigos, ainda antes da viagem. Enquanto não encontravam, enfronhavam-se mais e mais pelas ruas que pareciam tentar lhes arrastar até o fundo do tempo.

“É ali”, e finalmente ela apontou uma porta de madeira rústica, uns cem metros adiante. Por ele, demoraria um pouco mais a encontrar o restaurante, tão à vontade que estava em seu caminhar fascinado pelas vielas e seu piso de pedra marcado pelos passos antigos da humanidade.

Quando entraram, além do aquecimento do lugar, ele sentiu, entre as paredes e madeira das mesas e cadeiras, o cheiro acumulado do tempo. Ao encontro dos dois, veio um senhor totalmente grisalho, cerca de setenta anos. Sério, cumprimentou os dois, perguntou se a mesa era pro casal. Ele sentiu um calafrio quando encarou o velho. Era a cara de seu tio, irmão mais velho do pai. Ele diria idêntico. Enquanto contava para a esposa, não conseguia tirar os olhos do sujeito. A mulher olhou para trás, queria ver detalhes do rosto do dono da cantina, ver se detectava a semelhança. Mas não resolvia muito espiar, ela só vira esse tio do marido em fotos, já que ele morrera há mais de dez anos, os dois ainda não se conheciam. Mesmo com o pai dele ela convivera pouco, o velho morrera quando eles tinham menos de um ano de namoro.

Pediram o prato quando o dono da cantina trouxe o vinho. Após o gole formal da prova, fez cara de êxtase. Perguntou ao homem onde se encontrava na cidade uma maravilha daquelas. “Em qualquer mercado”, ele respondeu seco, acrescentando, com certa naturalidade orgulhosa, que aquela garrafa, no mercado, não chegava a custar cinco euros. “E ainda há vinhos melhores que este pelo mesmo preço”, acresceu ao assunto. Parecia animado que o freguês conseguia conversar o básico em sua língua. Mesmo assim, não sorria. Era sério, contido, contrito, tão ao contrário do tio sempre sorridente no portão de casa para receber ou se despedir quando ele, os pais e os irmãos iam visitá-lo; o velho tio que matava de rir toda a família. “Arranco um pedaço dessa bunda!”, e falava alto, pondo a cabeça pra fora da janela do carro sempre que um pedestre atravessava na frente e ele tirava um fino da pessoa. Garoto, no banco de trás, ele perdia a respiração nas gargalhadas, e sabia que o tio fazia isso apenas para que ele se divertisse. Em sua seriedade, o dono da cantina era o oposto do velho tio. Mesmo assim, em seu rosto passavam algumas das melhores imagens de sua infância, trazendo junto a saudade do homem que, ao longo dos anos de brigas e discussões em casa, tantas vezes ele quis que fosse seu pai.

Vieram os pratos. Ele pediu espaguete à bolonhesa, o mais simples do cardápio que não tinha luxo; especialidade da mãe, que também já estava lá junto ao pai e ao tio. Com isso, permaneceria ali por mais alguns instantes em sua infância, passada quarenta anos antes e do outro lado do Atlântico.

“Vai ver que é seu parente”, a mulher brincou quando ele tocara novamente na semelhança. Ele se aninou, até por causa do vinho, e, para gastar um pouco mais do que sabia do idioma, disse ao homem que o avô saíra dali um século atrás, fugindo da fome. O sujeito perguntou seu sobrenome, e quando ouviu, contou que era o que não faltava na cidade. Ele mesmo conhecia uns quatro ou cinco, todos de famílias diferentes. “E a gente lá achando que fazemos parte de uma dinastia”, riu, o vinho subindo e pondo mais graça no assunto. “E o senhor, como se chama?”, e tratou de caprichar na entonação para esconder o sotaque. “Genaro Altobelli”, respondeu curto, objetivo. “Altobelli?”, ele ergueu as sobrancelhas, fez ar de surpresa. “Como o autor do terceiro gol na final da Copa de 82?”, arriscou, entusiasmado por engatar a conversa um degrau de dificuldade acima no idioma. Sim, era igual, o velho confirmou, mas também não era a mesma família. Ele sorriu, quase sem graça, e ficou quieto, até porque bateu o medo de que já houvesse chegado ao limite do seu conhecimento da língua.

O dono do lugar trouxe a conta e deu umas duas ou três sugestões de rótulos semelhantes ao que tomaram. Eles pagaram a despesa e o sujeito os levou até a porta, já que ainda não havia muitas mesas ocupadas. A noite esfriara e a névoa travava batalha com as lâmpadas dos postes. Andaram alguns metros e ele achou de se virar para trás. Na porta da cantina, o homem acenava e sorria um sorriso mais largo, mais sincero e carinhoso, como se estivesse agradecendo um reencontro.

Poema fingidamente alegre para disfarce de poesia triste

Para Gianna Xavier

Eu vou escrever um poema
Que pareça alegre
à moça que acha triste
A minha poesia.

Um poema que a ela
soe contente,
embora eu lhe conheça
A verdadeira essência
E o real sentido.

Um poema que,
Imbuído do consagrado
Fingir de poeta,
Fale de sol,
Mesmo que eu saiba
Seu significado de tempestade
e vendaval.

Um poema que para a moça seja dia claro,
Ainda que eu o conceba
Como madrugada que não alcança aurora.

Que a faça pensar em asa de gaivota
Quando no fundo conto
De animal na jaula.

Que eu disfarce opressão
Fazendo-a entender liberdade,
Que ela perceba igualdade
Quando para mim é ferida
De preconceito e discriminação.

Que a moça leia em meu poema
Conversa alegre
De amigos em bar,
Mãos de namorados em parque,
E que só eu saiba
Que é canto de solidão e abandono.

Que a moça que acha
Triste a minha poesia
Acredite que eu falo de sorriso
E que jamais sequer desconfie
Que meu poema trata de lágrimas
Do título ao verso final.

Dica – O Sequestro do Papa

Achei O Sequestro do Papa um baita filme, e olha que tenho visto bons e ótimos filmes ultimamente (Testamento e A Grande Fuga, entre outros).

Esse, italiano, que se passa durante o papado de Pio IX, em Bologna, mostra, em detalhes, o quanto o alto clero da Igreja Católica, com sua vaidade, sua sede de poder, sua luxúria, sua arrogância e prepotência se afastou, ao longo da história, dos ensinamentos, atitudes, gestos e exemplos do Cristo.

Você pode até não acreditar em reencarnação, como eu acredito, mas se vir o filme, vai cogitar a hipótese de que toda aquela gente do Vaticano, não apenas na época em que se passa a história, está toda aí de volta, negociando em cifras a abertura de igrejas, formando bancada no Congresso e até mesmo se elegendo Presidente da República.

Não tenha gratidão (não por quase tudo)

Gratidão não, por favor.

Muito obrigado sincero é o suficiente.

Afinal eu não tirei você da rua da amargura nem paguei seus estudos.

Apenas abri pra você a porta do elevador.

Na dúvida, vá estudar interpretação de texto e conhecer os reais sentido e significado das palavras.

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