O adeus do último maldito da literatura argentina

Por Alexandre Pilati.

 

A literatura argentina perdeu, no último dia 21 de agosto, Rodolfo Fogwill, um escritor que era considerado “o último maldito das letras argentinas”. Um enfisema pulmonar deu fim à máquina de polêmicas que era Fogwill, um romancista e contista que deixou mais de 20 livros, infelizmente pouco difundidos aqui no Brasil.

A narrativa de Rodolfo Fogwill era reconhecida como uma das mais vigorosas do final do século XX, comparável, em alcance e importância, às de seus antecessores Julio Cortázar e Jorge Luis Borges. Mas, na verdade, sua literatura tem pouca semelhança com as de seus conterrâneos ilustres, configurando-se como uma escrita absolutamente nova e criativa, numa nação que é caracterizada pela boa literatura.

Seus textos são marcados, principalmente, pela tonalidade força libertária e transgressora que marcou também o exercício das profissões de jornalista e professor. Sempre que se posicionava publicamente, Fogwill causava polêmica, como nos casos em que polemizou com as Mães da praça de maio, uma verdadeira instituição argentina, e com grupos de diferentes matizes ideológicos, como os defensores do aborto e do casamento homossexual. O autor colecionou também polêmicas com críticos e escritores como os renomadíssimos Ricardo Piglia, Beatriz Sarlo e Alan Pauls.

 

Um dos melhores romances da década de 80

No Brasil está disponível apenas um dos livros de Rodolfo Fogwill, o romance hiperrealista Os pichicegos – Malvinas uma batalha subterrânea. Este é certamente um dos melhores livros da América Latina da década de 80, porque consegue apresentar, como poucos, a enrascada histórica em que o continente se encontrava naquela época.

Para se ter uma idéia da sua contundência, basta lembrar que o romance foi proibido na Argentina quando saiu em 1982. Com 25 anos de atraso, em 2007, o livro finalmente chegou ao Brasil, numa edição bem cuidada da editora Casa da Palavra.

O livro foi escrito durante os últimos dias da Guerra das Malvinas, em que se enfrentaram durante 40 longos dias de 1982, o Reino Unido e a Argentina pela posse das ilhas que hoje são conhecidas, após a vitória britânica, como ilhas Falklands. O relato de Fogwill é um questionamento da guerra, que deixou mais de 1000 mortos, e do militarismo que a gerou. A narrativa extremamente objetiva de Fogwill nos leva a sentir repúdio pelo combate armado sem sentido e pela ditadura militar.

O enredo: pichicegos como tatus humanos

Pichicego, em castelhano, designa uma espécie de tatu, que passa a maior parte do tempo sob a terra e que se encontra, sobretudo, no território Argentino. Essa é a grande metáfora que cria o enredo da obra de Fogwill, pois nela se conta a história de um grupo de desertores do exército argentino que está em missão nas Malvinas.

Esses soldados desertores trocam o combate contra os britânicos pela luta por sobreviver ao inverno gelado das Malvinas. Para escapar do frio e das patrulhas argentinas que não perdoariam os desertores, eles criam um abrigo subterrâneo, uma verdadeira toca de tatu.

Os soldados pichicegos só deixam a toca à noite e para sobreviver trocam favores com os ex-inimigos britânicos. Em troca de alimentos, agasalhos e pilhas para lanternas eles indicam aos soldados britânicos a localização de alvos estratégicos argentinos que logo são destruídos pelos aviões ingleses. Assim, no espaço escuro do abrigo que criaram, fugindo do absurdo da guerra, resta aos pichicegos passarem as horas conversando, em diálogos banais que mostram exatamente que aqueles homens não têm nada em comum a não ser o fato de se acharem num absurdo combate com os ingleses. É um livro escepcional.

Com a morte de Rodolfo Fogwill, esperamos que outros de seus livros “maditos” possam chegar ao leitor brasileiro, especialmente os Contos completos, que recentemente foram publicados em espanhol pela editora Alfaguara, que também está presente no Brasil.

Eu e Alexandre Pilati conversamos toda segunda e terça sobre literatura na BandNews FM às 16h51 e 11j31.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima