Eu nunca fecharei a porta da geladeira com o pé em Brasília

“Volto tudo à procura do hotel e, para o meu espanto, chego rápido, sem maiores cabeçadas, mas não me perguntem por onde vim, onde entrei, de onde saí. Prazer, capital, sempre me falaram muito de você e só agora, dando de cara com o espelho do elevador, é que me lembrei de que não vi esquinas. Brasília não tem esquinas, sempre me falaram, é verdade. Na hora, nem notei. Com o passar do tempo, talvez faça uma canção. Bono Vox escreveu Where The Streets Have no Name. Talvez eu escreva A cidade que não tem esquinas. Hi, Charles, how can I say esquinas in english? Mas Charles Bronson já foi embora, depois que matou duzentos e cinquenta negros e chicanos. Ela também não veio, o cabelo solto no vento gelado e seco e por aqui eu não conheço mais ninguém. Meus pés descalços, cansados afundam no carpete do quarto. Não há nada de novo em um quarto de hotel. O carpete, os móveis, os quadros, a solidão. São sempre os mesmos, só mudam os hóspedes de tudo isso e agora é a minha vez. Restaurante Magnifique Cusine, prazer em servi-lo. Um contrafilé, por favor. Fritas ou purê, senhor? Purê, e o garçom me traz com fritas, dançando no óleo. Como a metade, me sinto pela metade, a outra parte de mim ficou em algum lugar, numa portaria da Tijuca, na sala de embarque, na Praça XV vista de cima. Não telefono. Em vez disso, derramo as primeiras lágrimas no Planalto Central. Tenho medo de quantas outras virão. Apago a luz e dou as costas para a janela. Ainda não tenho intimidade para dormir virado de frente para Brasília.”

 

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